Comunhão cristã

Reflexões sobre a comunhão em Cristo e em sua Palavra.

Romeu Bornelli

“De maneira que nós, daqui em diante, a ninguém conhecemos segundo a carne; e, mesmo que antes tenhamos conhecido a Cristo segundo a carne, já não o conheceremos assim. Portanto, se alguém está em Cristo, nova criatura é; as coisas velhas passaram; eis que todas as coisas se fizeram novas” (2 Cor. 5:16-17).

Já sabemos algo sobre a beleza da comunhão na Trindade, e nossa comunhão com o Pai através de seu Filho. Ao recebermos a Jesus como Senhor e Salvador, aqueles que foram colocados em união com Cristo experimentam uma separação de tudo o que não é compatível com ele.

Na expressão de Paulo: “Se alguém está em Cristo, uma nova criatura é; as coisas velhas já passaram”, ele não está dizendo que algumas coisas foram renovadas, mas que tudo foi feito novo. A partir da obra do Calvário, há um abismo insuperável entre nós e todas as coisas. Em seguida, a expressão “todas as coisas se fizeram novas” requer ser aplicada em vários aspectos. Agora vamos aplicá-la em particular à nossa comunhão.

Comunhão no Mediador

Cristo foi colocado como mediador entre nós e todas as coisas materiais e humanas, entre nós e as relações humanas. Não há mais relações direta com ninguém, porque fomos colocados em Cristo, e ele é o mediador de tudo. Se este não for o nosso caso, eles irão dificultar a nossa vida espiritual.

Vamos ilustrar isso. Abraão foi chamado de Ur dos caldeus, uma terra de paganismo. O Senhor o visitou onze vezes. Nestas ricas visitas, Deus o está levando de glória em glória, de Ur até Moriá. E em Moriá, Abraão levanta o seu último altar. Ao longo de sua vida, Abraão construiu quatro altares, cada um com um significado especial. No final da sua jornada, ele está em Moriá. A palavra Moriá significa visível; então a ideia de Moriá é um testemunho.

Deus levou Abraão para aquele lugar, porque lá ele representaria algo. Que tremendo! Abraão era um pagão; ele não conhecia a Deus. Em sua terra natal havia cerca de cinco mil tipos de ídolos. Lá, “o Deus da glória apareceu ao nosso pai Abraão” (Atos 7:2). Então a vida daquele homem foi tratada.

O que Deus estava procurando? Primeiro, intimidade com Abraão. E então, representatividade. Abraão era um idolatra, um pagão, mas Deus trabalhou nele até obter um amigo. Isso é comunhão, mas também houve representatividade. Em Moriá, Abraão representará nada menos que Deus, o Pai eterno.

Deus diz a Abraão: “Toma agora teu filho, teu único filho, Isaque, a quem amas e vai-te à terra de Moriá e oferece-o ali em holocausto sobre um dos montes que eu te direi (Gen. 22:2). Esta é uma figura na história do Calvário – o Pai oferecendo ao seu amado filho unigênito.

Aquele monte foi o lugar onde Salomão construiu o templo. O princípio da casa de Deus é o altar. Sem um altar, não há casa de Deus. O altar fala da centralidade da pessoa e da obra de Cristo, e fala também de consagração. A figura de Moriá está completa: Abraão representando Deus, o Pai.

Abraão amava seu filho. Além disso, ao olhar para Isaque, ele viu “a promessa”: “Em tua semente, serão benditas todas as nações da terra” (Gen. 22:18). Não podemos avaliar o peso que isso tinha em Abraão. Aquele era um filho impossível, e Deus deu a ele. O presente de Deus para ele tinha um nome: Isaque. Seu coração estava enlaçado a aquela criança, de modo que ele se apegou mais a promessa do que ao Deus da promessa. Mas Deus não deixaria de trabalhar no próprio Abraão.

Quando Isaque nasceu, Abraão o colocou em sua tenda. Todos os patriarcas viveram uma vida de altar e tenda. O altar significa consagração e a tenda nos fala de peregrinação. Este também é o caso de nossas vidas: consagração e peregrinação.

Abraão está agora em Moriá, ligado ao filho da promessa, e Deus trabalhará em seu coração. Abraão levanta a faca contra Isaque, e ouve a voz: Não estendas tua mão sobre o rapaz, nem lhe faças nada; porque agora sei que temes a Deus, porquanto não me negaste teu filho, teu único filho (Gen. 22:12).

Antes de Moriá, Abraão tinha colocado seu filho dentro de sua tenda sem que ele tivesse passado pelo altar. “Mas os justos pela fé viverão” (Rom. 1:17). Tudo o que colocarmos na tenda e não passamos pelo altar vai corromper os nossos corações. Em outras palavras, Deus está dizendo: “Abraão, tire Isaque da tenda, para que o seu coração não se corrompa, e coloque-o no altar”.

Ao mesmo tempo em que Deus trabalhava em Abraão, este também deu um testemunho maravilhoso do amor do Pai pelo Filho, e da dedicação do Filho ao Pai. O Pai entrega ao seu amado filho unigênito. Quando eles sobem a Moriá, para Abraão, o filho da promessa era mais importante do que o Deus da Promessa. Mas ao descer do monte, após a experiência do altar, o Mediador se pôs entre o pai da fé e o filho da promessa. Agora a fé de Abraão está apoiada pelo Deus da promessa.

A chave para a verdadeira comunhão

Para aqueles que pertencem ao Senhor, não é possível o relacionamento direto. Toda relação direta com as pessoas ou coisas corromperá o coração. Agora o verso de 2 Coríntios fica mais claro. Aquele que está em Cristo é uma nova criação; as coisas velhas já passaram, eis que tudo se fez novo. Que chave temos aqui para uma verdadeira comunhão!

Vamos aplicar isso um pouco mais. Por exemplo, como a vida conjugal pode se desenvolver? Se cada cônjuge aprender a ter comunhão no Mediador. O casamento não é uma questão de simpatia, nem de encontrar beleza um no outro, nem é um pacto ou um acordo. O casamento só pode prosperar se ambos tiverem comunhão no Mediador.

No corpo de Cristo não há lugar para relações diretas, para simpatias ou antipatias. Nele, tudo se tornou novo. Há irmãos que se conhecem há muitos anos. Essas relações naturais têm o seu lugar, mas não têm significado espiritual. O mundo também tem relações sociais, de amizade, de trabalho. Mas apenas as relações estabelecidas no Mediador têm valor espiritual. O Senhor nos ajude a entendê-lo. Caso contrário, teremos problemas, dos quais citaremos alguns.

Temos um círculo de amizades dentro da igreja, irmãos que são simpáticos conosco, e gostamos de estar com eles. Isso quebra a comunhão do corpo de Cristo. Devemos entender que já somos um grupo seleto para Deus. Somos escolhidos e santificados em Cristo Jesus, chamados para sermos santos. Somos um povo extremamente especial. Deus fez um pacto conosco. Sim, Deus ama o mundo, e Ele deu seu Filho como o Salvador do mundo; mas Cristo só intercede pela igreja. Esse é o nosso privilégio.

O Senhor nos ajudará a entender quão danosa a nossa comunhão pode ser se não for estabelecida no Mediador. É por isso que Paulo diz em Efésias 4:1-2. Rogo-vos, pois, eu, o preso no Senhor, que andeis como é digno da vocação com que fostes chamados,com toda humildade e mansidão, com longanimidade, suportando-vos uns aos outros em amor”. A ideia não é nos tolerar, mas colocar os nossos ombros debaixo dos irmãos, sendo um apoio para eles.

Não há nada de errado em fazer um churrasco juntos. Mas isso não é comunhão. Diminuímos o sentido de comunhão quando dizemos: “Vamos ter uma comunhão em minha casa”, e isso é realmente apenas comer juntos, mas não é necessariamente comunhão. Se estando juntos não tocarmos no Senhor, não tocarmos em suas verdades e na sua palavra, não tocarmos no que ele está fazendo em seu corpo, então não houve comunhão, aquilo foi um momento de fraternidade, apenas isso.

Então vamos valorizar mais a comunhão, impedindo que simpatias e antipatias as quebrem. Não vamos procurar servir os amáveis e evitar aos não amáveis. Isso é apenas a atividade da carne. A igreja não é um grupo social de fraternidade – é o corpo de Cristo. Somos membros uns dos outros. Esta é uma frase tão especial de Paulo. “Somos um corpo em Cristo”. E com o mesmo peso e força, ele acrescenta: “e todos nós membros uns dos outros” (Rom. 12:5).

Um povo que vive só

O tempo está se encurtando. Se o Senhor tardar, não viveremos na mesma condição que vivemos hoje. Veja o que acontece hoje nas relações humanas. É uma avalanche de impiedade incontrolável; é o mistério da iniquidade que vai operando de forma cada vez mais violenta, atacando nossos filhos, netos e famílias, em todos os sentidos. Esse é o mundo em que vivemos.

Nós só temos o nosso Senhor, e temos uns aos outros. Graças a Deus pela comunhão do corpo de Cristo. Precisamos avançar espiritualmente, e conhecer mais sobre a comunhão de Cristo e a comunhão da igreja.

Em Números 23:9 há uma frase muito especial. Balaão sobe a montanha; ele tinha sido subornado para amaldiçoar Israel, mas o Espírito de Deus tomou posse dele, e o fez dizer: “Porque do cume das penhas o vejo, e dos outeiros o contemplo; eis que é um povo que habita só e não será reputado entre as nações”. Que verdade maravilhosa! Balaão não pôde senão abençoar. Somos um povo que vive só. Era verdade para Israel, e é a mesma verdade com a igreja.

“Então, se alguém está em Cristo, nova criatura é; as coisas velhas já passaram; eis que tudo foram feitos novos”. Então só temos dois relacionamentos: nossa relação com Deus em Cristo e nossa relação uns com os outros.

Quando Deus se interpôs entre Abraão e seu filho, Ele exigiu que ele colocasse aquele dom sobre o altar, para ensiná-lo a nunca colocar nada entre ele e Deus, nem mesmo os seus dons. “O Espírito que ele fez habitar em nós anseia por nós com ciúmes” (Tg. 4:5). Como Abraão, fomos chamados para sermos amigos de Deus. Tudo em nossas vidas vai passar: família, trabalho, bens. Só nosso Amigo não passará.

Quando Deus dá essa grande bênção e o coração de Abraão se apega ao filho da promessa, então o seu amigo teve ciúmes. Não é porque Deus precisa de algo, mas por causa de Abraão. Deus é incorruptível, mas o coração de Abraão podia se corromper.

Vejamos os nossos relacionamentos. Como crescemos na vida conjugal? Tentamos crescer conversando um com o outro, abrindo os corações? Não há nada de errado com isso. Mas essa não é a maneira de crescermos juntos espiritualmente.

Só cresceremos se estabelecermos uma relação de altar com Deus e uma comunhão entre si no Mediador. Quanto mais próximos estivermos do Mediador, mais próximos estaremos um do outro. Quanto disso é uma realidade em nossas vidas hoje?

A relação conjugal é única. Foi o que Deus estabeleceu na terra para termos um testemunho particular de Cristo e da igreja. Precisamos avançar na comunhão no Mediador, para que todo o resto possa fazer sentido: as alegrias, aflições, dons e bênçãos que Deus nos deu.

Comunhão sob a Palavra

Vamos dar um segundo passo: a comunhão sob a palavra de Deus. Não é possível seguir em frente como igreja se não aprendermos o que isso significa. O que deve estar no centro de nossas reuniões e nossa comunhão é o Senhor e sua palavra.

Quando alguém prega, todos nós somos avaliados; estamos juntos no mesmo serviço. Usaremos o púlpito para entreter contando piadas, histórias e outras coisas? Quando abrimos a boca, há consciência da presença de Deus entre nós? Que tragédia é quando a palavra de Deus é falada e ouvida, seja no púlpito ou em uma casa, mas não há consciência da presença divina.

A palavra de Deus e a presença de Deus são inseparáveis. Mas nosso problema é que, por falta do trabalho da cruz mais profunda em nós, falta de comunhão aos pés do Senhor, falta de um espírito de oração, tudo isso significa que, apesar de usar a sua palavra, ela não carrega a Sua presença. Quando Deus dá a sua palavra, ele quer que a sua presença seja uma realidade em nós.

Jonathan Edwards era um homem muito inteligente, um dos grandes filósofos dos Estados Unidos. Um dia, ele foi ganho por Cristo. O Espírito de Deus encheu a sua vida pessoal. Edwards era um homem monótono. Ele escrevia seus sermões, parava no púlpito como uma estátua, começava a ler, e as pessoas caíam no chão dizendo: “Ó Deus, tenha misericórdia de mim!” Essa era a presença de Deus.

Por que perdemos a presença de Deus? Porque não temos uma vida aos pés dele. Fazemos muitas coisas, mas perdemos o assombro. É por isso que somos tão simples. O Senhor tenha misericórdia de nós, porque se ele tardar, nossa fé não se sustentará. Quando a avalanche de maldade crescer, o amor de muitos se esfriará. Só podemos ser preservados permanecendo aos pés do Senhor.

Davi e a Voz do Senhor

O Salmo 29 mostra o que significa a comunhão sob a Palavra. Davi escreveu este salmo magnífico quando ele ainda era um pastor. É possível estudar a vida de Davi através dos seus salmos, e ver como ele foi crescendo no conhecimento de Deus. Neste salmo do pastor, ele usa figuras da natureza, que ele conhecia muito bem, e as compara à voz do Senhor.

O que mais necessitamos entre nós é a voz do Senhor. Paulo diz que se a trombeta der um som incerto, quem se preparará para a batalha? Vivemos um tempo singular, porque ele, em sua bondade, tem se revelado a nós. Mas qual tem sido a nossa resposta? Vivemos aos pés do Senhor? Ou estamos ocupados com o trabalho dele há tanto tempo que ela já se tornou automática? Sabemos como fazer as coisas, até sabemos como pregar. Mas e a voz do Senhor?

O que Davi diz sobre isso? “A voz do Senhor sobre as águas” (Sal. 29:3). Não é possível ler este versículo sem lembrar de Gênesis capítulo 1. “O Espírito de Deus se movia na face das águas. E disse Deus: Haja luz, e houve luz” (v. 2-3). A voz de Deus é ouvida nas águas.

A voz do Senhor coloca ordem no caos das nossas vidas. Sua voz representa o seu governo. Quando nossos filhos não são bem governados por nós, eles se tornam inquietos e inseguros. O governo traz segurança. A voz de Deus coloca ordem no caos. Esta é a primeira admiração de Davi.

“Troveja o Deus da glória, o Senhor sobre as muitas águas” (v. 3). Por natureza, nossa alma é um caos, uma completa desordem. Temos emoções e pensamentos desordenados. “Porque eu não faço o bem que eu quero, mas o mal que eu não quero, é isso que eu faço” (Rom. 7:19). Essa é uma luta de quem pertence ao Senhor. Qual é a nossa esperança? A voz do Senhor sobre as muitas águas.

As muitas águas sempre representam o caos. É por isso que Davi ora: “Sonda-me, ó Deus, e conheça o meu coração; prova-me e conheça os meus pensamentos; e veja se há um caminho de perversidade em mim, e guia-me no caminho eterno” (Salmo 139:23-24). O que Davi está pedindo? A voz do Senhor sobre o caos.

Quanto caos há em nossos corações! Qual é a nossa esperança? Ouvir a voz do Senhor. Graças a Deus por sua palavra! Vivamos aos seus pés e confessemos: “Senhor, eu não tenho sido um homem sob a sua voz. Venha ao meu encontro e me ajude. Ordena o meu caos, restaura o sentimento de assombro na minha vida”.

Austin-Sparks disse: “Quando as verdades de Deus se tornam familiares e bem conhecidas, estaremos correndo um grande perigo”. Se alguém diz: “Eu estudei tanto este assunto; tenho uma biblioteca de três mil livros, vou a todas as conferências”, isso não significa nada em si mesmo. Só importa se ouvirmos a voz do Senhor.

“Voz do Senhor com poder; voz do Senhor com glória” (v. 4). É o sentido de assombro ou admiração de Spurgeon, como aquele “Oh!”. A glória de Cristo nunca será algo comum para nós.

“A voz do Senhor que quebra os cedros; o Senhor quebra os cedros do Líbano” (v. 5). Os cedros representam a altivez. Há muito do cedro em nós. Há um lado positivo: “Os justos florescerão como a palmeira; crescerá como cedro no Líbano. Plantadas na casa do Senhor, nos átrios do nosso Deus, florescerão” (Sal. 92:12-13). Isso fala de estabilidade, mas também o cedro é uma figura da soberba.

Quando Davi pastoreava as ovelhas, ele viu nuvens escuras, trovões e relâmpagos que caíam e quebravam os cedros. Só a voz de Deus pode fazer isso. Precisamos ser quebrados. É a chave para conhecer o Senhor, servi-lo, e para que a soberba não nos ganhe.

“Ele os fez saltar como bezerros; Líbano e Sirión como filhos de búfalos” (v. 6). Isso nos lembra Malaquias anunciando a glória do Senhor em sua vinda. “Mas para vós que temeis o meu nome, o Sol da justiça nascerá, e em suas asas trará salvação; e vós saireis, e saltareis como bezerros do rebanho” (Mal. 4:2).

O que podemos experimentar hoje? A voz do Senhor nos faz saltar de alegria? Por que ela traz gozo ao coração? Porque a voz dele nos leva à presença divina. Se a Palavra não nos levar à sua presença, não produzirá nada em nós. Pode ser uma boa doutrina, uma grande revelação, mas não trará nenhum sentido da presença de Deus.

Arrependimento

Cada crente, cada igreja, é responsável por ir aos pés do Senhor e dizer: “Senhor, perdoe-nos”, assim como Daniel no capítulo 9 de seu livro. Ele viveu uma vida santa, mas orava no plural, identificando-se com o seu povo. “Temos pecado contra ti... Tua é, Senhor, a justiça, e nossa a confusão de rosto. Ouve, Senhor; Ó Senhor, perdoa; dê ouvidos, Senhor, e opera” (Dan. 9:5, 7, 19).

O que mais precisamos hoje é recuperar a presença de Deus entre nós, para que, ao reunirmos, o Pastor e Bispo das nossas almas possa pegar a vara e o cajado, e caminhar entre nós. Cinco minutos na presença de Deus fazem mais em nossos corações do que anos de estudo bíblico.

Para que isso aconteça, só há um caminho: arrependimento. Isto é tão simples, embora para nós seja difícil, porque temos que reconhecer o nosso fracasso, mesmo na frente dos outros. Isso é verdade para todas as igrejas do Senhor. Vivemos em dias desafiadores. Hoje não basta abrir a Bíblia e ouvir uma mensagem. Precisamos recuperar o vigor espiritual, o sentido da presença de Deus.

Diante de Deus temos profunda alegria, reverência e medo. Ele é um fogo consumidor, mas perante ele também podemos dizer: “Abba, Pai”. E o gozo enche os nossos corações. Precisamos recuperar esse equilíbrio!

“A voz do Senhor que derrama chamas de fogo”  (v. 7). Fogo é luz e calor. Deus é fogo consumidor, e é luz. Não há trevas nele. Deus não pode ser ridicularizado. Ele é a luz do fogo, mas ao mesmo tempo é o calor que anima e conforta. Ele vai trazer luz ao que precisa ser corrigido; mas também nos abrigará em seu seio.

Lembrem de Pedro. O Senhor trabalhou nele. Quando o discípulo negou o seu Mestre, no pátio do sumo sacerdote, então, de longe, Jesus olhou para ele sem uma palavra. Seus olhos são “como chamas de fogo.” O coração de Pedro foi desnudado, mas havia luz e calor em seu coração.

Pedro estava tão humilhado. Ele tinha chamado Jesus de anátema. Por outro lado, no entanto, ele sabia que não tinha outra esperança além do seu próprio Senhor. Portanto, quando Jesus ressuscitou, ele enviou-lhe uma mensagem através daquelas mulheres: “Mas ide, dizei aos seus discípulos, e a Pedro, que ele vá diante de vós para a Galileia” (Mar. 16:7). O Senhor se adiantou para marcar um encontro com o seu servo.

“A voz do Senhor faz tremer o deserto; O Senhor faz tremer o deserto de Cades” (v. 8). Em Isaías 64, mais uma vez, vemos o assombro na presença de Deus. Há um clamor: “Ó se rasgares os céus, e desceres, e à tua presença se derretessem os montes,como o fogo inflama na ramagem, fogo que faz as águas ferverem, para fazeres notório teu Nome a teus inimigos, e as nações tremessem em tua presença!Quando, fazendo coisas terríveis as quais nunca esperávamos, desceste, fluíram os montes diante de ti (v. 1-3).

E o lindo versículo 4: “Nem jamais ouviram, nem ouvidos perceberam, nem com olhos se viu Deus além de ti, que trabalha em favor daquele que nele espera”. Conclusão maravilhosa. Ele está pedindo a verdadeira presença divina no meio do seu povo, pois não há Deus como ele, que trabalha para aqueles que esperam nele.

Isto é a obra de Deus. Ninguém além dele pode fazer a sua obra. Então, o que precisamos? Sua presença. Então, se temos aprendido, como igreja, a cultivar a presença de Deus, quando vamos ajudar outros irmãos, Deus já estará operando ali, convencendo, guiando ao arrependimento, trazendo convicção ao coração.

Pois não saireis apressadamente, nem ireis em fuga; porque o Senhor irá diante de vós, e o Deus de Israel será a vossa retaguarda (Is. 52:12, versão em português). Isso é vital; é a chave para o serviço ao Senhor. Se ele não está na vanguarda de tudo o que fazemos, ele não será a nossa retaguarda. Deus só é responsável de ser a retaguarda por aquilo que ele próprio tenha sido a vanguarda. Então nossa oração deve ser: “Senhor, nesta situação, qual é o teu tempo? Qual é o teu caminho? Qual é a tua palavra?

A voz do Senhor faz as corças dar à luz, e desnuda as florestas; e no seu templo todos dizem: Glória! (v. 9). “A voz do Senhor faz as corças darem crias”, diz a versão em português. A palavra dele é frutífera. Às vezes falamos e fazemos tanto, mas só a palavra viva do Senhor é que faz frutificar.

“... e desnudar a floresta”. A palavra de Deus expõe o que somos. Nada está oculto dela. Quando Adão pecou, ele se escondeu atrás das árvores no jardim. Então Deus disse: “Adão, onde estás?”. A voz do Senhor despiu o homem, e o homem viu que havia ofensa em sua consciência.

Tudo proclama a sua glória

“Em seu templo tudo proclama a sua glória” (v. 9). Este é um salmo maravilhoso. Davi, ainda um jovem pastor, viu tudo isso na natureza. Ele fez uma comparação: “Esta é a voz do Senhor para mim: ele coloca ordem no meu caos, tira a floresta, quebra os cedros, faz a corça dar cria.” E o resultado é que, em uma analogia espiritual, “em seu templo, tudo proclama a sua glória”.

Se a palavra e a presença do Senhor fossem uma realidade viva para nós, qual seria o resultado? Glória! Este é o caminho da nossa comunhão. Isso é tudo nosso; nada é do mundo. O Senhor é nosso; sua graça, sua presença, sua palavra e seus tesouros são nossos. Precisamos recuperá-los.

O Senhor nos tem dado uma palavra sólida, e Ele nos tem dado discernimento. Isso é vital. Assim como o trabalho e o serviço. Éfeso tinha tudo isso, mas perdeu a presença de Deus. “Mas eu tenho contra ti, que tens deixado o teu primeiro amor” (Apoc. 2:4), o melhor amor, a relação pessoal íntima com o Senhor, quando ele era tudo para eles. Mas eles colocaram outras coisas no lugar do Senhor.

Muitas coisas podem ocupar o lugar do Senhor, começando em nossas casas: talvez a esposa, os filhos, os bens, a obra de Deus. Seja o que for, tudo o que vai ofuscá-lo, porque nossos olhos são vendados quando colocamos outras coisas em pé de igualdade com o Senhor, como em Éfeso.

O Senhor continue a falar conosco pessoalmente e corporativamente. Todos temos a mesma carga, estamos no mesmo barco e precisamos recuperar a palavra e a presença do Senhor entre nós. Que o Senhor nos guie a um arrependimento sincero, e obtenha essa glória em seu templo, pois por isso fomos chamados. Amém.

Síntese de uma mensagem oral ministrada em Cholchol (Chile), em julho de 2018.

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