Grandes marcos na vida de Cristo

Fatos fundamentais que nos revelam quem Jesus é, sua pessoa e sua glória.

Rodrigo Abarca

Desprezado e rejeitado entre os homens, varão de dores, experimentado nos sofrimentos” (Is. 53:3).

Quem é Jesus?

Não há outra pessoa que tenha produzido tal impacto na história da humanidade como Jesus. Quem é ele? Os evangelhos foram escritos para responder esta pergunta.

Os fariseus disseram: “Até quando nos deixarás perplexos? Se Tu és o Cristo, dize isso a nós abertamente” (João 10:24). Os discípulos se perguntavam: “Que homem é este, que até os ventos e o mar lhe obedecem?” (Mat. 8:27).

Os evangelhos não são uma biografia comum, mas são relatos bastante seletivos. Lucas escreve: “Visto que muitos têm empreendido fazer uma narração coordenada dos fatos que entre nós se realizaram” (Luc. 1:1).

Também não é uma literatura de ficção nem especulação filosófica. Contêm fatos reais, testemunhados por aqueles que os viram com os seus olhos.

Ao estudarmos a vida de Jesus, podemos ressaltar nela alguns marcos fundamentais que nos revelam quem ele é, sua pessoa e sua glória: a preexistência de Cristo, sua encarnação como homem verdadeiro e perfeito, seu ministério terreno, e os eventos de seus últimos dias. Destes, veremos com mais detalhes a tentação no deserto, a hora do quebrantamento no Getsêmani, sua crucificação, morte e ressurreição.

A preexistência de Cristo

Jesus não começou a existir quando foi concebido por Maria, mas existia desde a eternidade: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus” (João 1:1). O Verbo, para os gregos, é o Logos: a palavra, a razão, a ordem, o design, a inteligência atrás do universo.

A verdade sobre a identidade divina de Jesus não proveio dos homens, mas do próprio Jesus. Os judeus entenderam claramente o que quis dizercom as palavras: “Antes que Abraão fosse, eu sou” (João 8:58), e em consequência disso, pegaram pedras para apedrejá-lo pela blasfêmia de se fazer igual a Deus.

Quando Pedro lhe disse: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” (Mat. 16:16), Jesus reconheceu explicitamente, ser o Messias, mas com o encargo adicional do que isso significava: que ele era também o filho do Deus vivo. Além disso, as suas palavras e atos mostraram que ele tinha plena consciência de sua identidade divina. Os discípulos, o ouvindo e o vendo agir, obtiveram dele essa compreensão. Ele demonstrou estar consciente de sua divindade porque agiu como tal. Se na cosmovisão judia existia um único Deus, então Jesus se identificou com esse Deus, o Deus de Israel.

Jesus, homem verdadeiro e perfeito

Jesus não só reivindicou para si a identidade divina; mas também viveu e agiu como um homem de verdade. Ele se referiu muitas vezes a si mesmo como “o Filho do Homem”, identificando-se assim com todos nós.

“E o Verbo foi feito carne” (João 1:14). Em sua condição divina, ele possui a natureza e todos os atributos da divindade. Entretanto, ele assumiu também uma natureza plenamente humana. De alguma forma, não conseguimos compreender, sem nunca deixar de ser Deus, se autolimitou, despojando-se da expressão de seus atributos divinos essenciais, para viver uma vida totalmente humana.

Jesus nasceu como um homem de verdade, mas com uma grande diferença com respeito a nós: ele nasceu sem pecado. Nesta condição, passou por todas as experiências humanas. Ele tinha um corpo, uma alma e um espírito humano. Nasceu como um bebê e foi uma criança como qualquer um de nós. Como todo homem, tinha que aprender, crescer e amadurecer. Ele tinha que percorrer toda a jornada do homem, para recapitular em si mesmo toda a vida humana.

Jesus começa o seu ministério

“Batizado que foi Jesus, saiu logo da água; e eis que se lhe abriram os céus, e viu o Espírito Santo de Deus descendo como uma pomba e vindo sobre ele;e eis que uma voz dos céus dizia: Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo” (Mat. 3:16-17).

Seus primeiros trinta anos de vida secreta recebem aqui uma completa aprovação do seu Pai. A partir deste momento, ele começa o seu ministério público e recebe uma capacitação especial para exercê-lo pelo poder do Espírito Santo.

O Espírito Santo, em Isaías, descreve profeticamente a Cristo como o “varão de dores, experimentado nos sofrimentos” (Is. 53:3). Um homem que conhece não apenas o sofrimento, mas o conhece profundamente; ao ponto de ser experimentado na dor humana.

Jesus sofreu as nossas dores, levou os nossos pecados e foi castigado no nosso lugar. Sua vida terminou num extremo sofrimento; mas, na realidade, toda a sua jornada esteve marcada pelo quebrantamento. Ser o mais perfeito, santo e puro dos homens não significou para ele uma vida sem sofrimentos.

Às vezes cremos que caminhar em obediência na vontade de Deus nos impedirá de sofrer. Mas não é assim. O próprio Filho de Deus padeceu, mesmo fazendo a perfeita vontade de Deus. É obvio, às vezes sofremos porque somos desobedientes. O pecado individual é uma das causas do sofrimento no mundo; mas Jesus não tinha pecado e mesmo assim padeceu, porque essa era a vontade de Deus para ele.

A tentação no deserto

“Então Jesus foi levado pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo diabo” (Mat. 4:1). Marcos diz: “o Espírito o impulsionou ao deserto” (1:12). O Espírito Santo o capacitou para o seu ministério, e em seguida, levou-o imediatamente para o deserto, para um lugar de provação.

A provação revela a nossa verdadeira condição e natureza. Elas não se manifestam nos bons tempos, mas na hora da provação. Jesus, o homem representativo, tomou o lugar de Adão, o primeiro homem, que também foi provado no início de tudo. Por isso, a tentação de Jesus contém os mesmos elementos daquela cena no jardim do Éden. Ele foi provado para vencer em tudo aquilo em que nós falhamos.

Para entender a tentação e a provação é importante discernir que aquilo que do ponto de vista Satanás é uma tentação, da perspectiva de Deus é uma provação. Tentação e provação são uma mesma palavra no grego, por isso sua interpretação depende do contexto. O propósito de Deus na provação não é que pequemos, mas que sejamos aperfeiçoados através dela. Mas a finalidade de Satanás é que pequemos e sejamos destruídos.

Era necessário que Jesus fosse impulsionado pelo Espírito Santo para ser tentado.  Para que sejamos aperfeiçoados é necessário que sejamos provados. Até a tentação está debaixo do controle soberano de Deus, pois, entre outras coisas, Deus quer que aprendamos a vencer a Satanás através dela.

“E depois de ter jejuado quarenta dias e quarenta noites, teve fome” (Mat. 4:2). Esta não foi uma fome comum, mas a que vem após muitos dias de jejum, que oprime a mente e não deixa você pensar em nada mais. Muitos pecados se cometem em situações de necessidades do nosso corpo, tão imperiosas que nos fazem crer que estamos justificados ao cedermos a elas.

Jesus sofreu uma fome desesperadora. Então veio o tentador, porque este sabe exatamente quando fazê-lo, e lhe disse: “Se tu és o Filho de Deus…”. Em seu batismo, o Pai lhe disse: “Tu és meu Filho amado”. E Satanás está usando agora as mesmas palavras. Eis aqui uma teologia satânica, uma maneira torcida de pensar.

A ideia de Satanás é: “Se realmente fores o Filho de Deus, tens o direito de exigir que ele satisfaça todos os teus desejos e necessidades”. A tentação é: “Diga que estas pedras se convertam em pão” (v. 3). “Ele respondeu e disse: Escrito está: Nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus” (v. 4).

Jesus respondeu com a palavra de Deus, porque ela estava em seu coração. Para que ela seja a nossa defesa, devemos guardá-la em todo o tempo no coração. “Escondi a tua palavra em meu coração, para não pecar contra ti” (Sal. 119:11). Se tivermos um depósito suficiente da palavra de Deus, poderemos responder à tentação quando ela vier. Jesus, como homem representativo, enfrentou Satanás usando a palavra de Deus: “Nem só de pão viverá o homem…”, uma citação de Deuteronômio 8, falando da passagem de Israel pelo deserto.

“E te lembrarás de todo o caminho pelo qual o Senhor teu Deus tem te conduzido durante estes quarenta anos no deserto, a fim de te humilhar e te provar, para saber o que estava no teu coração, se guardarias ou não os seus mandamentos.Sim, ele te humilhou, e te deixou ter fome, e te sustentou com o maná, que nem tu nem teus pais conhecíeis; para te dar a entender que o homem não vive só de pão, mas de tudo o que sai da boca do Senhor, disso vive o homem” (Deut. 8:2-3). Por meio da provação aprendemos a ser sustentados unicamente por Deus através de sua palavra.

Essas três tentações correspondem às tentações do jardim. “E viu a mulher que a árvore era boa para comer, e que era agradável aos olhos, e árvore desejável para alcançar conhecimento” (Gên. 3:6).

“Então o diabo o levou à cidade santa, colocou-o sobre o pináculo do templo,e disse-lhe: Se tu és Filho de Deus, lança-te daqui abaixo; porque está escrito: Aos seus anjos dará ordens a teu respeito; e: eles te susterão nas mãos, para que nunca tropeces em alguma pedra” (Mat. 4:5-6).

Aqui Satanás se torna mais sutil, citando as Escrituras, no Salmo 91. Ele afirma que para aqueles que confiam em Deus, algo realmente mal nunca lhes acontecerá. Mas isso não significa que nunca sofreremos. No entanto, isto é o que Satanás insinua. “Haja o que houver, Deus cuidará de você e nada sofrerás”.

Este é o segundo tipo de tentação com que Satanás tenta os homens. O primeiro tem a ver com as necessidades do nosso corpo físico. O segundo, com o que o apóstolo João chama “a vanglória da vida” – “árvore cobiçável para dar conhecimento”: o desejo de ser reconhecido pelos outros.

Satanás está dizendo: “Se quiser que outros creiam em ti faça isto, para que eles o reconheçam ao verem como os anjos te livra”. Quando o desejo de reconhecimento é um ídolo que rege a nossa vida, estaremos nas mãos do Tentador. A única coisa que devemos nos importar não é com a aceitação dos homens, mas com a aceitação de Deus.

Outra vez, Jesus responde com a Palavra: “Está escrito também: Não tentarás ao Senhor teu Deus” (v. 7). Fazer o que Satanás propunha era pôr Deus a prova. Mas Deus não pode ser colocado a prova pelo homem.

Terceira tentação. “Outra vez o diabo o levou a um alto monte, e mostrou-lhe todos os reino do mundo e a sua glória, e lhe disse: Tudo isto te darei, se prostrado me adorares” (v. 8).  Esta é claramente a tentação da idolatria, relacionada com o que João chama “concupiscência dos olhos”. Tudo o que nós olhamos, desejamos ter. A publicidade atual, por exemplo, apoia-se na concupiscência dos olhos.

Satanás lhe mostrou todos os reinos do mundo e toda a glória deles: a riqueza, a fama, o poder, o conhecimento passaram diante dos seus olhos. A tentação da idolatria é adorar a criatura no lugar do Criador; tomar algo que não é Deus e colocar em seu lugar, nos prostrando diante dele para obter o que desejamos com os nossos olhos. No entanto, o único que pode satisfazer a vida humana em plenitude é o nosso Deus e Criador. “Ao Senhor teu Deus adorarás, e só a ele servirás” (v. 10).

Satanás o tentou em tudo e fracassou, mas aqui vemos duas coisas: Jesus venceu por nós toda tentação e agora nos ensinou como vencer toda tentação por meio da palavra de Deus. “Porque naquilo que ele mesmo, sendo tentado, padeceu, pode socorrer aos que são tentados” (Heb. 2:18).

A Transfiguração

Outro marco fundamental na vida de Jesus se encontra na cena do monte da Transfiguração (Mateus capítulo 17). Seu ministério público ocorreu durante três anos na Galileia e os últimos seis meses na Judéia. A partir daí, ele decidiu subir a Jerusalém. Este episódio contrasta com a cena anterior, quando Jesus pergunta aos discípulos o que dizem os homens ser o Filho do Homem. Pedro responde: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” (Mat. 16:16). Esta é a maior revelação do Novo Testamento.

Em seguida, Jesus lhes anuncia que é necessário que ele vá a Jerusalém, e que padeça muito dos anciões, dos principais sacerdotes, e que seja morto, mas ressuscite ao terceiro dia.

Quando Pedro ouviu essas palavras se espantou. Se colocou diante do Senhor e o deteve, dizendo-lhe: “Senhor, de nenhuma maneira isto lhe aconteça” (Mat. 16:22). São palavras parecidas com as de Satanás no deserto, agora através de Pedro, sugerindo-lhe evitar a dor a todo custo.

No entanto, às vezes, o sofrimento é parte da perfeita vontade de Deus para os seus filhos. Jesus o repreende: “Para trás de mim, Satanás, que me serves de escândalo; porque não estás pensando nas coisas que são de Deus, mas sim nas que são dos homens” (v. 23). Em seguida diz: “Em verdade vos digo, alguns dos que aqui estão de modo nenhum provarão a morte até que vejam vir o Filho do homem no seu reino” (v. 28).

Jesus fala a eles da esperança de sua vinda no final dos tempos. E lhes diz que alguns deles não morreriam sem antes ver o Filho do Homem vindo em sua glória. Então, “Seis dias depois, tomou Jesus consigo a Pedro, a Tiago e a João, irmão deste, e os conduziu à parte a um alto monte;e foi transfigurado diante deles; o seu rosto resplandeceu como o sol, e as suas vestes tornaram-se brancas como a luz” (Mat. 17:1-2).

Muito tempo depois, Pedro relatará este mesmo acontecimento: “Porque não seguimos fábulas engenhosas quando vos fizemos conhecer o poder e a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo, pois nós fôramos testemunhas oculares da sua majestade.Porquanto ele recebeu de Deus Pai honra e glória, quando pela Glória Magnífica lhe foi dirigida a seguinte voz: Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo;e essa voz, dirigida do céu, ouvimo-la nós mesmos, estando com ele no monte santo” (2 Ped. 1:16-18). Segundo Pedro, no monte santo, eles viram a cena final da história: A vinda do Senhor em glória.

Ao Jesus concluir o seu ministério público, novamente a voz do Pai veio pôr o seu selo de aprovação sobre ele e sua vida. “Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo; a ele ouvi” (Mat. 17:5). Jesus tinha alcançado a perfeição de sua vida humana, tanto privada como pública. Todos os pensamentos de Deus com respeito ao homem tinham sido realizados plenamente nele, o homem segundo o coração de Deus.

Por isso, no monte da Transfiguração se abriram diante dele dois caminhos: o caminho da glória e o caminho da cruz. O primeiro é o que ele tinha direito de tomar, por causa que cumpriu perfeitamente a vontade de Deus ao longo de toda a sua vida. Naquele instante, ele poderia ter subido e ser recebido na glória pelo Pai.

O segundo era o caminho da cruz, e este não por causa de si mesmo. Tudo o que ele tinha que ganhar para si como homem, já o tinha ganho e o caminho para a glória estava aberto diante dele. Mas nessa hora ele escolheu o caminho da cruz, não como uma imposição de Deus, mas como uma opção que ele escolheu livremente por amor a seu Pai e a nós.

Jesus tinha vindo ao mundo para morrer na cruz, porque essa era a vontade perfeita de seu Pai desde a eternidade. Se tivesse subido para a glória, ele teria vivido eternamente glorificado, assentado à mão direita do Pai; mas nós estaríamos perdidos para sempre. “Em verdade, em verdade te digo, que se o grão de trigo não cai na terra e morre, fica só…”. Ele teria sido o único homem na glória, “mas se morrer, dá muito fruto” (João 12:24).

Dali em diante, a Escritura nos diz que, ele “firmou o seu rosto para ir para Jerusalém” (Luc. 9:51). Foi a sua firme determinação de ir para a cruz. O Filho merecia a glória; mas, na perfeita vontade divina, o Cordeiro de Deus deveria ser sacrificado. Então, ele tomou o caminho da cruz.

A agonia no Getsêmani

Outro marco fundamental diz respeito à noite em que Jesus foi entregue. Na última semana, ele fez a sua entrada triunfal em Jerusalém. Em seguida vieram as horas finais. A última noite, o Senhor celebrou a páscoa com os seus discípulos, e depois que terminaram de cear, saíram para o jardim do Getsêmani.

“Então foi Jesus com eles a um lugar chamado Getsêmani, e disse aos discípulos: Sentai-vos aqui, enquanto eu vou ali orar.E levando consigo Pedro e os dois filhos de Zebedeu, começou a entristecer-se e a sentir uma grande angustia” (Mat. 26:36-37).

Uma grande angústia o invadiu: aproximava-se o momento de ir para o sacrifício. Ele tinha vivido toda a sua vida sob a sombra da cruz. Desde que passou a ter consciência, ele sabia que o seu caminho terminaria ali. Mas agora, pela primeira vez, o horror dessa hora esmagava a sua alma.

“Então Jesus lhes disse: Minha alma está muito triste, até a morte” (v. 38). Jesus não era insensível à dor. Nós gostaríamos que o sofrimento não nos afetasse. Mas Jesus, nosso mestre, o homem perfeito, não era imune à dor. Ele foi preso por uma angústia mortal nessa noite. Lucas nos diz que a sua angústia foi tão intensa, que de sua testa caía na terra o suor como grandes gotas de sangue. Os psiquiatras dizem que uma dor mental extrema pode fazer com que os vasos capilares se rompam e verta o sangue.

“Minha alma está muito triste…”. Ficamos comovidos em saber que o Senhor não escondeu a sua dor dos seus discípulos. Muitas vezes, procuramos esconder nossas dores dos outros, em uma aparente atitude espiritual. Mas Jesus não teve escrúpulos em dizer o que ele estava sentindo.

Nesta hora, o Senhor enfrentou a maior dor psicológica que um ser humano pode experimentar – a dor da perda. Os psicólogos usam escalas de grau da dor nos diferentes eventos da vida, e o maior deles é perder alguém que se ama profundamente.

“E, adiantando-Se um pouco, prostrou-Se com o rosto em terra, orando e dizendo: Meu Pai, se for possível, passe de Mim este cálice!” (v. 39). Jesus nos ensina que enfrentar a dor não consiste em ficarmos insensíveis diante dela, porque se formos imunes à dor, seremos imunes ao amor. Aquele que não quer sofrer, também não poderá amar. Jesus sabia, porque nos amou ao máximo, e precisamente por causa disso teve que sofrer por nós.

Nós não devemos nos entregar à dor como se isso fosse algo de bom em si mesmo. A Escritura nos diz que o sofrimento humano universal é consequência do pecado (não necessariamente pessoal). Por isso não se abraça a dor como algo bom em si mesma. Por isso é que Jesus disse: “Se for possível, passa de mim este cálice”. Mesmo assim, nas mãos de Deus, o sofrimento se converte em instrumento de glória. Jesus sabia disso; por isso disse: “…mas não seja como eu quero, mas como tu queres” (v. 39).

Claro, ninguém quer sofrer. Mas, quando a dor é parte da vontade divina, é para o nosso bem e o de muitos outros. Jesus estava em um dilema: seguir a sua própria vontade ou seguir a vontade do Pai, e esta significava entrar em uma fornalha espantosa. Por isso, sentiu uma angústia terrível. Em um momento, viu o que significava morrer na cruz; viu o peso da ira divina que cairia sobre ele.

Jesus tinha que beber o cálice da ira de Deus. Não da vingança, mas da ira santa de Deus, que é o justo castigo pelos pecados. E ele tinha que beber aquele cálice até o final. Quando Jesus viu aquilo, a sua alma retrocedeu espantada. No clímax dessa ira está o fato de ser desprezado por Deus e lançados em uma infinita distância de sua presença. Por isso a sua alma estava tão angustiada. E eis aqui algo maravilhoso. “Homem de dores, experimentado nos sofrimentos” (Is. 53:3). Ele sofreu as nossas dores, padeceu em nosso lugar. A ira era para nós; mas ele entrou por nós naquela fornalha ardente da ira divina.

“Quando passares pelas águas, Eu estarei contigo; e, quando passares pelos rios, eles não te submergirão. Quando passares pelo fogo, não te queimarás, nem a chama arderá em ti” (Is. 43:2). Se o Senhor entrou naquela fornalha por nós, por acaso nos abandonará ou deixará de nos amar alguma vez? Lembre: no meio da provação, ele está ali conosco.

O Senhor fez a sua decisão naquela noite no Getsêmani. “Faça-se a tua vontade” (Mat. 26:42). Em seguida se desencadearam os fatos de sua morte, um desdobramento de dor e de injustiça inconcebíveis sobre a sua vida. Houve um julgamento fraudulento, com testemunhas falsas. Não lhe foi permitido defender-se. Tudo estava acertado para culpá-lo. E Jesus emudeceu.

A hora da cruz

Em seguida foi levado diante de Pilatos. Ele sabia que o Senhor era inocente, e mesmo assim o entregou à morte para satisfazer os judeus.

Jesus foi levado a julgamento diante dos homens, mas na realidade a humanidade inteira foi julgada diante dele nesse dia – toda a maldade da raça humana se revelou na traição de Judas, a negação de Pedro, o abandono dos seus discípulos, a farsa de um julgamento injusto, as testemunhas falsas, a covardia de Pilatos, a estupidez de Herodes e a zombaria e a crueldade sem sentido dos romanos.

Ele “sofreu as nossas dores”, vítima da injustiça, da covardia, da zombaria e da crueldade, a volubilidade do povo, a negação, a traição, o abandono e a rejeição, porque tomou o nosso lugar. Finalmente, coroado de espinhos, subiu lentamente para a colina do Calvário, carregando a sua cruz.

Caiu muitas vezes naquele caminho, e de novo, com decisão, ergueu-se e seguiu adiante! “Por isso, o Pai me ama, porque dou minha vida para tornar a tomá-la.Ninguém a tira de mim, mas Eu a dou de mim mesmo; tenho poder para dá-la e poder para tornar a tomá-la. Esse mandamento, recebi de meu Pai” (Jo. 10:17-18). Bastava um gesto dele para que tudo acabasse. Os anjos estavam esperando um sinal para intervir e acabar com tudo; mas o sinal nunca chegou.

Naquela hora, não foi só o Filho que sofreu, mas o Pai também. Ele era o seu Filho eternamente amado, e ele o entregou. “Porque Deus amou o mundo de tal maneira, que deu o seu Filho unigênito” (João 3:16). Deus endureceu o seu coração como uma pedra, e não salvou o seu próprio Filho, para que você e eu pudéssemos ser salvos. Pai e Filho, com uma só vontade, um só amor, um só propósito em seu coração.

O que consola definitivamente o nosso coração é conhecer o amor de Cristo. Às vezes, ao passarmos pelo vale da dor, pensamos que Deus não nos ama. Mas olhemos para Jesus subindo para o Calvário. Os evangelhos são muito diretos ao registrar os fatos; não há enfeites, é um relato simples e nu. “Quando chegaram ao lugar chamado de Caveira, o crucificaram ali” (Luc. 23:33). Nada mais.

A crucificação romana era o suplício mais horrível daquele tempo, ideado para causar uma dor atroz antes da morte. Ser cravado em uma cruz significava passar por longas horas de agonia. Os ossos se desconjuntavam, o sangue corria. Era impossível respirar e gerava uma sede desesperadora por causa da perda de sangue. Era uma dor indescritível. Assim padeceu o Salvador, enquanto Satanás zombava dele e o tentava até o último instante: “Se és o Filho de Deus, desce da cruz” (Mat. 27:40).

Os sete clamores na cruz

Para concluir, vejamos as sete palavras de Cristo no Calvário. Elas resumem o significado da cruz. Primeiro, uma palavra de perdão. “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Luc. 23:34). Ele morreu para que nós fôssemos perdoados eternamente por Deus.

A segunda é uma palavra de salvação. Lembrem que havia dois ladrões, um a cada lado de Jesus. Um deles o injuriava. “Respondendo ao outro, um malfeitor o repreendia, dizendo: Nem sequer temes a Deus, vendo que estás sob a mesma sentença de condenação?” (v. 40). Este é o homem com a maior fé na história. Uma coisa é ver o Salvador ressuscitado e crer nele, e outra coisa é vê-lo crucificado e lhe dizer: “Lembra-te de mim quando vieres no teu reino”. Jesus respondeu: “Em verdade te digo que hoje mesmo estarás comigo no paraíso” (v. 43). Sua morte na cruz nos abriu o caminho ao paraíso de Deus.

A terceira é uma palavra de afeto. No ponto mais alto da sua tortura, Jesus não esqueceu daqueles que amava, em especial, de sua mãe. Então disse a Maria: “Mulher, eis aí o teu filho”, e a João: “Eis aí a tua mãe” (João 19:26-27). Teve cuidado de sua mãe – amor e preocupação, mesmo no momento da agonia na cruz.

Depois, o terrível clamor em alta voz: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” (Mat. 27:46). Este era o momento que ele mais temia, aquilo que angustiava a sua alma no Getsêmani. Ele sabia que, no final de tudo, a cruz significava o total abandono de Deus. O que sempre lhe sustentou era saber que o Pai estava com ele. Mas, aqui, ele recebeu todo o peso da ira divina. Ele esteve só e foi abandonado, para que você e eu nunca mais fôssemos abandonados. Por isso, caso atravessemos o vale da sombra da morte, ele estará conosco.

“Tenho sede” (João 19:28). É uma palavra de agonia física assoladora. E por meio dessa necessidade premente do Senhor, nossa sede foi saciada para sempre.

Finalmente: “Está consumado” (João 19:30). Em grego, tetelestai: o preço foi pago, a obra está concluída. É um brado de vitória. Jesus venceu sobre a cruz. É um Aleluia! A agonia terminou, o poder da morte e do pecado acabou e Satanás foi vencido para sempre. Todos os pecados foram perdoados, toda dívida foi saldada, e nós somos livres, para a glória de Deus.

As últimas palavras de Jesus não foram para os homens, mas para o seu Pai. Três horas antes, ele disse: “Deus meu”. Nem sequer pôde chamá-lo de Pai, porque até esta palavra tinha secado em sua boca: tal era o seu abandono. Mas agora, “Jesus, clamando em alta voz, disse: Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito. E havendo dito isto, expirou” (Luc. 23:46).

Deveríamos ficar em silêncio, e olhar. Ali está ele, morto sobre a cruz. E quando o Pai recebeu o seu espírito, também nos recebeu com ele. Quando chegar a nossa hora final, se o Senhor não vier antes, não estaremos sós: o Pai estará nos esperando para nos receber em seus braços, porque Cristo nos abriu o caminho para vida eterna através da cruz.

Foi assim que o Senhor morreu. Foi assim que terminou aquele dia. Mas não foi um dia de derrota, mas de glória. É o triunfo do Crucificado. Jesus, aparentemente vencido, em uma gigantesca virada da história, convertendo a morte em uma eterna vitória. Ele entrou na morte para destruir à morte, entrou na dor para terminar com a dor e convertê-la em alegria. Esse foi o seu caminho para a glória!

Mas tudo não terminou ali. Jesus ressuscitou! Ele não terminou a sua carreira no sepulcro. Ao terceiro dia, o Pai pôs o seu selo de total aprovação sobre a sua vida perfeita, de perfeita humildade e obediência, ressuscitando-o dentre os mortos, declarando-o eternamente seu Filho diante de toda a humanidade. Ele é o único que pode salvar! A morte foi vencida em sua ressurreição. É um fato histórico; muitas testemunhas o viram ressuscitado, com provas infalíveis. Tal é a garantia de sua vitória.

Que o Senhor console e fortaleça os nossos corações. Quão grande é o nosso Salvador! Por isso, não tenhamos vergonha de anunciar o evangelho do  Senhor Jesus Cristo, porque ele “pode salvar perpetuamente os que por ele se chegam a Deus” (Heb. 7:25).

Síntese de uma mensagem oral ministrada em Temuco (Chile), em junho de 2018.

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