Evangelho e sensibilidade

Outra característica notável do caráter de Cristo, presente no anúncio do evangelho.

Gonzalo Sepúlveda

Sob a inspiração da grandeza do Evangelho, seguimos olhando para a pessoa de nosso Senhor, porque o nosso chamado é anunciá-lo, e precisamos conhecer aquele de quem vamos falar. Precisamos ter proximidade do seu coração, conhecer como ele é, e aprender mais e mais de sua pessoa e de seu caráter.

Por anos ouvimos a expressão de Paulo quando diz que ele sofre dores de parto até que Cristo seja formado nos irmãos. Cristo formado em nós. Que bela expressão, onde o rumo está muito bem esboçado! Menos eu, mais Cristo. “Já não vivo mais eu, mas Cristo vive em mim” (Gál. 2:20), o qual, sendo um versículo da Palavra, tem que converter-se em uma realidade.

À medida que o tempo passa, no que consiste a maturidade do crente? Em ir assimilando mais e mais o caráter de Cristo como uma realidade. Seu caráter tem que ir substituindo o nosso, e nessa tensão costuma aparecer a carne, o caráter do “nosso eu”. Por isso, todos nós necessitamos do seu socorro e estamos hoje aqui para nos encher do Senhor. O Espírito Santo quer prosseguir nos falando a respeito desta gloriosa pessoa.

Convicção e sensibilidade

Já falamos da convicção como uma característica relevante do Senhor. “Sei de onde vim e para onde vou” (João 8:14). Ele sempre agiu com a profunda convicção de quem ele era. Ele sabia de sua glória junto ao Pai antes que o mundo existisse, e sabia para onde retornaria.

O testemunho do bendito Espírito Santo é sólido e contundente: “…tendo efetuado a purificação dos nossos pecados por meio de si mesmo, assentou-se à mão direita da Majestade nas alturas” (Heb. 1:3). Isto confirma o pleno agrado do Pai à vida e missão do nosso Mestre.

Recordemos estas duas palavras: convicção e sensibilidade. Se recordarmos tão somente isso –o que implica essa convicção e essa sensibilidade–, teremos aprendido um pouco mais a respeito do nosso Senhor.

A missão do Senhor

“Jesus foi para Nazaré, onde fora criado, e num sábado entrou na sinagoga, segundo seu costume, e levantou-se para ler.Entregaram a ele o livro do profeta Isaías. Ele abriu o livro e encontrou o lugar em que estava escrito:O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para pregar o evangelho aos pobres. Enviou-me (para curar os quebrantados de coração); para proclamar libertação aos cativos, e para dar vista aos cegos; para pôr em liberdade os oprimidos,para proclamar o ano favorável do Senhor.Depois, fechando o livro, devolveu-o ao assistente e sentou-se. Os olhos de todos na sinagoga estavam fixos nele.E começou a dizer-lhes: Hoje, cumpriu-se essa Escritura que acabais de ouvir” (Luc. 4:16-21).

Aqueles que estiveram presentes na sinagoga foram testemunhas privilegiadas. Embora fique claro no contexto de que não entenderam nada, porque depois queriam lançá-lo de um despenhadeiro. “Veio para os que eram seus, e os seus não o receberam” (João 1:11). Mas, apesar disso, o Mensageiro, fazendo o seu anúncio, saiu para cumprir a sua missão, e nós hoje, somos parte do Seu fruto.

Há boas novas para os pobres de espírito, para os desamparados; há saúde, há cura para os quebrantados de coração, além da cura física; é a cura dos corações feridos, frustrados. A grandeza do evangelho alcança os cativos, os cegos, os oprimidos. Jesus veio pregar o ano agradável do Senhor.

Imediatamente, vemos o foco do Senhor. Ele não veio aos bons nem aos sãos, mas aos doentes, aos necessitados. Ele tinha a sensibilidade para saber quais os que tinha que alcançar.

Nós éramos estes, até que o conhecemos. E agora temos a encargo do evangelho. Nós temos que aprender do Senhor, porque o próprio evangelho está presente em nós, e o foco segue sendo o mesmo, pois o mundo segue cheio de pobres, de quebrantados, de cativos, de cegos e de oprimidos que esperam esta mensagem.

A sensibilidade de Jesus

Ao considerarmos a sensibilidade do Senhor pela necessidade do homem, nas Escrituras é abundante o registro desta virtude que o Senhor tem. Primeiro, a sua sensibilidade para com Deus o Pai, para interpretar a Sua vontade e para agradar o seu coração.

“Disse-lhes, pois, Jesus: Quando levantardes o Filho do Homem, então conhecereis quem Eu sou, e que nada faço por Mim mesmo; mas falo como o Pai Me ensinou.E Aquele que Me enviou está Comigo; o Pai não Me tem deixado só, porque Eu faço sempre o que Lhe agrada” (João 8:28-29).

Que alta é esta medida! Ao lermos seriamente as Escrituras e considerarmos a nossa condição, nos vemos tão pequenos! Se nos virmos como homens, considerando as nossas fraquezas, isto seria um objetivo inalcançável. Mas não é essa a nossa realidade. Hoje nós sabemos de onde viemos. Estávamos destituídos, mas agora estamos justificados; estávamos em Adão, em condenação, mas agora estamos em Cristo. Vivemos na carne, mas não temos confiança nela.

O Senhor Jesus disse: “Eu faço sempre o que agrada ao Pai”. O Senhor nos ajude a desenvolver, a cultivar essa sensibilidade e a crescer nela. O que eu posso fazer para agradar ao Pai? Como vou agradar ao Pai nestes dias, nas decisões que tenho que tomar individualmente? Como vamos agradar ao Pai em nossa vida coletiva, como igreja, como corpo, em cada localidade, na função que temos, na obra, como anciões, como diáconos, como irmãos?

Porque todos somos sacerdotes, servos e servas do Senhor, temos de nos apropriar do que é de Cristo. O Senhor tem que ir sendo formado cada dia mais em nós. Estamos olhando para o Senhor, estamos conhecendo-lhe. O Senhor, que deve ser pregado pela igreja, tem que ser conhecido pela igreja, e mais ainda, o próprio caráter do Senhor deve ser encontrado em seus servos. O Senhor nos socorra para que cresçamos nesta sensibilidade, para saber como temos de agradar a Deus.

Da insensibilidade à compaixão

Esta sensibilidade do Senhor encontramos também em outra passagem que temos lido frequentemente. “Aconteceu que, quando se cumpriam os dias de ser recebido no céu, Ele firmou em Seu rosto a decisão de ir para Jerusalém.E enviou mensageiros diante Dele, os quais foram e entraram numa aldeia dos samaritanos para lhe fazer os preparativos.Mas não O receberam, porque Seu aspecto era como de quem ia para Jerusalém.Vendo isso, Seus discípulos Tiago e João disseram: Senhor, queres que mandemos que desça fogo do céu, como fez também Elias, e os consuma?” (Luc. 9:51-54).

Que insensibilidade! Eram discípulos do Senhor, e não tinham aprendido do seu Mestre. “Então, voltando-se Ele, repreendeu-lhes, dizendo: Vós não sabeis de que espírito sois;porque o Filho do Homem não veio para destruir as almas dos homens, mas para salvá-las. E se foram para outra aldeia” (vs. 55-56). O Senhor teve sensibilidade para com a salvação dos samaritanos. Ele veio por todos, e não podia deixá-los fora.

É interessante o que se lê mais adiante. Quando o evangelho começou a ser pregado, Atos 8:25 diz: “Eles, pois, havendo testificado e falado a palavra de Deus, voltaram para Jerusalém, e anunciaram o Evangelho em muitas aldeias dos samaritanos”. João tinha mudado, tinha aprendido da sensibilidade do seu Mestre. Já não mais pedia juízo sobre os samaritanos. A grandeza do evangelho transformou o seu coração. Agora ele é sensível, e levam a Cristo para eles, porque o evangelho é Cristo.

“Então, as igrejas tinham paz por toda Judeia, Galileia e Samaria, sendo edificadas e caminhando no temor do Senhor, e cresciam fortalecidas pela consolação do Espírito Santo” (Atos. 9:31). Graças ao Senhor, que sempre triunfa. Sua vida e sua mensagem conseguiram erradicar os prejuízos raciais que até então estavam presentes no coração dos seus discípulos. “Outro fogo” veio primeiro ao coração deles, e consumiu o zelo e tradições vãs, e então o evangelho proclamado alcançou a salvação daqueles que em outro tempo estiveram dispostos a condenar. O Espírito Santo alcançou igrejas em Samaria. Que preciosa é a sensibilidade do Senhor!

A compaixão do Senhor

Voltemos para Lucas, e que as Escrituras continuem nos falando. “Quando o sol estava se pondo, todos que tinham enfermos de diversas doenças os traziam para Jesus curá-los. E Ele, impondo as mãos sobre cada um deles, curava-os.E também saíam demônios de muitos, gritando e dizendo: Tu és o Filho de Deus. Mas Ele os repreendia e não os deixava falar, porque sabiam que Ele era o Cristo” (Luc. 4:40-41).

Ali havia muita gente; o Senhor poderia ter levantado uma mão e todos os doentes teriam sido curados imediatamente. Ele tinha poder para fazer isso e muito mais. Mas aqui lemos que ele punha as mãos sobre cada um deles. Que detalhe é este! O Senhor se preocupa com a multidão, mas também tem cuidado por cada pessoa. Ninguém é esquecido, ele é sensível à necessidade particular de cada um.

“Aconteceu depois que Ele foi a uma cidade chamada Naim, e iam juntamente com Ele muitos de Seus discípulos, e uma grande multidão.Quando chegou perto da porta da cidade, eis que iam enterrar um defunto, filho único de sua mãe, e ela era viúva, e estava com ela um grupo considerável da cidade.Quando o Senhor a viu, compadeceu-Se dela e lhe disse: Não chores.Ele se aproximou e tocou o esquife, e os que o levavam pararam. Ele disse: Jovem, a ti te digo, levanta-te!Então o morto se sentou e começou a falar, e Jesus o entregou à sua mãe” (Lucas 7:11-15).

Vemos aqui duas multidões que se encontram, uns seguindo a Cristo, e outros saindo da cidade; uns atrás da Vida, e outros atrás da morte. Imaginem essa viúva, totalmente desamparada. O seu único sustento tinha morrido. Que desesperança, que dor! Jesus foi sensível diante da dor da enlutada, ao ponto de lhe devolver o seu filho vivo. “E todos tiveram medo, e glorificavam a Deus” (V. 16). Ambas as multidões se uniram em louvor ao Senhor. Esta é a grandeza do evangelho.

Que tremendo é isto! O evangelho de que falamos é a respeito de uma Pessoa que cura, que consola, que liberta, que abre os olhos dos cegos e que ressuscita os mortos.

O coração do Pastor

“Percorria Jesus todas as cidades e aldeias, ensinando nas sinagogas, pregando o Evangelho do Reino e curando toda enfermidade e doença do povo.E, ao ver as multidões, teve compaixão delas; porque estavam aflitas e abatidas como ovelhas que não têm pastor” (Mat. 9:35-36). Que lindas palavras! Conhecemo-las, mas, ao lê-las novamente, tocam o nosso coração.

Este é o nosso Senhor, este é o nosso Mestre. Ele olha às multidões, mas com uma sensibilidade interior. “Teve compaixão delas”. Eram pessoas salvas, eram santos? Não, eram pecadores. E o Senhor olhou para eles com compaixão, vendo a grande necessidade que tinham.

A necessidade de todo homem é ter um Pastor. Nós somos bem-aventurados. “O Senhor é o meu pastor; nada me faltará” (Sal. 23:1). Somos privilegiados, somos felizes: temos um Pastor! Mas, nós que desfrutamos da bem-aventurança de ter um Pastor, temos que ter afinidade com o Seu coração. O que estamos enfatizando hoje é que nós somos servos deste Pastor. Ele está nos olhando agora não só como ovelhas, mas como servos dele que temos de sentir como ele sente.

O que o Senhor busca hoje do seu povo que possa agradá-lo? Esta é a mensagem da grandeza do evangelho. Agora temos o coração do Senhor; Cristo está sendo formado em nós. Este é o rumo que ele nos traçou; por anos, caminhamos neste caminho. Que privilegiados somos! E o Espírito Santo não descansa, até que cheguemos à medida da estatura da plenitude de Cristo. E parte dessa plenitude é a compaixão que ele sente pelas multidões.

O coração desse Pastor nos impressiona? Podemos entender a mensagem destes dias? Se este seu sentimento permanece em nossos corações, o Senhor terá obtido ganho em nós. Até aqui, nós ganhamos. Todos nós podemos testificar da fidelidade do nosso Pastor, mas já é tempo de que sua sensibilidade seja também achada em quem tem sido satisfeito. O Cristo que habita em nós continua olhando com compaixão para os perdidos.

Por que os homens fracassam tanto? Porque estão dispersos como ovelhas sem pastor, e o diabo faz o que quer com eles. Mas Cristo morreu por eles! O Senhor nos dê o seu coração, sabendo que para ele não há caso perdido, porque a grandeza do evangelho pode tomar o pior dos homens e fazê-lo um servo dele.

“E saindo Jesus, viu uma grande multidão, e teve compaixão deles, e curou aos que deles estavam doentes” (Mat. 14:14). Quantos de nós gostaria de usar o Senhor para manifestar essa compaixão, mediante milagres? Ele é poderoso para fazê-lo.

“E, chamando Seus discípulos, disse: Tenho compaixão desta gente, porque já faz três dias que eles estão Comigo, e não têm o que comer; e não quero despedi-los em jejum, para que não desfaleçam no caminho” (Mat. 15:32). Que compaixão, que sensibilidade! Não comeram, e podiam desfalecer no caminho; tinha que prover-lhes de alimento. Temos tanto que aprender com o Senhor!

A lição de Zaqueu

Em Lucas 19 temos outro fruto precioso. “Jesus entrou em Jericó, e ia passando pela cidade.Sucedeu que um homem chamado Zaqueu, que era um chefe dos cobradores de impostos e rico,procurava ver quem era Jesus; mas não podia por causa da multidão, pois era de pequena estatura” (Lucas 19:1-3). Apesar de estar todo envolvido com os seus negócios e de ser odiado pelos judeus, este homem queria ver Jesus.

“Portanto, correu diante e subiu a um sicômoro para vê-Lo; porque estava a ponto de passar por ali.Quando Jesus chegou àquele lugar, olhando para cima o viu, e disse-lhe: Zaqueu, desce depressa, porque hoje tenho de me hospedar em tua casa” (V. 4-5).

O Senhor não é admirável? Como soube que Zaqueu queria vê-lo? Jesus não fez isto em sua condição divina, mas como homem. Como temos de ser sensíveis para reconhecer essa necessidade em algum vizinho ou amigo, ou qualquer pessoa que seja próximo! Como perceber isto? Só o Senhor pode nos fazer sensíveis. Esta pessoa queria vê-lo. E a surpresa que lhe deu! “Então ele desceu às pressas, e o recebeu muito feliz” (v. 6).

Que interessante é o versículo 7: “Ao ver isso, todos murmuravam, dizendo: Entrou para Se hospedar com um homem pecador”. Estaremos dispostos a enfrentar uma injúria semelhante? Quando entendermos que o Senhor quer a salvação de uma determinada pessoa, também ele nos dará a graça para suportar o preço da crítica insolente. O evangelho é suficientemente poderoso para mudar ao mais vil pecador.

“Jesus lhe disse: Hoje veio a salvação a esta casa; já que também ele é filho de Abraão.Porque o Filho do Homem veio buscar e salvar quem havia se perdido” (V. 9-10).

Este é o coração do Pastor. Há um interesse do Senhor em buscar para salvar, não para condenar. Que precioso é o Senhor! Quanto temos que aprender com a sua sensibilidade! Podemos olhar a história de Zaqueu e nos colocar ali? No evangelho há poder para salvação!

Cultivando a sensibilidade

Nós não podemos ficar parados. Que o Senhor nos socorra! Como cultivar essa sensibilidade? Como podemos perceber aquilo que o Senhor sente? Como fazer o que agrada ao Senhor? Temos muitos exemplos disto no Antigo Testamento.

“Eu vi ao Senhor assentado sobre um alto e sublime trono” (Is. 6:1). Isaías foi aos pés do Senhor. Na proximidade do Senhor, na comunhão com ele, o profeta ouviu a voz e soube da necessidade de Deus: “A quem enviarei, e quem irá por nós?” (V. 8). E ele respondeu: “eis-me aqui, envia-me a mim”. Na intimidade com Deus podemos cultivar essa sensibilidade e sermos capacitados para responder ao seu chamado. O que o Senhor quer de ti e de mim? Onde quer me enviar? Quando tenho que falar?

O que dizer de Ana, a mãe de Samuel, o profeta que ungiu o rei Davi? E depois, da linhagem de Davi segundo a carne nasceu o Cristo. Quando ela orava, era tal a intensidade de sua oração que pôde captar a necessidade de Deus em um tempo de crise espiritual. Então, disse: “…se deres um filho varão a tua serva, eu o dedicarei ao Senhor todos os dias de sua vida…” (1 Sam. 1:11). E quando o desmamou, foi e o entregou, e Deus teve um profeta. A história é emocionante. Que sensibilidade mostrou aquela serva!

Mas nestes tempos, o Senhor também não tem necessidades? Há uma obra a ser feita, há um evangelho a ser pregado, há multidões dispersas. E quem irá?  Vivemos em um tempo de confusão e de tanta doutrina perversa. Nestes dias se requer homens sensíveis para com Deus, para ouvir a sua voz e irem no poder de sua força, e sensíveis para com os homens, para interceder por eles, levando-os a Cristo.

Esta sensibilidade para com Deus e para com os homens a vemos plenamente expressa na pessoa de nosso Senhor, e precisamos aprender dele.

Uma antítese

Isto também tem uma equivalência. Em Filipenses 2 Paulo está falando, preso por causa do Senhor. “Espero no Senhor Jesus logo enviar-vos Timóteo, para que eu também me sinta animado ao saber de vosso estado;porque a ninguém tenho de igual afeição, e que tão sinceramente se interesse por vós.Porque todos buscam o que é seu próprio, não o que é de Cristo Jesus” (2:19-21). O que isto significa? O que aconteceu no coração dele, em tão pouco tempo?

Paulo se refere à sinceridade de Timóteo, e ao restante dos colaboradores ficou muito mal por estarem parados. Esta passagem é uma antítese da sensibilidade. A insensibilidade é severamente julgada aqui. Que horroroso é isto! “Todos procuram o que é seu próprio, não o que é de Cristo Jesus”. Ele está falando de servos de Deus!

A vontade do Senhor é justamente o contrário. Não procurar agradar a nós mesmos, mas buscar o que é de Cristo. “Não mais eu, mas Cristo”. Mas os irmãos já se desviaram; eram tempos de apostasia, de fraqueza e de confusão, já estavam perdendo de vista a glória do Senhor. Uma desgraça!

Que o Senhor examine os nossos corações. Não estamos aqui com um dedo acusador. Esta palavra é muito forte. É para clamar: “Senhor, que não ocorra isto comigo”. Nessas palavras de Paulo, o Senhor está julgando com severidade os cristãos insensíveis, em qualquer época.

É um risco fazer referência a estas coisas em uma pregação. Mas vimos irmãos chorar, e choramos juntos, com uma frase como esta: “Eu tive que viver para entender a dor do meu irmão, que passou a mesma coisa que eu estou passando agora!”. Isto não se pode dizer sem lágrimas. O Senhor nos perdoe, porque somos naturalmente insensíveis à dor dos outros, à dor da própria igreja, à necessidade, à enfermidade, à dor, ao luto, à angústia.

A Pedro

O Senhor foi tão compassivo! Uma vez ressuscitado, o Senhor dedicou a uma só pessoa mais tempo que a outros. Aos outros falou em grupo. A Tomé, por exemplo, repreendeu em público a sua incredulidade. Mas a Pedro o chamou à parte. O que teria sido de Pedro se o Senhor não tivesse tido a sensibilidade para perceber que o seu discípulo necessitava dessa palavra de consolo!

Pedro estava tão desanimado; tinha negado o seu Senhor, o tinha defraudado e não podia perdoar a si mesmo. É fácil imaginar que ele ouviu, chorando, aquelas palavras do seu Mestre. O Senhor o chamou a sós, porque há coisas que devem ser ditas em privado; pois em público poderiam provocar ainda mais dor.

O Senhor teve sensibilidade para recuperar o seu servo que tinha chorado amargamente. Ele não podia ir para os céus sem essa conversa, e talvez Pedro nunca tivesse pregado com a graça com que fez depois; não teríamos as suas epístolas nem a mensagem do Pentecostes.

Revisando o nosso coração

Que esta palavra comova a todos. “Porque todos buscam o que é seu próprio, não o que é de Cristo Jesus”. Buscar o que é propriamente seu é viver centrado em nós mesmos, como os gálatas, que começaram pelo Espírito e terminaram na carne. Que desgraça! E com que severidade o Espírito Santo os julga!

Que o Senhor nos socorra nestes dias, e cada um possa se perguntar: Estaria me tornando insensível? A espada afiada entre em nosso coração através desta pergunta. Estamos perdendo a sensibilidade pelos irmãos? Se isso for assim, que sensibilidade teremos para os pecadores que estão no mundo?

Que o Senhor nos perdoe; que o Espírito Santo nos esquadrinhe, porque seria vão chorar em público por isso, para sermos vistos pelos outros. A única coisa que tem valor é o julgamento do coração a sós com Deus. O que interessa ao Senhor e convém à igreja é que haja fruto; o restante pode ser mera emoção. Faz bem para a igreja a realidade, o coração contrito e humilhado, inclinado diante do Senhor.

Reconheçamos que nenhum de nós é sensível por natureza. Temos sensibilidade na carne; somos rápidos para nos sentirmos ofendidos. Quando não dão atenção para nós, somos como meninos, e dizemos: “Não há amor”, porque procuramos que a atenção esteja colocada em nós.

Sem dúvida, necessitamos do caráter e a sensibilidade de Cristo. Precisamos aprender a conhecer ao Senhor a quem pregamos. Quanto desse sentimento está em nós? Tem que ser a sua sensibilidade, porque a sensibilidade natural faz acepção de pessoas. Isso é a carne; mas nós estamos fugindo da carne.

Nós queremos ter o coração do Senhor. O Senhor amou até os seus inimigos. Mas nós temos o próprio Cristo. Que o Espírito do Senhor tenha ganho em nós. Cristo em nós é a esperança da glória. Que o Senhor nos perdoe e nos socorra hoje.

Sejamos severos em julgar a insensibilidade, não a insensibilidade dos outros, porque isso é fácil. O que o Espírito Santo quer hoje é que julguemos o que é insensível no nosso próprio coração.

Chegou o dia de reparar essa história, de endireitar este caminho torto, de ordenar aquilo que se tornou inverso. Que as prioridades estejam como devem estar: primeiro Cristo, depois eu; primeiro meu irmão, depois eu. Ser sensível à dor do irmão me preparará também para ser sensível à dor de quem anda nas trevas e que ainda não conhece ao Senhor.

O Senhor restaure a igreja, restaure o zelo pela pregação do verdadeiro evangelho. Pois não estamos falando tão somente de alguns aspectos doutrinários ou uma fórmula para que as pessoas recebam ao Senhor, mas muito mais que isso. Tem que ser com paciência, com dedicação e até com dor. Um pregador insensível não obterá fruto.

A grandeza do evangelho é que nós tenhamos o coração do Senhor. Falamos de convicção e sensibilidade. Que estas virtudes de Cristo vão se formando em nós, e caminhemos por este mundo com uma profunda convicção.

Sabemos quem somos e para onde vamos. Temos recebido a palavra, conhecimento e dons do Senhor, mas julguemos toda insensibilidade, porque a luz que recebemos não é para escondermos, mas para iluminar o mundo.
Que o Senhor nos socorra.

Síntese de uma mensagem oral ministrada em Rucacura (Chile), em janeiro de 2018.

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