Evangelho e convicção

Uma característica notável do caráter de Cristo, presente no anúncio do evangelho.

Gonzalo Sepúlveda

“Outra vez Jesus lhes falou, dizendo: Eu sou a luz do mundo; aquele que me segue, não andará em trevas, mas terá a luz da vida. Então os fariseus lhe disseram: Tu dás testemunho a respeito de ti mesmo; teu testemunho não é verdadeiro. Respondeu Jesus e lhes disse: Mesmo que eu dê testemunho a respeito de mim mesmo, o meu testemunho é verdadeiro, porque sei de onde vim e para onde vou; mas vós não sabeis de onde venho, nem para onde vou. Vós julgais segundo a carne” (João 8:12-15).

Este foi o grande problema dos judeus: julgar segundo a carne. Esta era uma linguagem nova naqueles dias. Aqueles que dependiam de sua sabedoria natural, e de sua tradição religiosa, julgavam segundo a carne, e isto lhes levava a uma conclusão totalmente errônea. Eles tiveram a verdade, a luz, diante dos seus olhos, e não puderam reconhecê-la. Tão errado foi o seu julgamento que desprezaram e condenaram a morte o Autor da vida.

Mas o Senhor Jesus está em outro plano. O seu julgamento é justo e verdadeiro. Nós queremos andar como ele e ver o que ele vê. Queremos que ele nos fale de si mesmo, pois o seu testemunho é verdadeiro.

O enviado de Deus

Jesus acrescenta: «Eu sou o que dou testemunho de mim mesmo, e o Pai que me enviou dá testemunho de mim» (João 8:18). Nos evangelhos, em mais de uma ocasião, lemos que o Pai falou com voz audível: «Este é meu Filho amado, em quem tenho complacência» (Mat. 3:17). Este é o testemunho do Pai a respeito de seu Filho.

«Porque sei de onde venho e para onde vou». Aqui há um trânsito, um movimento. Está presente neste mundo. É o Verbo encarnado, Jesus Cristo homem. «Sei de onde vim e para onde vou». E tudo o que ele fez e falou, estava determinado por essa profunda convicção de sua procedência e destino.

«Saí do Pai, e vim ao mundo; outra vez deixo o mundo, e vou para o Pai» (João 16:28). É a mesma coisa dita com outras palavras. Este mundo foi visitado pelo Enviado de Deus, uma Pessoa extraordinária pisando nesta terra. Aquele que esteve com o Pai eternamente habitou entre nós. Ele fala com autoridade. Os demônios se sujeitam a ele. A tempestade lhe obedece. O pão foi multiplicado. Os doentes são curados; os mortos ressuscitam. «Sei de onde vim e para onde vou».

Hoje Cristo está sendo formado em nós, por obra do Espírito Santo. Esta é a grandeza do evangelho, que não só nos faz filhos de Deus, mas também vai nos transformando de glória em glória em sua própria imagem. Esta convicção tem que ser transportada ao nosso coração; de outra maneira, nossas palavras serão vacilantes, nossa conduta errante e nosso destino incerto.

O seu caráter tem que ser formado em nós. Ele disse: «Eu sou a luz do mundo». Em seguida disse: «Vós sois a luz do mundo». Qual ele é, somos nós também. Assim como ele tem uma procedência, nós também temos; assim como ele teve uma missão, nós também. E assim como ele seguiu o seu caminho de retorno ao Pai, nós devemos ter muito claro para onde vamos.

Três posições do Senhor

É preciosa a palavra de Deus, porque diferentes passagens confirmam a mesma verdade. Hebreus 1:3 nos mostra três posições do Senhor, «o qual, sendo o resplendor de sua glória, e a própria imagem de sua substância, e quem sustenta todas as coisas com a palavra do seu poder…». Isto fala da eternidade do Senhor.

«…tendo realizado a purificação dos nossos pecados por meio de si mesmo». Declaração que resume o ponto culminante de sua obra na terra. Em seguida, «assentou-se à mão direita da Majestade nas alturas», sua atual posição. Esta passagem de Hebreus confirma tudo o que foi dito por nosso Senhor em João capítulo 8, acrescentando maior revelação a respeito de Sua Pessoa e obra. Que certeza do Espírito! Permita o Senhor que possamos transmiti-lo assim também, com toda firmeza, sem vacilar.

«Postos os olhos em Jesus, o autor e consumador da fé, o qual pelo gozo posto diante dele sofreu a cruz, desprezando o opróbio, e se assentou à mão direita do trono de Deus» (Heb. 12:2). Que precioso! Já temos lido quatro passagens, e todos falam a mesma coisa.

Vejamos também Lucas 9:51: «Quando se cumpriu o tempo em que ele havia de ser recebido acima, firmou o seu rosto para ir para Jerusalém».

No contexto, está-se falando de sua obra na terra. Estava se cumprindo o tempo do seu ministério, interiormente percebia tanto a dor como a glória que tinha por diante. A expressão «firmou o seu rosto», fala-nos de convicção. Na tentação do deserto, Satanás lhe ofereceu um caminho alternativo, mas já sabemos que aquilo foi categoricamente descartado. Jesus não vacilou, mas avançou com decisão, até cumprir a plenitude de sua missão neste mundo.

O que lhe esperava em Jerusalém? A negação de Pedro, a traição de Judas, o abandono dos seus mais íntimos, o julgamento público, a coroa de espinhos, os açoites, e todas as humilhações, até a morte de cruz. Mas ele desprezou tudo e chegou até o final, até cumprir a vontade do Pai.

Eu sei em quem tenho crido

Vejamos agora o cumprimento prático deste princípio, de saber de onde viemos e para onde vamos, na vida do apóstolo Paulo. E estas palavras podem ter também cumprimento em cada um de nós.

«Havendo eu sido antes blasfemo, perseguidor e injuriador; mas recebi a misericórdia porque o fiz por ignorância, em incredulidade» (1 Tim. 1:13). O resto dos homens é diferente do Senhor Jesus. Saulo de Tarso podia dizer: «Eu era um blasfemo; não sou digno de ser chamado apóstolo, mas recebi a misericórdia». Esta é a glória do evangelho, que pode transformar o homem mais vil em um precioso servo do Senhor.

Paulo escreve da prisão: «…o evangelho, do qual eu fui constituído pregador, apóstolo e mestre dos gentios» (2 Tim. 1:10-11). Como mudou o seu estado! «Pelo qual deste modo padeço isto; mas não me envergonho, porque eu sei em quem tenho crido» (V. 12). Como estas palavras se parecem as do Senhor: «Sei de onde venho e sei para onde vou»! O apóstolo, pelo Espírito, pode declarar: «…sei em quem tenho crido, e estou seguro que é poderoso para guardar o meu depósito para aquele dia».

Estamos vendo Paulo em três estados. A sua posição anterior de incredulidade; a sua posição atual, como apóstolo e mestre dos gentios. E também tem o olhar colocado em um dia que está por vir adiante. Paulo sabe de onde vem, conhece a sua missão e procura cumpri-la com fidelidade, ainda que lhe custe a prisão ou a própria vida, finalmente sabe que uma coroa lhe espera. Ao dizer: «meu depósito», refere-se à graça, a vida e aquele poder de Deus, é Cristo vivendo nele. Isto é ter o evangelho, o fogo do Deus vivo aceso em seu coração.

Nós estamos na geração final, nos dias mais próximos ao retorno do Senhor, e ele quer nos falar ao coração. Algo desta convicção gloriosa que habitou nele, que foi uma característica destacada do caráter do Senhor, e também em seus primeiros apóstolos, deve estar presente nos crentes desta geração. Cada um de nós deve proclamar com firmeza: «Porque eu sei em quem tenho crido, e estou seguro que é poderoso para guardar o meu depósito para aquele dia». Que seja isto uma bendita realidade em nossos corações.

É inconcebível que, depois de anos de caminhar na fé, ainda sejamos pessoas vacilantes, que mostramos muitas vezes mornidão, fraqueza, falta de convicção; por tal razão muitos crentes cedem diante de uma tentação, deprimem diante de uma dificuldade, ou se desalentam por uma disciplina.

Aprendamos de Paulo: «batalhei a boa batalha, acabei a carreira, guardei a fé. Desde agora, me está guardada a coroa de justiça, a qual me dará o Senhor, juiz justo, naquele dia; e não só a mim, mas também a todos os que amam a sua vinda» (2 Tim. 4:7-8). Paulo sabia a sua procedência, conhecia o seu chamado e tinha a convicção profunda de glória ao final de sua carreira.

Não me envergonho do evangelho

«Porque não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação a todo aquele que crê; primeiramente para o judeu, e também para o grego» (Rom. 1:16). Com que segurança falava! Ele não teve temor de proclamar a sua fé. Diante do rei Agripa, elevou a sua voz e disse: «Queira Deus que por pouco ou por muito, não somente tu, mas também todos os que hoje me ouvem, fossem feitos tais qual eu sou, exceto estas cadeias!» (Atos. 26:29).

Imaginamos o seu rosto resplandecente diante do olhar de todos, estupefatos. Eles não podiam crer que um homem comparecendo diante do tribunal, custodiado pela guarda romana, se considerasse mais privilegiado do que o rei. «Gostaria que vocês tivessem a fé que eu tenho». Não se envergonhou diante de ninguém!

Nestes dias, o Senhor quer encontrar esta mesma convicção em todos nós. Sabemos em quem temos crido, e não podemos nos envergonhar do evangelho porque não é um anúncio trivial; é uma proclamação a respeito de um Rei, a respeito de um juízo vindouro e de uma salvação eterna concedida por graça.

«Não me envergonho do evangelho». Nós temos o evangelho eterno. É boa notícia para aquele que o recebe; mas uma terrível noticia para aquele que a rejeita. E o que faremos? Estamos colocados em aperto. Não podemos acomodar a mensagem e adoçá-la, como alguns fazem nestes dias.

Não temamos. Quando a ocasião se fizer presente, nos encomendemos nas mãos do Senhor, porque somos intermediários entre o céu e a terra, porta-vozes das coisas celestiais. Anunciamos na terra o que o céu quer dizer aos corações. Não nos envergonhemos. Através da pregação, sob a unção do Espírito Santo, com convicção, quem nos ouvir ficará sem desculpa, e serão atraídos aos pés do seu Salvador.

Uma necessidade imposta

«Pois se anúncio o evangelho, não tenho por que me gloriar; porque me é imposta a necessidade; e ai de mim se não anunciar o evangelho! Pelo qual, se o fizer de boa vontade, terei recompensa; mas se de má vontade, a comissão me tem sido encomendada» (1 Cor. 9:16-17).

O Senhor nos manda anunciar o evangelho. Não temos por que nos gloriar, não o faremos por mero impulso pessoal; é uma necessidade imposta. Deus mesmo fez resplandecer a Sua luz dentro de nós. A luz sempre procura uma forma de sair, e esta mensagem faz pressão dentro de nós. Isto nos fala do ministério de Paulo, sua causa, sua razão de viver no mundo. Nós somos chamados a ser e fazer o mesmo.

É uma anormalidade que o evangelho não tenha expressão.  E o Senhor está apontando para isso. O que nós estamos enfatizando? Onde estamos focando a nossa atenção? O Senhor mesmo fale aos nossos corações, corporativamente. Anunciar o evangelho é uma necessidade imposta. Que esta verdade também se encarne em nós. Paulo levava esta carga no seu interior, e ele sofria caso não pudesse proclamá-la.

Mensagem que salva

Muitos se alegrarão, lhe abraçarão e lhe amarão o resto de sua vida, agradecendo o dia em que chegou a sua casa, o dia que conheceram a Cristo através de ti. O terão em alta estima. Como é amado um servo de Deus! Quando ele levou a salvação a uma casa, as vidas foram mudadas, um sorriso novo veio iluminar os rostos outrora entristecidos, uma nova ordem chegou. A grandeza do evangelho produziu uma mudança notável. Mas a glória nunca será para os mensageiros, mas para Quem os envia.

Entretanto, há uma equivalência. Muitos lhe fecharão a porta, o zombarão, o rejeitarão, o condenarão. E a palavra que para uns é vida, para outros é morte. E o que faremos? Calaremos? Nessa tensão somos chamados a viver.

O céu está olhando para este lugar, esperando que haja outros corações que se acendam da mesma maneira. Paulo não pode ser o único neste sentido. São necessários muitos como ele, em sua nação, em sua cidade, em seu bairro, em sua família. Em todo lugar, o Senhor tem servos escolhidos; ele tem a ti. No lugar onde você trabalha, quem lhes falará do Senhor? Ele quer falar através de ti. Seus colegas, seus colegas de trabalho, seus alunos, seus pacientes, seus vizinhos, por quem ouvirão a sua Palavra?

A grandeza do evangelho tem que fazer pressão dentro de nós, até que saia! Isto não é de homens nem por homens, mas por Jesus Cristo e Por Deus o Pai, que o ressuscitou dentre os mortos. Estamos falando de homens e mulheres de profunda convicção. Isso é o que havia no coração de Paulo no tempo do seu ministério. Esta era a sua causa, a sua vida, o seu propósito, a sua razão de viver.

Agora, nós

Paulo já correu. Agora, nós, de onde viemos, no que estamos, e para onde vamos? Paulo o define assim: «Porque todos pecaram, e estão destituídos da glória de Deus» (Rom. 3:23). Esta é nossa procedência. Em seguida diz: «Justificados, pois, pela fé, temos paz para com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo» (Rom. 5:1). Temos esta realidade? Graças a Deus, de destituídos, fomos transportados para justificados. Sabemos de onde viemos e sabemos onde estamos hoje: em Cristo Jesus.

Isto fez a grandeza do evangelho. Em Romanos, capítulos 5 e 6 nos ensina que fomos transportados de Adão para Cristo. Eis aqui nossa convicção: já não estamos em Adão, porque tudo o que é de Adão é destituição, é um peso de morte. Não queremos o que é de Adão, porque nele todos morrem; nele está o pecado, a desobediência, o domínio de Satanás. Queremos permanecer em Cristo.

Nós gostamos de Romanos, porque nos ensina um caminho ascendente. O crente novo, o menino em Cristo, tem que amadurecer, porque podemos estar em Cristo e seguir sendo carnal. Os irmãos em Corinto estavam em Cristo, tinham revelação e tinham dons de Cristo, mas eram meninos, eram carnais.

E ali está a progressão que nos ensina Romanos 7 e 8, onde se descobre o fracasso de viver «pela carne» e nos ensina a avançar, a um viver no Espírito. A carne vê tudo de um plano terreno, muito básico. Temos que passar da carne para o Espírito, e a carne se tornar parte do passado. Para já não viver segundo a carne, mas segundo o Espírito.

Finalmente, Romanos nos leva a sair da vida individual. Deixamos de ser indivíduos; somos membros uns dos outros, necessitamos uns dos outros (Rom. 12:5). Necessitamos não só o consolo; muitas vezes necessitaremos do conselho, e até da repreensão, que nos fará um bem. «Repreenda-me o justo e será um excelente bálsamo, que não me ferirá a cabeça» (Sal. 141:5).

O escrutínio do Senhor

Já sabemos de onde viemos e onde estamos. De destituídos a justificados, de Adão a Cristo, da carne ao Espírito, do individualismo à vida corporativa.

Agora, para onde vamos? Que evento nos espera? E isto sim que é sério. O Senhor nos socorra para entender esta palavra. «E seu senhor lhe disse: Bem, servo bom e fiel; sobre pouco foste fiel; sobre muito te porei; entra no gozo do teu Senhor» (Mat. 25:21).

Haverá um dia, um dia certamente, que nos espera, quando o Senhor nos examinará, e então, todas nossas justificações se farão em pedaços. O que recebestes de Deus? Que conhecimento temos dele? Quanta vida produziu em nós a palavra de Cristo? Quanto nos afeta ou nos regulam as suas palavras? O Senhor tenha misericórdia de nós. O Senhor nos fala hoje, porque corremos o risco de que, em vez de nos aprovar, olhe para os nossos olhos e nos diga: «Servo mau e negligente, sabia que sego onde não semeei, e que recolho onde não espalhei» (Mat. 25:26).

Antecipando aquele dia, o Senhor Jesus fez esta solene advertência a respeito daqueles que com ousadia reclamarão dizendo: «Senhor, Senhor, não profetizamos em teu nome, e em teu nome expulsamos fora demônios, e em teu nome fizemos muitos milagres?» (Mat. 7:22). E ele lhes dirá: «Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, fazedores de maldade». Porque o que a boca deles dizia não condizia com a realidade. O Senhor nos liberte de toda irrealidade!

Já falamos da vitória de Jesus e também do apóstolo Paulo em três aspectos. O problema somos nós, porque nós temos duas partes. Confiamos em que a primeira está cumprida. Sabemos de onde viemos e não queremos retornar para lá. Mas há um tempo presente, no qual estamos pela metade. O que será de ti, e o que será de mim? No que nós vamos investir daqui por diante? O que faremos nos dias vindouros?

Que o mundo nos defraude não será novidade, mas o Senhor é fiel, nunca nos defraudará. Hoje nos segue dizendo: «Eu dei a minha vida por ti; derramei o meu sangue, pagando o mais alto preço por sua eterna redenção. Enviei o meu Espírito para habitar dentro de ti, te enriqueci com a minha palavra e te dei uma tarefa». Nos dirá: «Bem, servo bom e fiel»? Desejamos ouvir apenas essa voz, nada mais, e cair prostrados aos seus pés.

Convicção que se cultiva

Concluímos dizendo que a convicção, uma característica destacável do caráter de nosso Senhor, tem que estar presente em nós. Mas isto não é algo que aparece de forma automática. A convicção se cultiva no tempo, através da palavra, atentos a ela, valorizando-a, obedecendo-a e pondo-a por obra. Vivendo em comunhão com o corpo de Cristo, sob a unção do Espírito Santo.

A grandeza do evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo tem sido a carga que nos inspira nestes dias. A convicção e também a sensibilidade, mostrada por nosso Senhor, em sua vida e obra, levaram-no a cumprir sua tarefa a plenitude. Que mediante a sua graça, possamos nós também viver e batalhar, no tempo que nos resta, com estas mesmas virtudes, que hoje estão sendo forjadas em seus filhos pelo trabalho paciente do Espírito Santo.

Síntese de uma mensagem oral ministrada em Rucacura (Chile) em janeiro de 2018.

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