ÁGUAS VIVAS
Para a proclamação do Evangelho e a edificação do Corpo de Cristo
A vocação de Abraão
O pai da fé, um exemplo do compromisso e da responsabilidade que requer todo pai de família.
Marcelo Díaz
É muito diferente conhecer os relatos bíblicos como histórias, a vê-los como revelação. Há uma verdade escondida em cada palavra que Deus vai revelando à igreja. Hoje queremos ver algumas características da vida de Abraão, aplicando-as em especial aos pais de família.
O nome Abrão significa «pai enaltecido», que depois Deus trocou para Abraão, «pai de multidões». Com Abraão começa a história da fé; por isso, ele é chamado o pai da fé.
A revelação do mistério de Deus começa com Abraão. Ele é mencionado frequentemente pelos escritores neotestamentários, e até pelo próprio Senhor Jesus. Assim, na passagem de João 8:31-59, quando ele fala com os fariseus, chama-nos a atenção o versículo 56: «Abraão seu pai se alegrou de que tinha que ver o meu dia; e viu-o, e se alegrou».
Isto nos lembra as palavras de Hebreus 11:13-16: «Conforme à fé morreram todos estes sem ter recebido a promessa, mas vendo-a de longe, e crendo, e a saudando, e confessando que eram estrangeiros e peregrinos sobre a terra. Porque os que isto dizem, claramente dão a entender que procuram uma pátria; pois se tivessem estado pensando naquela de onde saíram, certamente tinham tempo de voltar. Mas desejavam uma melhor, isto é, celestial; pelo qual Deus não se envergonha de chamar-se Deus deles; porque lhes preparou uma cidade».
«Pela fé Abraão, sendo chamado, obedeceu para sair para o lugar que tinha que receber como herança; e saiu sem saber para onde ia. Pela fé habitou como estrangeiro na terra prometida como em terra alheia, morando em tendas com Isaque e Jacó, coerdeiros da mesma promessa; porque esperava a cidade que tem fundamentos, cujo arquiteto e construtor é Deus» (Heb. 11:8-19).
A visão de Abraão
A história da fé começa com Abraão. Deus o chamou de uma terra de idolatria, para iniciar a recuperação do mistério de Deus. Deus lhe mostraria uma revelação muito especial. Abraão viu o propósito de Deus como nenhum outro patriarca. A revelação foi de tal magnitude, que ele pôde sair daquele entorno, para viver uma vida errante.
Abraão entendeu e saiu de sua terra em busca daquilo que lhe havia sido prometido. Não é simplesmente a história de uma família que vai de um lugar a outro para adquirir uma posse terrena; é a história de um homem que creu em Deus. Abraão foi o primeiro crente; por isso, é nosso pai.
«A Abraão foi-lhe imputada a fé por justiça (...) E recebeu a circuncisão como sinal, como selo da justiça da fé que teve estando ainda incircunciso; para que fosse pai de todos os crentes não circuncidados, a fim de que também a fé lhes seja contada por justiça; e pai da circuncisão, para os que não somente são da circuncisão, mas também seguem as pisadas da fé que teve o nosso pai Abraão antes de ser circuncidado» (Rom. 4:9, 11-12).
Este é o primeiro homem constituído justo por causa da fé. «portanto, é por fé, para que seja por graça, a fim de que a promessa seja firme para toda a sua descendência; não somente para a que é da lei, mas também para a que é da fé de Abraão, o qual é pai de todos nós» (4:16).
A circuncisão espiritual
Abraão é o começo da circuncisão e da incircuncisão; é o primeiro crente que recebe a justiça de Deus, porque viu o dia do Senhor e, vendo-o, foi declarado justo. Paulo diz à igreja em Colossos: «Nele também foram circuncidados com circuncisão não feita por mãos, ao lançar de vós o corpo pecaminoso carnal, na circuncisão de Cristo; sepultados com ele no batismo, no qual foram também ressuscitados com ele, mediante a fé no poder de Deus que o levantou dos mortos» (Col. 2:11-12).
O apóstolo está dizendo que, para nós, a circuncisão é o batismo. Quando alguém se compromete com o Senhor e se batiza, despoja-se daquele corpo pecaminoso. Deus nos circuncida, não na carne, mas no coração, e fazemos pacto com ele, tornando-se filhos da promessa, e a pertencer à semente de Abraão, de modo que ele é o nosso pai quanto à fé.
Em Filipenses ele reitera isto: «Porque nós somos a circuncisão, os que em espírito servimos a Deus e nos gloriamos em Cristo Jesus, não tendo confiança na carne» (Flp. 2:3). Nós somos a verdadeira circuncisão. Abraão, o homem que foi justificado pela fé, é nosso pai. Ele colocou os seus olhos em Cristo e esperou nele, e não se estabeleceu nem edificou nada neste mundo, porque esperava ver o propósito de Deus realizado.
Por causa da visão, Abraão se desapegou do mundo. Deus lhe prometeu que toda aquela terra seria dele e de sua descendência. Entretanto, ele não lavrou a terra nem fundou uma cidade, porque o que tinha em sua mente e coração era «a cidade cujo arquiteto e construtor é Deus».
A função do pai na família
No propósito de Deus para a família, sem desprezar a função da mãe, é vital o compromisso do pai. Nos tempos de Abraão, a sociedade estava constituída sobre um modelo patriarcal. Deus estabeleceu este modelo nas Escrituras.
Por isso, falando de Abraão, queremos falar do compromisso e da responsabilidade que o homem tem que é pai de família. Hoje, em nossa sociedade, parece que a única função do homem é prover a casa; mas isso é muito pequeno em relação ao que Deus demanda do pai de família.
Deus tomou a Abraão e operou nele, revelando-se em diversas etapas. Por meio dele, Deus abriria uma vertente espiritual para toda a humanidade.
Na família, o pai é o que tem a visão. Sem visão, a casa irá à ruína, perderá o rumo. «Sem profecia, o povo se desenfreia» (Prov. 29:18). Onde há um pai firme em Cristo, firme na fé, a família irá se conformando à visão que ele vai estabelecendo em sua casa.A responsabilidade do pai de família é fundamental para o propósito divino. E
mais, a missão terrena do Senhor Jesus, se pudéssemos defini-la, era nos revelar o Pai. Tudo começa com o Pai, quem é a origem de tudo: a vertente, a luz, a sabedoria, a correção, a disciplina.
O pai é vital no lar. Na sociedade atual, esta função foi distorcida, reduzindo-o a uma mera função de prover. A imagem paterna é desvalorizada, mostrando-o como um homem fraco, torpe, ineficiente. Mas não é assim no propósito de Deus.
Deus teve que trabalhar com o nosso pai Abraão por causa do propósito divino. Para que alguém possa ser pai, tem primeiro que aprender a ser filho do Pai celestial.
Que maravilhoso é ter um pai! Nem todos têm a vivência de ter tido um pai a quem honrar. Mas que bom é ver um lar onde há tal pessoa que põe um rumo; que talvez fala pouco, mas estabiliza a família; um homem que controla e põe limites, que dá identidade, que cuida, defende e nutre. Isto se aprende conectado ao Pai, aprendendo a ser filho do Pai celestial.
Uma nova realidade
O pai tem a responsabilidade de constituir uma família. Por isso, o primeiro chamado de Abraão foi: «Sai de tua terra e de tua parentela, e vem para a terra que eu te mostrarei» (Atos. 7:2). É um chamado para separar-se de sua origem, para constituir-se outra realidade, em um terreno novo, onde Deus se comunicará diretamente com ele, para revelar os seus propósitos nessa função que lhe foi atribuída.
O Senhor chama para sair. Não é bom que os filhos, ao casar-se, sigam vivendo com os seus pais. E embora todos, afetivamente, a princípio, quisessem que fosse assim, isto não ajuda ao novo casal, porque quando dois jovens se casam cria-se uma nova realidade espiritual.
«Em ti serão benditas todas as famílias da terra» (Gên. 12:3). Em uma nova família, Deus se constitui como cabeça, e põe um «pai de família». Este pai tem que crescer pela palavra, aprender do Senhor, pelo Espírito, primeiro a ser filho do Pai, para ir em seguida constituindo-se como pai de uma nova realidade.
Por isso, o primeiro chamado ao crente que se casa, é para sair. Pedro aconselha dizendo: «E se invocais por Pai a aquele que sem acepção de pessoas julga segundo a obra de cada um, andai em temor todo o tempo de tua peregrinação...» (1 Ped. 1:17). Ele está falando com gentios e a judeus a respeito de uma questão histórica, mas aqui há também uma aplicação à nova realidade de família. Tudo o que aprendeu até agora, de alguma maneira é vã. Aqui há uma nova realidade, uma nova palavra e uma nova relação.
Aqui são gerados vários problemas, porque o tema de desligar-se dos familiares é complexo. Nós temos lealdades fortes com os nossos pais, lealdades que às vezes não sabemos dirigir. E às vezes as famílias têm conflitos, porque há lealdade emocional com o pai ou com a mãe, e custa desvincular-se.Nós pais não queremos que os filhos saiam,
porque não queremos que sofram ou que cometam os mesmos erros que nós. Muitos pais pretendem viver sempre com os seus filhos; mas isso é um engano. Os filhos têm que viver a sua própria realidade. Os pais devem respeitar isso. Claro, eles podem dar sugestões; mas, se não lhes pede conselho, é melhor que se calem. Deus se constitui em Pai dessa casa, e ele é bom e cuidará deles melhor que nós mesmos.
Depois do primeiro chamado, Abraão saiu, mas levou o seu pai e a Ló. Não fazermos as coisas de acordo com o plano de Deus, traz conflitos. Houve problemas, ao ponto que eles tiveram que separar-se. Depois de ter caminhado um longo trecho e conhecer ao Senhor mais intimamente, Deus aparece a Abraão uma e outra vez, e lhe repete o mesmo: «Sai da tua parentela».Necessitamos que nos lembrem da visão celestial; do contrário, a influência de uma
parentela incrédula termina diluindo o nosso chamado. A visão celestial deve estar fresca, para que ela ordene a família onde Deus nos pôs como pais.
«Por outro lado, tivemos a nossos pais terrenos que nos disciplinavam, e os venerávamos. Por que não obedeceremos muito melhor ao Pai dos espíritos, e viveremos? E aqueles, certamente por poucos dias nos disciplinavam como a eles lhes parecia, mas este para o que nos é proveitoso, para que participemos de sua santidade» (Heb. 12:9-10). Às vezes, eles não o fizeram tão bem. Eram estritos, e nos disciplinavam rudemente, e mesmo assim, os venerávamos. Assim, era forte a paternidade.
Intimidade com Deus
Em Gênesis 12 se inicia a história do Abrão, pai enaltecido. Mais tarde, em um compromisso mais avançando na revelação do Senhor, Deus muda o seu nome, e torna real a promessa do filho. Sua história pode ser resumida em quatro altares. No primeiro, Abraão aprendeu a depender de Deus; no segundo, aprende a viver para Deus. Em seguida, Abraão aprende a viver com Deus. E no final, no último altar, aprende a viver em Deus.
Há uma sequência de intimidade que Deus conduz. Ele não nos abandona. Na vida cristã, Deus vai guiando para um caminho de aproximação, um caminho de amizade.
Tiago também assinala um elemento muito interessante com respeito a Abraão: «Não foi justificado pelas obras Abraão nosso pai, quando ofereceu a seu filho Isaque sobre o altar? Não vê que a fé atuou junto com suas obras, e que a fé se aperfeiçoou pelas obras?» (Tg. 2:21-22). Falando do pai da fé, Tiago diz que não é apenas a fé. A fé vai acompanhada das obras. Paulo enfatiza a fé de Abraão. Mas Tiago diz que não é apenas a fé; foram também as obras; porque a fé foi acompanhada com obras.
«E se cumpriu a Escritura que diz: Abraão creu em Deus, e foi contado por justiça, e foi chamado amigo de Deus» (V. 23) . Quando? Quando ele operou pela fé, obedecendo ao que estava vendo. Quando Deus lhe pediu o herdeiro, a única via pela qual se realizaria o propósito divino, ele pôs a seu filho no altar; pôs até o que Deus lhe tinha dado, crendo em seu coração que Deus o poderia levantar até dentre os mortos.
Abraão «foi chamado amigo de Deus». O conceito de amizade é muito interessante nas Escrituras, porque o próprio Senhor, ao final de seu ministério na terra, diz aos seus discípulos: «Já não vos chamarei servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor; mas vos tenho chamado amigos» (João 15:15). O amigo é o confidente, que conhece o segredo. Com o amigo se fala sem reservas. Quando compartilhamos com um amigo, você fala; não há reservas em nada. Abres o coração sem temor, porque teu amigo te entende. E não só isso: ele também te corrigirá.
«Abraão meu amigo» (Is. 41:8). Abraão era um homem como qualquer, mas creu em Deus. «Encobrirei eu a Abraão o que vou fazer, havendo de ser Abraão uma nação grande e forte, e havendo de ser benditas nele todas as nações da terra?» (Gên. 18:17-18). Qual é a razão pela qual Deus não encobre nada a Abraão? Porque este cumprirá a sua função como pai; porque levou a sério o que lhe foi revelado.
Transmitir a visão aos filhos
«Porque eu sei que mandará a seus filhos e a sua casa depois de si, que guardem o caminho de Jehová, fazendo justiça e juízo, para que faça vir Jehová sobre Abraão o que falou a respeito dele» (V. 19). A este homem que tinha crido e tinha tomado o compromisso de transmitir a visão a seus filhos, que ia fazer o trabalho de um pai, Deus não lhe ocultaria nada; lhe falaria abertamente. Abraão foi amigo de Deus.
Temos muito que ouvir ainda ao Senhor. Há muito que ele quer nos revelar quando nos vê comprometidos no dia a dia, no lar. Deus operará, porque ele quer que o teu coração ache repouso em ti e em mim, e ele quer esta amizade, esta intimidade do último altar onde Abraão entregou todo o sentido de sua vida.
«Pela fé Abraão, quando foi provado, ofereceu a Isaque». Pela fé, ele estava vendo a visão de Deus, o propósito, o tempo final, a obra de Deus consumada, «e o que tinha recebido as promessas oferecia o seu unigênito, havendo lhe dito: Em Isaque te será chamada descendência; pensando que Deus é poderoso para levantar até de entre os mortos, de onde, em sentido figurado, também o tornou a receber» (17-19).
Quando Abraão levantou o cutelo para degolar a seu filho, então o anjo do Senhor o deteve, porque em seu coração já o tinha entregue. Que maravilhoso! E em seguida, Abraão seguiu com esse filho. Recebeu-o «de entre os mortos», e se dedicou a Isaque, não por seus afetos para ele, mas pelo propósito de Deus.
Os filhos não são nossos; eles vêm para serem filhos de Deus, para cumprir o propósito divino. Deus nos pede para sacrificá-los para ele, porque são deles. Estes filhos são de Deus, porque ele tem propósito com eles, e este propósito tem que cumprir-se.
Sendo Abraão já velho, chama a seu mordomo, e o encarrega de procurar uma esposa para Isaque. Não se conformou apenas em have-lo criado. A tarefa de um pai não conclui aqui.
Assegure-se que seus filhos se casem bem, que se casem com Cristo, em Cristo e para ele. Aqui está em jogo o propósito divino. Por isso é complexo quando um crente se casa com uma pessoa incrédula. Deus pode permiti-lo circunstancialmente, mas a sua vontade perfeita não é essa. Os filhos devem procurar marido ou esposa no povo de Deus, e os pais devem procurar que isso se cumpra.
«Jure-me que irás para a minha terra e para a minha parentela, e tomarás mulher para meu filho Isaque». A passagem de Gênesis 24 é muito linda, e nos ensina que temos que ajudar aos filhos a encontrar marido ou esposa. O primeiro requisito é que seja discípulo de Cristo. Seus estudos ou procedência podem ter importância, mas não é a primeira coisa. Também é necessário que esteja fazendo algo, estudando ou trabalhando. O resto é manejável – mas o essencial é Cristo.
Eliezer orou a Deus que lhe desse um sinal que confirmasse qual era a mulher idônea para o filho de seu amo. E assim ocorreu. Rebeca deu água a ele e a seus camelos, como aquele criado o tinha pedido. Ela se esforçou e trabalhou. Isso é importante: um filho ou filha do povo de Deus, que tenha fé, que tenha atributos de serviço, de amor. Assim foi escolhida mulher para Isaque. Tal foi a obra de Abraão como pai.
Nós temos um Pai que governa, que avança naquele propósito que Adão perdeu: «Frutifiqueis e subjugueis». Tomar terreno e domínio para o Senhor; tomar a família e ensinar aos filhos a pôr os olhos em Cristo, indo adiante, para enviá-los preparados como marido ou como esposa, para que sigam enchendo a terra, para a glória do Senhor.
Síntese de uma mensagem ministrada em Temuco (Chile), em agosto de 2016.