Melquisedeque

Quase no início da história bíblica, se levanta um misterioso personagem trazendo uma mensagem do Evangelho.

Henry Law

“Então Melquisedeque, rei de Salem e sacerdote do Deus Altíssimo, trouxe pão e vinho...” (Gên. 14:18).

Concluída a primeira guerra que entristecem as páginas da História, Abraão retorna coroado pelo êxito e carregado de despojo. Subitamente, aparece diante dos nossos olhos uma cena maravilhosa, tanto pelo que se revela como pelo que se oculta. Nas páginas das Escrituras se levanta um personagem que vem envolvido num grande mistério, e o seu próprio nome atrai a nossa atenção, pois traz uma mensagem do Evangelho.

Emerge um personagem

Quanto a dignidade terrestre, a sua posição é alta, já que é rei de Salem. Por seus ofícios sagrados também ocupa um lugar proeminente, pois é sacerdote do Deus Altíssimo. Se investigássemos a sua linhagem, tropeçaríamos em um véu impossível de transpassar. Sobre a sua vida, o sol nunca sai nem se oculta. Quando aparece, o faz com todo o seu vigor, luzindo como o sol do meio-dia.

Tão escuro é em sua sublimidade e tão sublime em sua obscuridade, que devemos nos perguntar se estamos apenas diante de um homem. Ao aparecer não traz as suas mãos vazias, nem os seus lábios guardam silêncio. Reconforta ao patriarca com provisões para o caminho, e a isto acrescenta o consolo da bênção no nome de Deus. O direito à reverência e à comemoração pertence a Abraão, e, não obstante, este lhe entrega o dízimo de tudo.

Pistas que conduzem a Jesus

Este é o relato que tem nos chegado. Mas as Escrituras não se detêm aqui, mas nos ensinam que todas estas linhas são pistas que conduzem a Jesus. Neste importante personagem vemos com grande clareza as glórias do ofício de nosso Senhor. Com uma frase concisa as Escrituras nos dizem que Melquisedeque é «feito semelhante ao Filho de Deus» (Heb. 7:3). Com frequência é anunciado que Jesus é «sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque». Por isso a fé, que só subsiste olhando para Jesus, assenta-se aos Seus pés com gozo santo, ao calor dos raios do Evangelho.

Contemple a Melquisedeque! Com sábio propósito, os seus antepassados estão ocultos a nossa vista. Também as primeiras origens de Jesus estão envoltos em nuvens e escuridão. Por geração eterna o Filho é coeterno do Pai. Mas, quem pode entender tal mistério? Quer dizer, que o que gera não precede ao gerado, e o gerado não é posterior ao que atua de pai.

Esta verdade é como um oceano sem limites. Fiquemos nas suas margens com mansidão e admiremo-la. Mas não nos aflijamos porque não podemos sondar o que é insondável.

Oceano sem limites

O pináculo desta verdade se oculta no profundo dos céus, e nós, pobres vermes terrenos, devemos permanecer com reverencia em torno de sua base. Para conhecer a essência de Deus devemos possuir primeiro, a mente de Deus. Para lhe vermos como é, devemos ser como ele é. Para medir as dimensões de sua natureza, devemos possuir sua infinidade, e nos assentar em seu trono como amigos.

Lemos, e sabemos que Jesus é, por geração eterna, Deus verdadeiro. Embora seja verdade que não podemos submergir até a profundeza, podemos, ao menos, refrescar nossas almas nas águas da superfície. Porque tudo isto significa que Cristo é suficiente para pactuar com Deus e para lhe satisfazer, salvando assim a seu povo até o fim.

Não podemos ver o berço de Melquisedeque, é verdade; mas o vemos sobre a terra já sendo homem. As testemunhas oculares, que ouviram e tocaram a Jesus, dão testemunho de que também ele andou neste tabernáculo de barro, podendo assim derramar o seu sangue para o nosso resgate.

Assim é Jesus

Quanto a Melquisedeque, não podemos encontrar nem o seu princípio nem o seu fim. A investigação não nos revelará quando começou ou cessou de existir. Assim é Jesus. A sua piedade é como um dia imperecível que se estende de uma eternidade a outra. Seu ser flui como uma corrente contínua.

Antes que o tempo existisse o seu nome era «Eu sou o que sou». Quando o tempo concluir, o seu nome seguirá sendo «Eu sou o que sou».

Leitor, não te causa assombro tal grandeza? Talvez te estejas perguntando se podes te aproximar e te lançar em seus braços. Não duvide. Olhe para Jesus. O seu amor é tão eterno como o seu ser. Não viveu nem nunca viverá deixando de ter o seu povo gravado em seu coração: «Com amor eterno te amei; portanto te prolonguei a minha misericórdia». Os muros de Sião se elevam perpetuamente diante dele. Tão grande imensidão dá consolo, porque é a imensidão de uma graça terna.

Melquisedeque. Quão grande é este nome! Quem o pronuncia está na realidade dizendo: Rei de justiça. Mas, quem senão Jesus pode reclamar tal título em todo o seu significado? Porque, o que é sua obra, e o que sua pessoa a não ser a glória da justiça? Desde que Adão caiu, a terra não viu justiça exceto nele.

O seu reino é, primeiro, justiça, e em seguida paz (Rom. 14:17). Existe ali um trono, justamente erguido, que administra a justiça. Todos os seus estatutos, preceitos e ordens; cada decreto, cada recompensa ou castigo é como um raio de justiça.

Cada súdito aparece luminoso com as roupagens reais da pureza, rodeando uma coroa de justiça (2ª Tim. 4:8). Cada um se deleita em sua nova natureza de justiça.

Um abrigo de calma

Leitor, não desejas ser justo como ele também é justo? Só existe um caminho: agarra-te a Jesus. O seu Espírito matará em ti o amor ao pecado, e te dará a semente viva da justiça.

Melquisedeque era um monarca local. A sua cidade estava adornada com o nome de Salem, que significa Paz. A guerra que tinha açoitado o país não afetou a seus pacíficos cidadãos. E aqui temos de novo um doce símbolo do bem-aventurado reino de Jesus. Os seus domínios, envoltos em uma atmosfera de paz, são como um abrigo de calma imperturbável.

O céu assinou a paz com os habitantes deste reino. O pecado se rebelou e despertou a ira divina tingindo de cólera cada atributo de Deus. Desembainhou-se a espada da vingança e as flechas destruidoras apontaram para este mundo de iniquidade. Mas eis que vem Jesus e limpa o seu rebanho de toda mancha de maldade. Ele é «o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo». O olho examinador de Deus não pode achar causa alguma de inimizade, e seu sorriso desce sobre esse reino lavado com sangue.

Outro coração

Também os seus cidadãos têm paz com o céu, porque embora aquele pecado lhes houvesse enchido de ódio à santidade de Deus, de temor ao seu braço vingador, e aversão a sua presença, Jesus, por meio do seu Espírito, arranca esse coração de pedra e implanta outro cheio de amor filial. E agora só há deleite em aproximar-se de Deus, andar ao seu lado, escutar a sua voz e cantar os seus louvores.

Os habitantes do reino têm paz interior. Ao ver a cruz se aquieta toda tormenta da consciência, e a voz acusadora de Satã se apaga. Eles podem ver um Redentor divino que apaga com o seu sangue as chamas do inferno e constrói com os seus méritos o palácio celestial.

Leitor, não existe a paz fora deste Salem. Apenas dentro dos seus muros se ouve um canto de paz perfeita. As suas portas ainda estão abertas. O Príncipe da Paz está chamando. Bem-aventurados os que lhe ouvem e se apressam a receber o repouso que ele dá!

Melquisedeque exercia as funções mais santas. Era sacerdote consagrado do Deus Altíssimo. Sendo rei, ocupa um lugar sobre outros homens; e sendo sacerdote, está diante de Deus continuamente. Este mesmo santo ofício é o que Jesus possui, e não desdenha obra alguma que possa servir à igreja.

Um altar: Cristo

A entrada do pecado requer uma expiação, porque não há pecador que possa aproximar-se, sem uma causa que apague a culpa, a um Deus que odeia aquele pecado. E esta expiação só se pode realizar mediante a morte de uma vítima propiciatória, e esta vítima só pode morrer pelas mãos de um sacrificador. Por esta razão necessitamos de um sacerdote que celebre este rito cruento, e em Jesus achamos tudo o que é necessário. Portanto, crente, proclame com gozo que Cristo é o seu tudo.

Há um altar: Cristo. Nenhum outro seria suficiente. Só ele pode sustentar a vítima que precisa levar os pecados do povo. Trazem um cordeiro, e esse cordeiro é Cristo. Nenhum outro possui em seu sangue um mérito equiparável à culpa do homem. Por isso, Jesus, Deus em essência e homem em pessoa, estende-se sobre o madeiro maldito. Mas, que sacerdote se atreverá a aproximar-se deste altar sobrenatural? Que mão se levantará contra essa vítima divina? Apenas a sua vista faria tremer a um homem até consumi-lo. Jesus, pois, tem que ser o Sacerdote.

Um perdão eterno

Mas, ele pode sacrificar-se a si mesmo? Leitor, a vontade de Deus vem determinada por sua natureza. O seu coração está cheio de amor por seu povo. Cristo olha para Deus e olha para a sua igreja, e dá o seu sangue com gozo. Crente, abra bem os olhos da fé e contemple a obra gloriosa do seu glorioso Sumo Sacerdote. Cristo não está perdoando a si mesmo, para que todos aqueles que se refugiem nele possam ser perdoados para sempre.Mas temos

que notar que o Cordeiro morreu uma vez para sempre. A obra do Sacerdote na terra foi concluída para sempre. As trevas se dissiparam. O Sacerdote entrou com o seu próprio sangue no Lugar Santíssimo, obtendo assim eterna redenção.

Há ainda quem se atreva a falar de sacerdotes, altares e sacrifícios na terra? Que tomem cuidado e o considerem. É algo grave brincar com a linguagem do Espírito e com os nomes de Jesus. O que começa pela ignorância pode terminar na morte. Na obra do Sacerdote aqui embaixo há esta gloriosa inscrição: «Está consumado». E em sua obra lá encima está escrito: «Nunca cessa». Jesus vive, e por isso o seu ofício vive também.

Crente, olhe para ele, assentado à mão direita da Majestade nas alturas, com as suas vestimentas sacerdotais. Sobre os seus ombros estão os nomes do verdadeiro Israel, que é uma prova de que, enquanto o seu coração palpite, o faz por eles. A voz de sua intercessão sempre é ouvida e sempre triunfa. «Pai, perdoa-os»; e são perdoados. «Pai, tenha misericórdia deles»; e as misericórdias descem rapidamente. O incenso de sua intercessão sobe continuamente. «Pai, abençoe-os»; e são abençoados. Com a sua mão estendida, ele recolhe todas as suas ofertas de oração, louvor e serviço. Em seguida as perfuma com a rica fragrância dos seus méritos. Tudo o dignifica com a sua dignidade, e assim a nossa pobreza se converte em grande bem-estar.

Pão e vinho

Melquisedeque sai ao encontro de Abraão com pão e vinho. O esgotado guerreiro se acha fraco e muito cansado, mas esta provisão lhe reconforta. O Senhor cuida com ternura das necessidades do seu povo. A maldição sobre os amonitas é terrível por ter negado pão e água a Israel quando estavam no caminho depois de sair do Egito (Deut. 23:4).

Aqui temos outra imagem do nosso grande Sumo Sacerdote. Com divina generosidade, Cristo provê tudo o que necessita a uma fortaleza desgastada, um espírito decaído ou um coração desmaiado.

A batalha da fé é dura; o atalho da vida nos parece, com frequência, longo; mas a cada passo encontramos com salas de banquete abertas com toda classe de deleites preparados. Temos o manjar sólido da Palavra; as taças transbordantes de promessas; as fontes abundantes das ordenanças; os símbolos, que são como o maná da mão de Deus; e temos também o alento espiritual do corpo que ele entregou e o sangue que derramou.

O nosso verdadeiro Melquisedeque nos convida a que nos aproximemos. E enquanto nos regalamos com fé vivificante, aquela voz amorosa se deixa ouvir dizendo: «Bendito sejas do Deus Altíssimo».

O patriarca, com reverência agradecida, oferta os dízimos de tudo. Oh! minha alma! O que tu darás ao grande sumo Sacerdote? Diga-lhe com linguagem de adoração: Senhor, eu sou teu; tu me compraste com o teu sangue; tu me ganhaste com a ternura de tua graça; tu me chamaste com tua voz irresistível; tu me tens subjugado com teu Espírito. Sou teu. Minha alma é tua para te adorar; meu coração é teu para te amar, e meu corpo para te servir. Com minha língua te louvarei, e minha vida é tua para te glorificar. Minha eternidade é tua para te contemplar, para te seguir, para cantar o teu nome. Mesmo a eternidade é muito breve para que uma alma redimida glorifique a Jesus, o Redentor.

Do Evangelho em Gênesis.

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