Permanecendo na visão

Como os meios de graça providos por Deus nos ajudam a vencer todos os obstáculos.

Roberto Sáez

Permanecei em mim, e eu em vós. Como a vara não pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na videira, assim tampouco vós, se não permanecerdes em mim. Eu sou a videira, vós as varas; aquele que permanece em mim, e eu nele, este dá muito fruto; porque separados de mim nada podeis fazer... O que ouvistes desde o princípio, permaneça em vós. Se o que ouvistes desde o princípio permanecer em vós, também vós permanecereis no Filho e no Pai” (João 15:4-5; 1 João 2:24).

A palavra “permanecer” foi muito usada pelo Senhor Jesus. Em João capítulo 15, ela aparece treze vezes, na forma explícita e implícita; e no capítulo 2 da primeira epístola de João, registra-se seis vezes. O apóstolo tomou esta palavra do Senhor Jesus e a fez dele.

João escreveu aproximadamente no ano 90, uns sessenta anos depois que o Senhor partiu deste mundo. Nesse tempo, os cristãos sofriam perseguições, tinham perdido os seus bens e suas famílias, eram açoitados, presos e mortos por causa do testemunho do Senhor.

Testemunho de valor

Então a tentação de desistir se tornou algo comum entre eles. O Senhor Jesus tinha insistido em que seus discípulos permanecessem e guardassem a fé. As provações, as aflições e as torturas atentavam contra a permanência na fé. A possibilidade de desistir era grande. Mas o testemunho do valor que eles tiveram de perder tudo por amor de Cristo transcendeu através dos séculos, comovendo o mundo.

O apóstolo João, no primeiro capítulo de sua primeira epístola, versículos 1 ao 4, fala da visão celestial. João, já ancião, ficou sozinho. Todos os seus companheiros já tinham morrido; mas ele fala em nome de todos eles, dizendo: “O que vimos”; não “O que vi”. “O que ouvimos, o que vimos”. Quem? Os apóstolos.

“O que contemplamos”, se referindo a esses anos em que eles estiveram com o Senhor, quando lhe viram caminhar sobre as águas, quando o contemplaram no monte da Transfiguração, quando lhe viram curar doentes, ressuscitar mortos, fazendo as maravilhas de Deus, quando compreenderam que não era um homem comum, mas era Deus encarnado.

Comunhão celestial

Há um testemunho, um anúncio apostólico, transmitido aqui na forma escrita: “Porque a vida foi manifestada, e a vimos, e testificamos, e vos anunciamos a vida eterna, a qual estava com o Pai, e nos foi manifestada” (1:2).

“Para que também vós tenhais comunhão conosco; e a nossa comunhão verdadeiramente é com o Pai, e com o seu Filho Jesus Cristo” (1:3). A nossa comunhão veio do céu, da vida trinitária. O estilo dessa vida se vive em comunhão. E o maravilhoso é que nós entramos nesta comunhão.

“Estas coisas vos escrevemos para que vosso gozo seja completo” (1:4). Não há gozo maior do que ter entrado nesta comunhão, nesta vida celestial que nos foi manifestada. Mas não é apenas vida estendida no tempo, mas também uma qualidade de vida expressa em um compartilhar, em um dar e receber, em uma mutualidade.

O Pai dá tudo para o Filho, e o Filho dá tudo para o Pai. O Pai constituiu ao Filho herdeiro de tudo. Esta é a comunhão que foi dada, a comunhão com o Pai e com o Filho, comunhão que acontece por crermos o que os apóstolos anunciaram referente a ela. Esta é a visão celestial.

Risco de perda

Agora, existe o risco de que esta visão celestial na base para a comunhão se perca. João fala disso, Tiago e, na realidade, todos os escritos do Novo Testamento. Mas queremos fazer especial referência a João e a Tiago, porque há grande semelhança em sua preocupação pelas causas que atentam contra a permanência dos cristãos na fé.

João começa nos dizendo que “Deus é luz, e não há nenhuma trevas nele... se andarmos na luz, como ele está na luz, temos comunhão uns com outros” (1:5, 7).

Se não andarmos na luz, a comunhão se quebra. A comunhão que nós temos veio de cima. Se dissermos que andamos na luz, mas andamos em trevas, mentimos. Haveria uma inconsequência entre o que professamos e o que praticamos. Portanto, precisamos andar na luz.

Nós estivemos sob o domínio das trevas, do qual fomos libertados, para sermos transportados para o reino da luz. Deus é luz. Hoje andamos na luz, embora exista o risco de cair em alguma treva; mas não para retrocedermos, mas para nos arrependermos, e para conhecermos quão tremenda é nossa tragédia, como seres humanos, de ser tão diferentes de Deus.

Contrastes

Na palavra “permanecer” há implícitos alguns contrastes. Por que Jesus usou esta palavra? Porque ele era a vida eterna que foi manifestada. Eternidade tem a ver com algo perdurável, imutável; algo eterno, que não se esgota, que não varia, que é incorruptível, irremovível, constante, firme, perdurável. O contrário disto é o vacilante, o efêmero, o perecível, o instável, o corruptível, o fraco, aquilo que se esgota.

A palavra “permanecer” tem a ver com o eterno. João diz: “aquele que faz a vontade de Deus permanece para sempre” (1 João 2:17). Em sua primeira epístola, que tem cinco capítulos, nos quatro primeiros, João usa vinte vezes a palavra “permanecer”. E a maioria das vezes a usa como um mandamento: “Permaneçam”. É uma ordem.

A visão celestial tem a ver com a vida eterna manifestada, com a qualidade de vida e com a comunhão da Trindade, com a comunhão apostólica, com o gozo que produz esta comunhão.

Dizíamos que existe a possibilidade de que se quebre esta comunhão. Ela depende de quanto valorizamos esta visão; se estivermos dispostos a sofrer, a suportar, a resistir, a nos apartar de tudo aquilo que puder atentar contra a nossa permanência na fé.

Cegos curados

Para nos ajudar um pouco a valorizar o que significa esta experiência, o irmão Austin-Sparks, em um livro chamado Visão Espiritual, reflete sobre às vezes em que Jesus curou alguns cegos. Ele curou a um cego de nascença, que representa-nos perfeitamente, porque aquele homem tinha vivido na escuridão e nunca tinha visto a luz. E assim estávamos todos nós. “Havendo eu sido cego, agora vejo” (João 9:25).

É maravilhoso o milagre de ter estado cego e agora ver, conhecer as formas, distinguir as cores, desfrutar do pôr do sol. Que maravilha é ver tudo isso. Se pudermos apreciar o que é ver, então poderemos permanecer na visão celestial. Porque esta visão é mais gloriosa que ter sido cego e agora ver. Aquilo é algo grandioso, mas isto é algo ainda maior, porque não é a visão do mundo terreno, mas a visão celestial.Jesus curou também a outro

cego, tocando-o, e lhe perguntou se via algo. O homem disse: “Sim, vejo os homens como árvores, mas os vejo que andam” (Mar. 8:24). Muitas vezes recebemos um toque do Senhor, um vislumbre parcial da visão celestial. E então se requer um novo toque, para ver mais claramente. Neste caminhar, todos, de alguma forma, experimentamos o que simboliza este cego.

No mesmo livro, o irmão Sparks explica o drama da igreja em Laodicéia. Como toda igreja, esta foi constituída tendo esta visão celestial, mas terminou perdendo-a.

Para podermos permanecer, é necessário valorizarmos o que é a visão celestial, e não aceitar nada que deva interromper a permanência, valorizando o que significa haver-se encontrado com o Senhor Jesus Cristo. Ao lhe conhecer, nosso entendimento se abriu, e fomos iluminados para vê-lo com os olhos do espírito.

Meios da graça

Uma das causas que fazem que percamos a visão celestial, segundo João nesta epístola, é o pecado. “Se dissermos que não temos pecado, enganamos a nós mesmos” (1 João 1:8). João parte dizendo que nós temos esta natureza contrária a de Deus. Deus é luz. Nós já não estamos sob o domínio das trevas, mas sob o domínio da luz. Mas, mesmo assim, corremos o risco de cair em trevas e deixar de permanecer na fé.

Se cairmos em alguma treva, rompe-se a comunhão, porque não se pode ter comunhão com Deus havendo trevas escondidas. A solução, diz João, é confessar, expor à luz. Este é um meio da graça. João nos recomenda vários meios da graça para retomar o caminho da comunhão. Porque, quando a comunhão é interrompida, o gozo do Senhor deixa de ser um gozo completo.

A alegria do Senhor é a nossa força. Se você puder valorizar o gozo que produz em você o ter comunhão com o Senhor, isso te ajudará a fugir das trevas.

Falando de confessar, João não diz que a confissão deve ser feita a um homem, um irmão ou um pastor; mas creio que terá que ser primeiro a Deus. E caso esse pecado persista, então temos que procurar os irmãos para pedir ajuda.

Quando um cristão recorre ao corpo e pede ajuda, então as trevas são quebradas e o crente experimenta liberdade. Porque, embora possa cair em pecado, não é para retroceder ao domínio das trevas, mas, imediatamente depois de ter caído, possa voltar a levantar-se, recorrendo aos meios da graça.

Fé em seu sangue

João acrescenta que “o sangue de Jesus Cristo seu Filho nos purifica de todo pecado” (1:7). E há outro meio da graça: Deus “é fiel e justo para perdoar os nossos pecados, e nos limpar de toda maldade” (1:9). E outro: “meus filhinhos... se alguém tiver pecado, temos um advogado para com o Pai, a Jesus Cristo o justo” (2:1).

Vocês podem imaginar a mediação de Jesus Cristo diante do Pai, como alguém que está suplicando misericórdia e piedade para estes pecadores que ofenderam a santidade de Deus? Você pode imaginar o Filho como advogado da sua causa? Se for assim, quero lembrar que é o Pai quem enviou o Filho para que nos socorresse dos nossos pecados.

Não nos enganemos com respeito ao conceito que temos de Deus, porque Deus é amor. Embora também seja fogo consumidor, a Deus basta ver o sangue de Cristo, basta-lhe ver a sua fé em Jesus Cristo, basta-lhe saber que você crê que o sangue e a mediação de Cristo operaram em seu favor, para te levantar da sua queda.

Propiciação

Também é mencionado outro meio da graça. “Ele (Jesus Cristo) é a propiciação por nossos pecados” (2:2). A propiciação é o ponto de encontro entre um Deus santo e glorioso, e um pecador. Deus desce e o pecador sobe.

Nesse ponto mediano, chamado propiciação, encontramo-nos com Deus. A glória de Deus não me consome, mas ele se compadece de mim, porque a mediação do sacrifício de Cristo opera em meu favor.

As provações

Além dos meios da graça que João menciona, há muitos mais. Tiago diz que as provações são um meio da graça, porque através da provação, Deus produz em nós a paciência.

A paciência é uma característica de Deus, e nós estamos sendo formados à imagem de Cristo. Se você não valorizar a paciência como um dos atributos de Deus, então nunca poderá se alegrar nos sofrimentos. Em vez disso, você se queixará, murmurará e protestará contra Deus: “por que Deus permite que aconteça isto comigo?”.

Diante deste problema, Tiago diz: “E se alguém de vós tem falta de sabedoria, peça-a a Deus, o qual dá a todos abundantemente e sem recriminação, e vos será dada. Mas peça com fé, não duvidando nada; porque o que dúvida é semelhante à onda do mar, que é arrastada pelo vento e lançada de uma parte para a outra” (Tg. 1:5-6). O que é isso? Instabilidade. “O homem de duplo ânimo é inconstante em todos os seus caminhos” (V. 8). A inconstância é contrária à permanência. O homem de duplo ânimo é o que dúvida.

Suportar, resistirTiago nos guia a encontrar a sorte do homem. “Bem-aventurado o varão que suporta a tentação; porque quando tiver resistido a

provação, receberá a coroa da vida, que Deus prometeu aos que o amam” (Tg. 1:12). Suportar é permanecer; resistir é permanecer. Resistir é um termo bélico. Estamos em uma guerra espiritual, através das provações. E as provações são outro meio da graça.

Tiago termina falando de “toda boa dádiva e todo dom perfeito” (V. 17), referindo-se implicitamente a que estas provações e estas tentações que nos cabe suportar e resistir, são um dom de Deus. Se não entendermos isto, não poderemos perceber por que somos bem-aventurados. Se não houvesse provações, de que luta estaríamos falando?

Quebrantamento

Deus provê estas circunstâncias para nos provar, para que a fé seja achada em louvor, para purificar-nos; porque ele conhece as nossas deficiências. E a única maneira em que ele pode avançar conosco, é através do quebrantamento, como diz Watchman Nee em seu livro A Liberação do Espírito.

Segundo o irmão Nee, o maior meio da graça é a revelação de Jesus Cristo, ou seja, a visão celestial. Devido a nossa natureza inconstante, Deus emprega o recurso do quebrantamento. Aquela figura do frasco de alabastro que guarda o perfume representa a alma, como uma prisão que prende o espírito. O espírito não será liberado a menos que o frasco se quebre.

Mundanidade

O pecado, em suas diversas formas, atenta contra a visão celestial, e por consequência à permanência na fé. Mas João continua no capítulo 2, mencionando a mundanidade como outro dos atentados contra a permanência.

“Não ameis o mundo, nem as coisas que estão no mundo... o mundo passa, e os seus desejos” (1 João 2:15, 17). O mundo é passageiro, contrário a permanecer. A alegria que a vida mundana produz é passageira; mas a alegria do Senhor permanece para sempre. O gozo para o que fomos chamados é um gozo crescente e eterno.

O mundo como sistema, com a sua política, com a sua economia, passa. “Não ameis o mundo, nem as coisas que estão no mundo”. E a essência da mundanidade é “os desejos da carne, os desejos dos olhos, e a soberba da vida” (V. 16).

Os desejos dos olhos têm a ver com a cobiça, com a arte e as coisas belas deste mundo; soberba da vida são os afãs cujo fim é “vaidade de vaidades”; e os desejos da carne são inimizade contra Deus, porque a carne nunca quer o que Deus quer. Portanto, todas estas coisas são passageiras. Esse é o mundo.

Confrontando o mundo

Os primeiros cristãos fugiam das cidades, pensando que assim escaparíam da mundanidade, e foram para os campos, ignorando que o mundo ia dentro deles. Como disse Jesus: “Não rogo que os tire do mundo, mas os guarde do mal” que há no mundo. Porque os cristãos, mesmo que nos separemos do mundo, temos um dever: confrontar o mundo com as suas trevas, e lhes falar do amor de Deus.

O mundo é um inimigo do qual fugimos para poder permanecer em Cristo; mas não fugimos para nos alienarmos do mundo, mas fugimos do mal que há nele, mas vamos para o mundo para procurar reconciliá-lo com Deus.

Os anticristos

João menciona outra casualidade de ruptura com a permanência na fé, e é tudo o que tem a ver com o espírito do anticristo: os anticristos e as doutrinas heréticas.

Tiago escreveu no ano 48. Nesse tempo, os judeus cristãos, que tinham vivido em Jerusalém, tinham sido espalhados. Mas quarenta anos mais tarde, quando João escreve, são acrescentadas outras causas para a desistência da fé: as heresias, os falsos mestres que enganavam os cristãos.

Há muitos elementos que atacam a nossa integridade, contra o testemunho da visão celestial, e procuram nos apartar e nos desestimular para não prosseguirmos. Desta maneira, temos lá fora uma tremenda quantidade de heresias e distorções com respeito à fé em Cristo.

A sã doutrina

Quão importante é ler a Bíblia, conhecer e valorizar a doutrina. Se não entendermos a palavra escrita, como receberemos a revelação dela? Devemos equilibrar as coisas. Nós amamos a Palavra e a sã doutrina. Se não crermos corretamente em Cristo, estamos perdidos, porque dele não se pode dizer qualquer coisa.

Ali estavam os anticristos ensinando, entre outras coisas, que Jesus era divino, mas não humano. Com muitos argumentos, tratavam de enganar os crentes, para desviá-los da fé correta. Todos os apóstolos se esforçaram na doutrina para ensinar. Todos os ensinos bíblicos têm uma grande quantidade de teologia. Por isso, João é conhecido como João o Teólogo. Não desprezemos a teologia, o estudo bíblico.

Equilíbrio

Entretanto, se ficarmos apenas com o estudo e o conhecimento da Escritura, e não seguimos mais adiante, para a revelação, à visão celestial, à experiência espiritual que nos conecta com a vida da Palavra, o mero conhecimento não serve para nada; serve porém quando chegamos a esta outra parte que é a espiritualidade. Os que têm apenas o conhecimento bíblico e desprezam a espiritualidade, carecem da metade do que realmente é necessário para viver uma vida cristã completa.

O pior anticristo

Os anticristos são muitos; falsos mestres e falsas doutrinas. Mas o mais grave de todos é o anticristo que levamos dentro do nosso próprio coração. Paulo diz: “Porquanto os desígnios da carne são inimizade contra Deus; porque não se sujeitam à lei de Deus, nem tampouco podem” (Rom. 8:7).

Portanto, a minha carne, que é a minha natureza humana, tem uma condição, uma marca: não se sujeita à lei de Deus, nem sequer pode. Minha carne é inimiga de Deus; é anti-Deus, é anti-Cristo, é anti-igreja, é anti-comunhão.

Conhecemos-nos a nós mesmos, e sabemos quem somos realmente. Se tivermos visão celestial, implicitamente teremos uma compreensão de quem nós somos, de quanta perversidade e corrupção há na natureza humana. Somente a visão celestial pode nos mostrar a nossa condição.

Enfrentando a inconsequência

Finalmente, João apresenta como causa de quebrar com a permanência, a tremenda contradição que há entre a fé e a prática, a inconsequência de um cristão que diz uma coisa e pratica outra.

João confronta este tipo de cristão, dizendo: “aquele que diz que permanece nele, deve andar como ele andou” (1 João 2:6). Porque não é só uma questão de dizer: “Creio em Cristo, estou em Cristo”, mas de qual é a experiência do nosso caminhar com ele.

Para estas causas de ruptura com a permanência na fé, Tiago acrescenta as provações, as tentações, a falta de controle da língua, o ciúmes, as lutas. Também Tiago, como João, indica vários meios da graça, um dos quais são as provações, que ele define como um dom de Deus para formar o caráter de Cristo em nós.

A importância de ouvir

Tiago acrescenta: “Recebei com mansidão a palavra implantada” (1:21). Isto ajuda que a fé e a prática se harmonizem. Ele diz que não sejamos ouvintes esquecidos. “Mas o que olha atentamente na lei perfeita, a da liberdade...” (1:25). Menciona de três maneiras a lei, mas não se refere à lei do Antigo Pacto, mas a Cristo.

A palavra implantada é Cristo. Deus, “de sua vontade, fez-nos nascer pela palavra de verdade” (1:18). A palavra da verdade é Cristo; a palavra implantada é Cristo. E agora nos pede que escutemos. Que importante é ouvir; isto nos ajudará a permanecer. Por isso, no Novo Testamento encontramos este conselho: “aquele que tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às Igrejas”.

Em seguida, Tiago insiste a purificar-se de toda contaminação. É como tirar cera dos ouvidos para poder ouvir. Falando espiritualmente, precisamos nos limpar, para podermos ouvir com mansidão. A mansidão é uma virtude de Cristo. “Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração” (Mat. 11:29).

Isaías 50:4 diz: “Jehová o Senhor me deu a língua de sábios, para saber falar palavras ao cansado; despertará manhã após manhã, despertará os meus ouvidos para que ouça como os sábios”. Tiago está considerando o que disse Isaías em relação à atitude de colocar o seu ouvido atento à voz do Senhor, à inspiração do Senhor.

Com mansidão

A mansidão é a atitude do boi. O evangelho de Marcos apresenta a Cristo como o boi que trabalha, mas que não reage contra o que o apressa. Às vezes somos surdos ao conselho do Senhor através dos irmãos. Você está disposto a ouvir o conselho do Senhor? Porque nisto somos provados.

Em seguida Tiago acrescenta: “Mas o que olha atentamente na lei perfeita, a da liberdade, e nela persevera, não sendo ouvinte esquecido” (1:25), comparando a um homem que se olha no espelho, e em seguida se vai e se esquece como era. “Mas o que olha”, onde? Para um espelho que se chama “a perfeita lei”. “...o que olha atentamente na lei perfeita, a da liberdade, e nela persevera...”. Outra vez a ideia de “permanecer”. “...não sendo ouvinte esquecido, mas executor da obra, este será feliz no que faz” (V. 25). Tiago nos ensina para ouvir e fazer.

Entre os quase setecentos títulos que Cristo tem na Bíblia, Cristo aqui é mencionado como “a lei perfeita”, como “a lei da liberdade” e como “a lei real”. Ele não está falando da lei do Antigo Testamento, mas de Cristo. Primeiro, porque essa lei do Antigo Testamento, embora fosse perfeita, tinha que ser aperfeiçoada, no sentido do que Jesus disse: “Ouviram que foi dito... mas eu vos digo...”. Mas, além disso, porque nunca alguém tinha cumprido essa lei, embora fosse santa, justa, perfeita e boa. O único que pôde cumpri-la é o Senhor Jesus Cristo.

Lei implantada

Esta é a lei perfeita, porque não está fora, mas dentro de nós. Deus cumpriu a sua promessa: “Porei a minha lei em sua mente, e a escreverei em seu coração” (Jer. 31:33). De tal maneira que a palavra implantada é algo orgânico. Já não é a letra da lei do Antigo Testamento. Agora é a lei que é o caráter de Deus encarnado em Jesus Cristo. Jesus Cristo é a encarnação do caráter de Deus, a encarnação da lei.

Jesus Cristo é Deus manifestado em carne e, portanto, aquele que tem a Cristo, tem a palavra implantada, tem dentro de si a lei perfeita, e essa lei o faz livre. O que não podíamos antes pela carne, porque a carne não se sujeita à lei de Deus nem sequer pode, mas agora a lei colocada dentro de nós, pode nos libertar da nossa incapacidade e insolvência moral, e esta lei, que é Cristo em nós, capacita-nos para agradar a Deus.

E é a lei real, a lei verdadeira. A outra lei estava fora de nós; mas esta é real aqui dentro. E além disso, porque quem deu foi o Rei. Por isso, Tiago não está falando da lei do Antigo Testamento, mas sim de Cristo.

Os exames de João

João nos apresenta alguns meios da graça, e nos confronta através de vários exames. O cristão deve examinar-se a si mesmo. As afirmações que João faz confrontam o cristão com a sua condição: “aquele que diz que permanece nele, deve andar como ele andou... Aquele que guarda os seus mandamentos, permanece em Deus, e Deus nele... Todo aquele que crê que Jesus é o Cristo, é nascido de Deus”. Ou seja, se alguém não for capaz de confessar que Jesus é o Cristo, terei que duvidar se é nascido de Deus.

“Nisto...”

“Aquele que ama...”. Quando João nos confronta com o amor, como sabemos que passamos da morte para a vida? Como comprovamos? Se amamos os irmãos. Assim, João apresenta uma série de perguntas. E nove vezes destaca a expressão: “Nisto sabemos... nisto conhecemos”. Nós cristãos, somos pessoas que nos distinguimos, não por ignorar, mas por saber.

Mas este não é um saber meramente intelectual, mas também nos leva a experimentar, a viver. Por isso, os escritos de João e de Tiago nos confrontam com o fato de que a fé e a prática, o ouvir e o fazer, devem andar juntos.

Tiago e João empenham-se apresentando as razões pelas quais temos que lançar mão destes recursos, o porquê temos que permanecer, o porquê temos que resistir, o porquê temos que suportar, o porquê temos que nos alegrar com os sofrimentos.

Permanecei

“Filhinhos, permanecei nele, para que quando se manifestar, tenhamos confiança, para que em sua vinda não nos afastemos dele envergonhados” (1 João 2:28). Então valorizaremos o significado de termos sido fiéis, valorizaremos o termos permanecido, o termos sido constantes, o termos lançado mão à vida, o termos dada graças a Deus pelas provações, o termos louvado no meio das circunstâncias difíceis.

Que valor tem tudo isto? Que quando o Senhor vier, eu não me encontre com um juiz implacável, com alguém que me atemorizará; mas me encontre com o meu amado Senhor Jesus Cristo, com aquele que tive comunhão todos os dias da minha vida, com aquele que conheceu as minhas fraquezas e viu os meus sofrimentos, com aquele que me viu caminhar com ele e que me estendeu a mão tantas vezes, quando caí, e me tornou a levantar uma e outra vez.

Os sofrimentos

Quero abraçar o Senhor. Não quero fugir envergonhado. Quero olhar para ele face a face, e viver eternamente com ele. Este é o valor de ter permanecido. Tiago nos consola dizendo: “Eis aqui, temos por bem-aventurados aos que sofrem” (5:11). E ao dizer “temos”, está falando da parte de todos os crentes.

Nós poderíamos também dizer com certeza que temos por bem-aventurados aos que sofrem? Ou você está confundido com respeito a isto? Os sofrimentos não são em vão. Se vier a provação de Deus suportemos, e se vier a tentação do diabo a resistiremos, em ambos os casos, no final, receberemos a coroa de vida que Deus preparou para aqueles que o amam.

Há coroas, há recompensas. Assim ocorreu com Jó: “Eis aqui, temos por bem-aventurados os que sofrem. Ouvistes sobre a paciência de Jó, e viram o fim do Senhor” (5:11). Qual foi o fim do Senhor com Jó? Jó não lhe conhecia. “Com os ouvidos eu ouvira falar de ti, mas agora os meus olhos te veem” (Jó 42:5). Depois da provação, poderás dizer: “Agora te vejo, agora compreendo”.

“E se algum de vós tem falta de sabedoria, peça-a a Deus” (Tg. 1:5). Por que está acontecendo isto comigo? Qual é o propósito de tudo isto? Quando entendo que o fim é que Cristo seja formado em mim, acabam-se as queixas e as perguntas. Agora entendo, agora vejo. Isso é visão celestial. Aleluia!

Síntese de uma mensagem oral ministrada no Rucacura (Chile), em janeiro de 2016.

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