Servindo em espírito

Sujeitando a natureza humana debaixo do governo do Espírito Santo.

Rodrigo Abarca

Porque nós somos a circuncisão, os que em espírito servimos a Deus e nos gloriamos em Cristo Jesus, não tendo confiança na carne" (Flp. 3:3).

Uma das grandes virtudes do apóstolo Paulo é que, em algumas passagens, ele consegue resumir grande parte da vida cristã em um pequeno versículo. Aqui, falando do serviço na obra de Deus, vemos um que contém muita verdade resumida.

A vida cristã é uma vida de união com Cristo, em todos os aspectos de nossa natureza humana: espírito, alma e corpo. A obra de Deus em nós tem uma ordem, que vai de dentro para fora, partindo do espírito. É tão profunda essa união, que não é possível separá-los. Na obra que o Senhor faz em nossos corações, às vezes é impossível distinguir o Espírito Santo do espírito humano.

Espírito e "espírito"

«...os que em espírito servimos». Podemos pensar que se refere ao espírito humano. Está correto, porque a energia para o serviço tem que brotar do nosso espírito. O espírito deve ser aquele que governa. Mas isto ocorre porque o espírito humano é o lugar de habitação do Espírito de Deus. Portanto, aqui está logicamente implicado que o espírito humano está unido ao Espírito Santo.

O Senhor Jesus disse: «Aquele que crê em mim, como diz as Escrituras, do seu interior correrão rios de águas vivas» (João 7:38). Do seu interior, do mais profundo, do espírito humano. Mas o que são esses rios? Diz o mesmo escritor: «Isto disse do Espírito Santo que haveria de receber os que cressem nele» (v. 39). Do interior do homem regenerado pelo Espírito, fluem rios de águas vivas, para inundar todo o nosso ser, e não só isso, mas para alcançar e tocar a outros.

O espírito humano é o ponto de partida da obra de Deus, cujo propósito é formar a Cristo em nós. Isto começa mediante a união do nosso espírito com o Espírito Santo, e continua para o resto do nosso ser. Não é apenas uma vida de união com Cristo no espírito, mas também na alma.

Como a alma pode viver uma vida de união com Cristo? A nossa mente tem que ser conformada à mente de Cristo, de maneira que a vida de Cristo também se converta na vida da nossa alma.

Alma e corpo

E não só isso; também o nosso corpo tem que se tornar a habitação, o veículo, da poderosa vida de Cristo. Paulo diz que até o nosso corpo físico, por causa dessa união, é membro de Cristo, e como tal, tem que experimentar também essa vida de união com Cristo.

«Todo o seu ser, espírito, alma e corpo, seja guardado irrepreensível para a vinda do Senhor Jesus Cristo» (I Tes. 5:23). Cristo é a vida do nosso espírito, mas também se tornará a vida da nossa alma e até dos nossos corpos. «E se o Espírito daquele que levantou dos mortos a Jesus habita em vós, aquele que levantou dos mortos a Cristo Jesus vivificará também os vossos corpos mortais por seu Espírito que em vós habita» (Rom. 8:11).

Problema de origem

«Porque nós somos a circuncisão» (Flp. 3:3). Paulo se refere aos judaizantes, que tentavam reintroduzir o judaísmo nas igrejas, confundindo os irmãos. Eles queriam impor a circuncisão a todos, invalidando a obra de Cristo e do Espírito Santo, fazendo que os santos voltassem para trás.

Paulo discerne mais profundamente o assunto. Não era só retornar à Lei; pior ainda, era voltar para a escravidão da carne. Por isso, ele diz: «Nós somos a circuncisão, os que servimos a Deus em espírito», ou seja, a origem do nosso serviço não está na capacidade natural, mas no Espírito de Deus.
«...e nos gloriamos em Cristo Jesus», quer dizer, nós não somos a fonte da nossa obra; porque aquele poder e a graça estão no Espírito, e portanto, em Cristo. Ele é a fonte do nosso serviço.

Âmbitos excludentes

«...não tendo confiança na carne». Para servir em espírito, que é o lado positivo, há um lado negativo: ter confiança na carne. Estas duas coisas não podem caminhar juntas; se uma estiver presente, a outra não está. É impossível confiar na carne e, do mesmo modo, servir a Deus em espírito. Mas, se servirmos em espírito, então não confiaremos na carne. Vejamos um pouco mais este aspecto da vida cristã.

«Andai no Espírito, e não satisfaçais os desejos da carne» (Gál. 5:16). Aqui há uma pequena dificuldade, porque a versão Reina-Valera não dá o significado exato. Esta diz que, por um lado, esforcemo-nos por andar no Espírito; mas que, por outro lado, procuremos não satisfazer os desejos da carne. Deste modo, teríamos uma dupla tarefa.

Uma tradução melhor é: «Andai no Espírito, e não satisfareis os desejos da carne». Quer dizer, se você se ocupar de andar no Espírito, ele mesmo se ocupará da carne. Não trate de mortificar a sua carne, porque ninguém tem poder para tratar com ela. Se alguém tentar em sua própria força, apenas conseguirá fortalecer a carne.

Mas, se nos ocuparmos do espírito, ele mesmo tratará com a carne. «Porque o desejo da carne é contra o Espírito, e o Espírito é contra a carne; e estes se opõem entre si, para que não façais o que quereis» (V. 17). É uma oposição enfática; não há reconciliação possível entre ambos.

Quando a carne está governando a vida, necessariamente, o Espírito está fora. A unção do Espírito nunca desce sobre a carne; ele nunca atua em união com a carne. Por outro lado, se o Espírito estiver no trono da nossa vida, governando-a, a carne estará excluída. Por isso, o grande segredo que Paulo mostra aos gálatas é: «Andeis no Espírito». E o que ocorre se eles andarem no Espírito? «Não satisfareis os desejos da carne». A carne não terá poder sobre as suas vidas.

A sutileza da "carne"

Agora, o que é a carne? Recordem que aqueles discípulos eram tentados pelos judaizantes para retornar às normas da Lei. A Lei é santa, justa e boa, porque é a expressão do caráter de Deus. O problema não está na Lei, mas em nós. A Lei, diz Paulo, é fraca por causa da carne; não tem poder para nos mudar. A carne impede a obra da Lei em nossa vida e, pior ainda, ela é tão enganosa, que pode usar a Lei para fortalecer-se a si mesmo.

A Escritura chama «a carne» o velho homem, a concupiscência, a natureza pecaminosa. O apóstolo, às vezes, usa expressões que não define, e, além disso, não as usa sempre com o mesmo significado. Às vezes usa «carne», literalmente, como sinônimo do corpo físico. Mas aqui a está usando metaforicamente.

Agora, neste caso, com significado negativo, a carne é a natureza humana debaixo do poder do pecado. A natureza humana, em si mesmo, não é má. Por isso, às vezes, a carne é usada no sentido positivo, quando é tomada do ponto de vista da criação de Deus, porque ela foi criada por ele, e tudo o que Deus faz é bom. A mente humana, em si mesmo, como criação de Deus, não é má. A vontade, os sentimentos, o corpo humano, em si, não têm nada de mau; são projetos de Deus.

Natureza sem governo

Separado de Deus, separado dessa vida de dependência, de obediência e de união com Deus, a vida do homem se converteu em um jardim abandonado. Isso é a carne: a natureza humana sem o governo do Espírito. Sem este governo, a natureza humana cresce de maneira desordenada, sem controle nem propósito.

No projeto original, Deus fez o homem com espírito, alma e corpo. O espírito é o órgão de união, que nos fala do propósito divino para que o homem pudesse viver uma vida de união com Deus. Sem essa união, a natureza humana se converte em carne.

O homem foi criado para depender do Espírito, para que a sua vida viesse do Espírito Santo. Quando isso não ocorre, o homem já não tem uma fonte de poder, de conhecimento, nem de entendimento em Deus. E se Deus já não é mais essa fonte, o que fica ao ser humano? Apenas sua natureza humana caída.

Então, a obra de restauração de Deus tem a ver, essencialmente, que sejamos tirados dessa vida de confiança, de dependência da carne, e trazidos para uma vida de dependência do Espírito. Isso é o que Deus quer fazer em nós.

Plano original

Recordemos que em Gênesis 2, no centro do jardim, Deus plantou a árvore da vida, figura de Cristo, que representava o princípio pelo qual o homem deveria viver. Mas nós crescemos debaixo do governo do pecado, e aprendemos desde o começo a confiar em nossa carne. De maneira que a obra de Deus no coração humano, no momento em que nascemos de novo, consiste em nos trazer para esse lugar onde o Espírito é o centro que sustenta a nossa vida. Isso é aprender a andar no Espírito.

Quando isso ocorre, a natureza humana é trazida ao lugar onde sempre deveria estar: debaixo do governo do Espírito. Este é um processo doloroso, mas necessário, uma obra que Deus faz por seu Espírito Santo.

Nosso consentimento

O Espírito trabalha em nós e conosco; mas nunca sem nós. Ele só opera com o nosso consentimento. Ele não invade a nossa vida; ele conquista por amor. Precisamos conhecer o Espírito Santo. Uma das tragédias da igreja é o desconhecimento dele. Para muitos, é uma força. Mas o Espírito é imensamente mais que uma influência ou um poder: ele é Deus, a terceira pessoa bendita e gloriosa da Trindade. É o Espírito de Deus, idêntico em todos os seus atributos ao Pai e ao Filho.

Doutrina versus realidade

Sabemos, doutrinariamente, que a vida espiritual não é possível sem o Espírito. Não obstante, na prática, você pode viver sem o Espírito, quando o faz confiando em sua carne. Mais que um entendimento teológico, necessitamos um entendimento espiritual e uma experiência real em nossas vidas. Sem o Espírito Santo, não é possível viver unidos a Cristo. Em Romanos capítulos 5 e 6, temos aquele fundamento de uma vida de união com Cristo: a obra objetiva do Senhor na cruz.

Todos nós, tendo sido salvos e justificados, estamos de fato, unidos a Cristo. Incluídos nele, morremos e ressuscitamos, e estamos assentados nos lugares celestiais. E essa verdade de nossa união com Cristo é o que Paulo assinala com a expressão «em Cristo». «Em Cristo», significa unidos a Cristo. É uma união vasta e inclusiva, espiritual, completa, com Cristo, forjada por Deus através da obra de Cristo.

Isso temos que assumi-la com fé, fixando a mente nessa verdade, e persistindo ali, contra tudo o que  experimentarmos em nossa vida. Mas, até com tudo isso, quando todas estas verdades são afirmadas, temos agora Romanos 7, onde tudo parece não funcionar. «Miserável de mim! Quem me livrará deste corpo de morte?» (Rom. 7:24). O que aconteceu? Por que todas essas riquezas de Cristo não estão fluindo em minha vida? Por que Cristo não está enchendo minha vida?

Há uma chave essencial para a posse efetiva da vida e das riquezas insondáveis de Cristo, e essa chave é o Espírito Santo. Sem ele, é impossível experimentar a Cristo de maneira real. Isto tem que se tornar uma verdade aprendida, por assim dizer, a sangue e fogo. É como quando você aprende por experiência.

Aprender como crianças

Se você disser a uma criança pequena: «Não aproxime as mãos do fogo, porque vai se queimar», o que ele faz?  Vai e coloca a mão, porque não basta saber mentalmente. Mas, quando põe a mão no fogo, aprende para sempre. Não necessita mais de ter lições; nunca mais fará aquilo.

Assim tem que ser com respeito às verdades fundamentais da vida cristã. Temos que ser como crianças. Não há outra forma de aprender nossa necessidade radical do Espírito Santo, senão por esta maneira dolorosa. Então, Deus faz o que fez com Paulo, quando o deixou batalhar com os recursos da carne.

Paulo era um homem capaz, decidido, um homem extraordinário. Então, o tratamento de Deus com ele teve que ser radical. Enquanto tivesse esperança em sua carne, nunca aprenderia a andar no Espírito. Deus permitiu que fracassasse uma e outra vez, até que chegou a um ponto de desespero. Ali, entendeu finalmente que não havia esperança alguma em sua carne. «Miserável de mim!».

Essa carne "boa"

Não falamos aqui da carne pecaminosa, mas sim dessa carne ‘boa’, as coisas ‘boas’ que você tem. Não és por acaso uma pessoa inteligente, com habilidades, uma pessoa de caráter? Isso é a carne. É tudo isso que você crê que é tão bom, e que traz para o altar de Deus e o põe ali, dizendo: «Senhor, usa-me».

Você crê que faz falta para o Senhor tudo aquilo? Sem notares, estás lhe dizendo que use a sua carne. Mas a carne não tem nenhuma utilidade para Deus. Isso, Deus sabe; o problema é que você e eu não sabemos. Somos como crianças. Se Deus nos disser: «A sua carne não serve; é perigosa», o que respondemos? «Não, não acredito. Vou usá-la da mesma forma». Mas, quando te esgotares, então começarás a aprender.

Hábitos arraigados

Paulo foi aprendendo esta verdade, até que chegou o dia em que foi advertido que lhe faltava a capacidade que vem do Espírito. Se não for pelo Espírito, tudo o que está em Cristo é para nós um conceito ideal, e nunca chega a ser real em nossas vidas, a menos que abandonemos a confiança na carne.

Até que ponto dependemos da carne, não podemos saber, a menos que Deus trate conosco. Depender do que veem os seus olhos e ouvem os seus ouvidos, depender da sabedoria que aprendes através do seu corpo, dos seus sentidos, isso é depender da carne. Todos somos assim, desde crianças.

Nunca soube nada do Espírito Santo nem da vida que vem de Cristo. Como poderia aprender a viver por ela? Em sua vida, criaram-se hábitos, costumes automatizados. Mas, sabe o que é o caráter? A soma dos nossos hábitos, a soma de todas as nossas condutas habituais. Por isso é tão difícil tratar o caráter, porque os hábitos estão arraigados na carne. E como você não pode tratar com a carne, não tem como modificar o seu caráter.

O caráter não pode ser modificado. Por isso Paulo diz: «Mas vejo outra lei em meus membros» (Rom. 7:23). Há hábitos implacáveis em meu corpo. O pecado é automático. «Assim, querendo eu fazer o bem, acho esta lei: que o mal está em mim» (7:21). E não posso lutar contra isso, porque, quanto mais luto, mais fortaleço a carne.

A cruz: o único remédio

A carne é intratável para nós. Em termos práticos, só há um que pode tratar com ela. «Os que são de Cristo crucificaram a carne» (Gál. 5:24). De maneira objetiva, Deus já tratou com ela. A carne foi crucificada com Cristo; mas o único que pode tornar real isto em nossa experiência é o Espírito Santo. Precisamos aprender a viver debaixo da sua unção.

O caminho de Paulo chegou ao fim quando descobriu a maldade radical de sua carne. Ao chegar a esse ponto, começou a conhecer que há outra fonte de poder, diferente dele mesmo – o Espírito Santo, por quem tudo o que é de Cristo torna-se real na vida de Paulo, e em nossas vidas.

Não podemos viver uma vida cristã real se apenas conhecermos a obra de Cristo nos capítulos 3 a 6 de Romanos, e até se virmos nosso fracasso no capítulo 7. A vida cristã plena só chega no capítulo 8, com a obra do Espírito Santo.

A vida do Senhor Jesus

Nenhum de nós viveu de outra maneira, exceto o Senhor Jesus Cristo. Ele é o começo de uma nova história, uma nova raça. Deus recomeçou tudo, agora com um novo Adão: Cristo. Tudo o que se perdeu em Adão, foi recuperado em Cristo. E não só foi recuperado o que se perdeu em Adão, mas muito mais; aquilo que Paulo chama «o mistério escondido desde os séculos em Deus» (Ef. 3:9). Tudo isso foi incluído em Cristo. Este é o homem que Deus queria no princípio.

«E aquele Verbo foi feito carne» (João 1:14). Ele assumiu a natureza humana, despojando-se dessa vida que ele vivia na glória com o Pai. Não se despojou dos seus atributos divinos, porque se o fizesse, deixaria de ser Deus. O que ele fez foi ocultar os seus atributos divinos, limitando-se a si mesmo voluntariamente, para viver uma vida completamente humana.

O Verbo assumiu a natureza humana, em espírito, alma e corpo. Toda a raça humana caiu em Adão, mas Deus, dessa mesma raça, de Maria, tomou a natureza humana. Deus não criou outra humanidade, mas tomou a natureza humana antiga, libertou-a do poder do pecado, e deu essa natureza ao seu Verbo. Cristo tinha uma humanidade completa, como a nossa, mas sem pecado. Desde que ele foi gerado, sua natureza humana esteve unida a Deus, em espírito.

Pela primeira vez, vemos o homem segundo o pensamento de Deus, feito a imagem e semelhança de Deus: o Senhor Jesus Cristo. E nele, desde o começo, a natureza humana cresceu e se desenvolveu debaixo do governo, poder e a graça do Espírito Santo.

«Sairá uma vara do tronco de Jessé, e um renovo brotará de suas raízes. E repousará sobre ele o Espírito do Senhor; espírito de sabedoria e de inteligência, espírito de conselho e de poder, espírito de conhecimento e de temor do Senhor.» (Isa. 11:1-2). Desde o momento em que Jesus foi gerado, o Espírito Santo esteve sobre ele. Enquanto ele crescia no ventre de sua mãe, tudo estava sob o controle do Espírito. Sua natureza humana se desenvolveu sob a unção do Espírito.

Dependendo do Espírito

Quantas coisas nós sabemos, que não aprendemos do Espírito Santo? Não poderás entender a palavra de Deus, a menos que o Espírito te ensine. Aprendemos a depender do Espírito para ler a palavra de Deus? Ou ainda o fazemos em nossa habilidade mental?

Jesus, sendo o mais sábio de todos os homens, dependia do Espírito para conhecer a Deus e sua Palavra. Porque ele sabia que os recursos da carne são limitados, e os recursos do Espírito são infinitos.

Dependeremos da carne ou do Espírito? Assim como a carne cria hábitos, quando se aprende a depender do Espírito, ele cria hábitos; e depois, confiar no Espírito, será algo automático. A sua vontade se habituará a depender dele.

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