ÁGUAS VIVAS
Para a proclamação do Evangelho e a edificação do Corpo de Cristo
O maior é o que serve
Com a palavra e o exemplo, o Senhor Jesus conseguiu transformar os «filhos do trovão» em vasos frutíferos.
Gonzalo Sepúlveda
Leitura: Mar. 1:16-20.
Nesta cena, procurando a quem seria seus discípulos, o Senhor não foi aos círculos sociais mais refinados do seu tempo, mas a estes homens rudes, «iletrados e vulgares». A chamada teve um propósito: «Vinde após mim, e vos farei pescadores de homens». Palavras misteriosas para eles, acostumados ao duro trabalho de pescadores.
«Depois subiu ao monte, e chamou para si aos que ele quis; e vieram a ele. E estabeleceu a doze, para que estivessem com ele, e para enviá-los a pregar» (Mar. 3:13). Em seguida, ele trocou o nome de alguns deles: «...a Simão, a quem pôs por sobrenome Pedro; a Tiago filho do Zebedeu, e a João irmão de Tiago, a quem apelidou de Boanerges, isto é, Filhos do trovão». Ele sabia que estes homens, simples na aparência, não eram mansos, mas temíveis.
Os filhos do trovão
«Então Tiago e João, filhos de Zebedeu, se aproximaram dele, dizendo: Mestre queríamos que nos fizessem o que te pediremos. Ele lhes disse: O que querem que vos faça? Eles lhe disseram: nos conceda que em sua glória nos assentemos um a sua direita, e o outro a sua esquerda» (Mar. 10:35-37).
O Senhor se aproximava de Jerusalém e, tendo sido testemunhas dos milagres, e de como o Senhor tinha mostrado o seu poder, eles pensaram que algo grande podia acontecer nessa cidade. Mateus registra que falaram com sua mãe para que intercedesse por eles. Eram ambiciosos e ardilosos, procurando a forma de assegurar um posto. Mas, mesmo assim, o Mestre não se equivocou ao chamá-los.
Antes disto, Lucas 9:51-54 registra outro gesto deles: «Quando se cumpriu o tempo em que ele tinha que ser recebido acima, firmou seu rosto para ir para Jerusalém. E enviou mensageiros adiante dele, os quais foram e entraram em uma aldeia dos samaritanos para lhe fazer preparativos. Mas não o receberam, porque o seu aspecto era como de ir para Jerusalém. Vendo isto, os seus discípulos Tiago e João disseram: Senhor, quer que mandemos que desça fogo do céu, como fez Elias, e os consuma?».
Tal era o caráter destes homens. Eram duros, violentos, vingativos. Se fosse deixado em suas mãos tomar uma decisão assim, ai dos samaritanos! O Senhor não escolheu os melhores, mas os piores.
Vós não sabeis
«Então tornando-se ele, repreendeu-os, dizendo: Vós não sabeis de que espírito sois; porque o Filho do Homem não veio para destruir as almas dos homens, mas para as salvar. E se foram para outra aldeia» (Luc. 9:55-56). O Senhor não veio para condenar, mas para salvar. Tinha que salvar inclusive a eles próprios. «Vós não sabeis de que espírito sois». Na realidade, esse era o espírito do inimigo, não o espírito do Senhor.
Voltemos para a cena de Marcos 10. «Jesus lhes disse: Não sabeis o que pedis. Podem beber do cálice que eu bebo, ou ser batizados com o batismo com que eu sou batizado? Eles disseram: Podemos. Jesus lhes disse: Na verdade, do cálice que eu bebo, beberão, e com o batismo com que eu sou batizado, serão batizados; mas o vos assentar a minha direita e a minha esquerda, não é meu dado concedê-lo, mas a aqueles para quem está preparado» (Mr. 10:38-40).
Quando o Senhor falava desse batismo em que ele ia ser batizado, referia-se a Sua morte. Eles também teriam que passar por um processo de morte, mas ainda eram incapazes de compreendê-lo.
Provocando divisão
Versículo 41: «Quando o ouviram os dez, começaram a indignar-se contra Tiago e contra João». Como resultado de sua desmedida ambição, provocar divisão entre os irmãos não era um cálculo que cabia em suas mentes. Aprender a trabalhar em equipe seria para eles um doloroso processo. No entanto, ainda assim, o Senhor tinha orado ao Pai, fixando a sua atenção nestes homens disformes e, longe de fracassar, ele conseguiu neles um fruto maravilhoso.
Aqui mesmo parte a lição. «Mas Jesus, chamando-os, disse-lhes: Sabeis que os que são tidos por governantes das nações se assenhoreiam delas, e seus grandes exercem sobre elas poder. Mas não será assim entre vós...» (V. 42-43). Há um abismo de distância entre os senhores do mundo, e os que hão de participar do reino de Deus.
Servo de todos
«...não será assim entre vós, mas o que quiser se fazer grande entre vós será seu servidor». Lemos: «...que queira se fazer grande». Não os está restringindo, não está destruindo o seu sonho de serem grandes. Isto é algo inerente ao ser humano, e o Senhor não anula esse desejo de progresso.
Todos lutamos por algo na vida, por nossa própria superação. Há algo legítimo nisso, mas o Senhor muda o foco deles, transtornando totalmente os valores. «...aquele que quiser se fazer grande entre vós será seu servidor». Pode ser grande, mas isso não será dominando, não será com opressão, mas sendo um servidor.
«...aquele que de vós quiser ser o primeiro, será servo de todos» (V. 44). Há opção de ser grandes no reino de Deus, e até de ser os primeiros. Mas o caminho é ser «servo de todos».
«Porque o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir, e para dar a sua vida em resgate por muitos» (V. 45). Diante de uma palavra assim, havia só duas opções. Tiago e João poderiam ter retornado às suas redes. Seguir o seu Mestre, nesse ponto, deve ter-lhes parecido um desafio impossível. Como abandonar esse caráter de trovão para assumir uma humildade semelhante?
Graças ao relato do Novo Testamento, temos o panorama completo. Pedro, João e Tiago se tornaram os discípulos mais íntimos do Senhor. Foram eficazes pescadores de homens. Seu caráter foi moldado a imagem do Mestre. E finalmente, em Apocalipse 21, na nova Jerusalém, lemos: «o muro da cidade tinha doze alicerces, e sobre eles os doze nomes dos apóstolos do Cordeiro» (Ap. 21:14). Que poderoso Mestre! Como obteve que homens tão vis chegassem a ser dignos de ocupar um lugar de tanta honra junto a ele!
E nós?
Nós não somos diferentes de Pedro, de João e de Tiago. Temos muitos dos seus traços, embora estejam muito ocultos. Nós não amamos naturalmente. Requer-se um milagre, uma mudança profunda. Nenhum mestre nos teria escolhido para sermos seus discípulos, e apesar disso, o Senhor fixou os seus olhos em nós.
Eles estiveram com o Senhor. A transformação não lhes veio por esforço próprio. Não. Foi a obra do Mestre, seu poder e suas palavras que se fizeram vida.
Há um atrativo na pessoa de Jesus. Quem começa a seguir-lhe não podem retroceder. Embora nos aperte firme, sabemos que devemos estar com ele. Sua repreensão sempre vem carregada de amor. Embora passemos por provas difíceis e nos desmorone o mundo, somos conscientes que não podemos nos apartar do Mestre. E assim, estes homens lhe seguiram, ainda sem saber o que lhes esperava.
«Como tinha amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim». Mesmo que fossem violentos, isso não foi impedimento para que ele os amasse, e eles perceberam esse amor.
Exemplo vivo
O Senhor sabia que tinha chegado a sua hora. «...sabendo Jesus que o Pai lhe tinha dado todas as coisas nas suas mãos...» (Jo. 13:3). Eis aqui a glória do Senhor. Todas as coisas lhe tinham sido dadas pelo Pai. Ele é dono e Senhor de tudo o que foi criado. Todo poder lhe foi dado no céu e na terra, e diante dele todo joelho se dobrará e toda língua o confessará. Que grandeza incompreensível para a nossa mente limitada!
«...tinha saído de Deus, e para Deus ia». Que conexão entre o céu e a terra, que perfeição, neste Homem que estava ali com eles! De alguma forma, a essa altura, os discípulos tinham visto algo da grandeza do Senhor. Assim também, em nós, o conhecimento do Senhor foi aumentando, e hoje o vemos mais glorioso. Estes Boanerges estavam sendo mudados; agora tinham um olhar diferente.
Sabendo o Senhor estas coisas, «levantou-se da ceia, e tirou o seu manto, e tomando uma toalha, cingiu-se. Em seguida pôs água em uma bacia, e começou a lavar os pés dos discípulos, e a enxugá-los com a toalha com que estava cingido» (13:4-5). Os discípulos emudecem diante dessa cena. A sujeira dos pés poeirentos ia caindo com a água, e também a altivez dos seus corações estava sendo derrubada.
Sendo dono de tudo, ele se humilha, e toma a posição de um escravo. Nessa hora, os discípulos, com toda a sua indignidade, estavam sendo tratados como reis, um privilégio que não tiveram outros homens. Seus traços violentos foram derrubados por seu Mestre, que os ganhou por amor.
Sem que o mereçamos, ele se preocupa de nos lavar, e de nos consolar a seguir. Muitas vezes, o Senhor nos lavou os pés, seja por uma oração respondida, pela visita ou abraço de um irmão, ou quando uma Palavra, pelo Espírito Santo, veio comover os nossos corações.
Agora entendemos a Pedro quando diz: «Senhor, tu me lavas os pés?». Toda a sua experiência vem à sua memória: ele tinha confessado o Messias revelado, tinha sido testemunha de sua glória e ouvido ao Pai a respeito Dele no monte da transfiguração. E agora, como servo, Jesus se humilha. Pedro não compreendeu o seu Mestre. Esta atitude superou os limites do homem: E se negou a princípio. Podemos imaginar por um instante o seu quebrantamento interior?
«Assim, depois que lhes ter lavado os pés, tomou o seu manto, voltou para a mesa, e lhes disse: Sabeis o que vos tenho feito? Vós me chamais Mestre, e Senhor; e dizeis bem, porque o sou. Pois se eu, o Senhor e o Mestre, lavei os vossos pés, vós também deveis lavar os pés uns dos outros» (14-15). Não temamos tomar o último lugar, e prestar um serviço, por pequeno que pareça, porque para isso o Mestre nos chamou.
A água que lavou os seus pés, lavou também a soberba das suas almas. A limpeza interior superou a exterior. Assim nos trata o Mestre, com tanta doçura, que não podemos resistir. Este Mestre é digno de ser seguido.
Lição suprema
Evangelho de João, capítulo 19. «Estavam junto à cruz de Jesus sua mãe, e a irmã de sua mãe, Maria mulher de Clopas, e Maria Madalena» (19:25). Que momento este! O Senhor está na cruz. Quão terrível é o seu sofrimento físico; transpassado pelos pregos, a sua cabeça coroada de espinhos, o seu sangue se derramando. Açoitado e torturado, ele tinha carregado a sua cruz nesse longo caminho para o Gólgota.
«Quando Jesus viu a sua mãe, e ao discípulo a quem ele amava, que estava presente...». João estava presente ali. O que fazia ali aquele Boanerges vingativo que pretendia fazer descer fogo sobre os samaritanos; daquele que sonhava com os privilégios do poder? A sua ambição humana estava destruída. Seu Mestre amado não só tinha anunciado que ia morrer; agora estava morrendo por eles, pelos filhos do trovão, e por estes homens disformes como somos todos nós.
«Jesus ... disse a sua mãe...». Como pôde falar estando crucificado? Ele não pediu nada para si mesmo. Estando na condição mais extrema, preocupou-se com sua mãe. Tal é nosso Mestre, nosso modelo. Que o Senhor derrube nossas reclamações. «Mulher, eis aí teu filho. Depois disse ao discípulo: Eis aí tua mãe» (26-27). João tinha opção de negar-se diante desse olhar e essa voz da cruz? Os outros tinham fugido; mas João estava muito próximo, ouvindo cada palavra daquele bendito moribundo. «Eis aí tua mãe. E desde aquela hora o discípulo a recebeu em sua casa».
Seguir o Mestre significou a estes homens ir morrendo pouco a pouco. A sua personalidade violenta, o seu caráter temível, foi feito em pedacinhos. Ver o Mestre e ouvir as suas palavras, transformou as suas vidas; seguir-lhe, produziu um efeito demolidor em seus corações e, muito em breve, o fruto apareceria.
O fruto, outro «trovão»
Passada a crise, com o Espírito Santo enchendo o seu coração, João pôde descrever realmente quem era Aquele que olhou nos seus olhos e com voz tremente lhe falou da máxima fraqueza, da cruz: «No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Este estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por meio dele, e sem ele nada do que foi feito, foi feito ... E aquele Verbo foi feito carne, e habitou entre nós (e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai), cheio de graça e de verdade» (Jo. 1:1-3, 14) .
Podemos perceber a autoridade de cada declaração? Há outro trovão aqui, segue sendo João, mas é ‘outro Boanerges’. Seu estrondo ainda se ouve, e tem transpassado não só os ouvidos, mas o coração de multidões, através dos séculos, chegando até os nossos corações. E o eco seguirá sendo replicado enquanto houver crentes nesta terra! Que precioso é o Filho de Deus! Que preciosa é a Rocha sobre a qual estamos fundados!
Síntese de uma mensagem ministrada em Temuco (Chile), em setembro de 2014.