Salvação, chamamento e propósito

Deus não nos salvou apenas para nos libertar do inferno e nos levar para o céu. Esse não é o propósito final de Deus.

Álvaro Astete

“…quem nos salvou e chamou com um chamamento santo, não conforme as nossas obras, mas segundo o propósito dele e a graça que foi dada em Cristo Jesus antes dos tempos dos séculos…» (2ª Tim. 1:9).

Nossa salvação

O versículo que acabamos de ler tem ao menos três conceitos muito importantes: «salvou-nos …nos chamou com um chamamento santo … segundo o propósito dele». Nos dias anteriores, compartilhamos com respeito à salvação que recebemos do Pai. O autor de Hebreus diz que temos «uma salvação tão grande»; quer dizer, a salvação que Deus nos proveu em Cristo não só contempla uma área de nossa vida, mas todo o nosso ser.

Às vezes não dimensionamos a salvação que Deus nos deu. Alegramo-nos na salvação, sim; regozijamo-nos e cantamos louvores ao Senhor com respeito à salvação que recebemos, mas não consideramos todo o seu alcance.

A queda do homem causou tantos estragos, que até o dia de hoje lutamos com eles, mas bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo o qual nos proveu nele um poderoso Salvador. Nós estávamos mortos em delitos e pecados, não podíamos nos aproximar de Deus; mas a sua salvação veio a nós e então o nosso espírito foi regenerado pela obra do Espírito, de tal maneira que hoje podemos voltar a ter comunhão com o nosso Pai. Glórias ao Senhor!

Salvação e chamado

É necessário que primeiro Deus salve o homem. Em seguida, uma vez que este é regenerado, vem o chamamento do Senhor. Deus não poderia nos chamar para realizar algum serviço sem nos haver salvado previamente. Portanto, para todos os que foram e estão sendo salvos pelo Senhor, há agora um chamado da parte de Deus.

Ele nos salvou, e ali nós não tivemos que fazer nada. A salvação de Deus corresponde só a ele. Nós podemos dizer agora: «Senhor, por que me salvaste?».Mas isto é um assunto da soberania do Senhor. Damos graças a Deus porque ele teve misericórdia de nós e nos salvou. Mas o chamamento é distinto. Neste chamamento, Deus espera de nós uma resposta; é uma interpelação de Deus.

Natureza do nosso chamamento

O versículo que estamos estudando diz: «…quem nos salvou e chamou». É interessante a demarcação que o Espírito faz aqui, porque não é qualquer chamamento. Diz que nos chamou com «chamamento santo». É importante destacar que a essência do chamamento se radica na santidade de Deus.

Hoje existem muitas instituições e organismos que somos convocado a participar de suas nobres tarefas; mas, nós não fomos chamados para participar de alguma ONG, mas sim da igreja, a casa do Deus vivente, a habitação de Deus, onde ele mora, onde ele quer sentir-se cômodo.

Então, este é um chamado sério; portanto, temos que assumi-lo com responsabilidade, com compromisso. Nós não vamos responder diante de um homem com relação ao chamado que temos, mas diante Daquele que nos chamou, quer dizer, diante do próprio Deus.

O perigo de relativizar

Tempos atrás, referindo-se à carta aos Hebreus, nos era dito que junto com a exortação vai o ensino, mas que também junto à exortação é associado um perigo. E o perigo associado com respeito a nossa salvação é que «descuidemos de uma tão grande salvação».

Queria tomar isso para aplicá-lo ao chamamento. O risco é o mesmo. Podemos relativizar o nosso chamamento, crendo que não é tão importante. Mas a chamada que está sobre nós é uma chamada santa, séria. É verdade, teremos provações, aflições, situações complexas na vida, talvez desejemos até nos afastar da comunhão; mas, irmão, lembre-se, aquele que te chamou é o próprio Deus, e a ele teremos que responder por seu chamado.

O risco de relativizar o nosso chamamento consiste em crer que são os outros que têm um chamado para servir, e não cada um de nós. No entanto, Deus nos chamou para que, no meio desta convulsionada sociedade, sejamos a igreja do Deus vivo, coluna e baluarte da verdade.

Não relativizemos o que somos; isto é o que somos, este é o lugar que pisamos, a casa de Deus, onde o céu se encontra com a terra. Que maravilhoso é isso. Este um lugar especial, de maneira que não podemos nos comportar levianamente, como se quem nos chamou fosse uma pessoa qualquer.

Devemos andar como é digno da vocação com que fomos chamados. Mas se este chamado de Deus não foi revelado, impregnado pelo Espírito Santo em nosso coração, nada ocorrerá conosco, não vamos crescer. Poderemos ter muitas atividades religiosas, rotineiras, mas nunca vamos amadurecer. Quando há revelação e compromisso, então haverá fruto para Deus.

Como podemos relativizar o nosso chamado? Nós vivemos em um mundo onde a relatividade está na moda. O relativismo é hoje o paradigma sob o qual toda a sociedade se constrói, segundo o qual, o bom não é tão bom e o mau não é tão mau. Então, nossas normas morais vão se amoldando a essa realidade, a essa contingência. Assim é o mundo, e nós cairemos naquelas regras se não estivermos fundamentados na fé e se esta palavra não for revelada ao nosso coração.

A linguagem de Asdode

Em Neemias 13:23-24 há algo interessante que o profeta denuncia. Ele diz: «Vi deste modo naqueles dias a judeus que tinham tomado mulheres de Asdode, amonitas, e moabitas; e a metade dos seus filhos falava a língua de Asdode, porque não sabiam falar judaico, mas falavam conforme a língua de cada povo».

Aqui há algo de suma importância que é digno ser considerado. O povo de Israel cometeu o pecado de relacionar-se com mulheres estrangeiras e casar-se com elas, de tal maneira que seus filhos esqueceram o seu idioma nativo, e a metade deles falava uma língua estranha; ou seja, havia uma mistura de linguagem.

Notem isto, não era uma linguagem única, não era um só idioma, estava mesclada com a língua de Asdode e a língua judaica. Não é muito difícil extrapolar isto para a nossa realidade. O que ocorre conosco? O que ocorre com os nossos filhos? Qual é a linguagem que estamos utilizando? É uma linguagem misturada, uma linguagem que tem traços de espiritualidade e que sabemos aplicá-las e adequá-las em cada contexto? Portanto, quando estamos com os irmãos, falamos desta forma, porque assim nos acostumamos a falar ou a orar aqui,  com este tom de voz, com estas maneiras.

Mas, o que acontece à parte, fora daqui? O que acontece na universidade? Jovens, o que falamos com os companheiros? Que linguagem utilizamos ali? O que falamos, do que rimos? Parece-me que ali nos esquecemos de quem somos, parece que esquecemos que temos uma chamada santa sobre nós.

Quando relativizamos nossa chamada, uma das coisas que ocorre é que a nossa linguagem se mistura. Sabe qual é o idioma que devemos falar sempre? A linguagem de Deus. A sua palavra deve ser a nossa palavra, a sua voz deve ser a nossa voz. Não temos outro idioma, falemos como ele fala, onde for, com quem for, com os amigos, com a nossa família, em todo lugar. Que não haja mistura em nosso coração.

A linguagem representa também a identidade de um povo. Na Europa há muitos países muito próximos uns de outros; no entanto, cada qual tem seu próprio idioma e isso o faz diferente dos seus vizinhos; isto lhes dá uma identidade. Uma nação com um idioma misturado tem um grave problema de identidade.

Nós somos do reino celestial, somos de Deus, somos a embaixada deste reino aqui na terra. O Senhor nos liberte da linguagem de Asdode, para que possamos falar somente a linguagem de Jesus Cristo.

Chamamento com propósito

Voltando para Timóteo, temos um chamado santo, portanto, sério. Agora, unimos esses dois conceitos, salvação e chamada, e nos perguntamos: Para que Deus nos salvou? Qual é o propósito da nossa salvação? Qual é o propósito do nosso chamamento? Vamos dizer primeiro o lado negativo: Deus não nos salvou tão somente para nos libertar do inferno e nos levar para o céu. Esse não é o propósito final de Deus.

Para que Deus nos salvou? Alguns poderiam dizer: «Irmãos, Deus nos salvou para pregarmos a Cristo, para evangelizar, para falar com os outros sobre o Senhor». Sim, temos que pregar, temos que falar; mas esse não é o propósito final de Deus, não é seu objetivo último. Não confundamos esse propósito com a grande comissão; a grande comissão é uma tarefa, mas não é o objetivo final. Então, qual é o propósito pelo qual Deus nos salvou e nos chamou?

Comunhão com seu Filho

Vejamos 1ª Coríntios 1:9 : «Fiel é Deus, pelo qual fomos chamados para a comunhão com seu Filho Jesus Cristo nosso Senhor». Então, fomos chamados para sair e fazer coisas? Em primeira instância, não. Deus nos chama, primeiro, para termos comunhão com seu Filho. Para isso ele proveu uma tão grande salvação, porque ele desejava em seu coração ter comunhão conosco.

Um versículo muito interessante de Apocalipse referente a Laodicéia costuma ser mal interpretado, especialmente quando o relacionamos com aqueles que ainda não creem no Senhor. «Eis aqui, eu estou à porta e chamo; se alguém ouve a minha voz e abrir a porta, entrarei a ele, e cearei com ele, e ele comigo» (Apoc. 3:20).

No entanto, esta carta foi escrita aos irmãos em Laodicéia. Os destinatários não eram incrédulos, mas crentes no Senhor. Mas algo ocorria com eles que, ainda sendo crentes, o Senhor permanecia fora. Entendendo que, um crente, por definição, é alguém que tem a Cristo morando em seu coração.

Isso tem a ver com o propósito pelo qual Deus nos salvou. O que aconteceu com Laodicéia, então? Eles não entendiam que o propósito de Deus para com eles não consistia em que fizessem obras, nem em que desfrutassem de bonança econômica, ou de um ativismo febril; mas em que Deus queria ter comunhão com eles, porque para isso os tinham salvado.

Cristo habitando

Vejamos um segundo aspecto, em Efésios 3:14-17: «Por esta causa dobro os meus joelhos perante o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, de quem toma o nome toda família nos céus e na terra, para que lhes dê, conforme às riquezas de sua glória, o ser fortalecidos com poder no homem interior por seu Espírito; para que Cristo habite pela fé em vossos corações».

Qual é o rogo de Paulo aqui? Não está orando pelos não convertidos, mas pela igreja em Éfeso. E qual é o motivo da sua oração? Ele roga ao Pai para que eles sejam fortalecidos no homem interior por seu Espírito. Para que? «…para que Cristo habite pela fé».

A primeira carta em Apocalipse é para a igreja em Éfeso. O Senhor dá bom testemunho dela. Eles amavam os irmãos, faziam muitas coisas louváveis; mas há algo que o Espírito tinha contra ela. O que era? «perdeste o teu primeiro amor». Isso é, perderam o amor ao primeiro que deve estar em teu coração.

É interessante que esta oração de Paulo pela igreja em Éfeso também se encontre no mesmo sentimento: «…para que Cristo habite pela fé em vossos corações». Nós poderíamos dizer: «Mas Cristo já habita em meu coração, irmão». «Faz tantos anos que creio no Senhor, que confessei o seu nome. Portanto, ele já habita em meu coração».

Quando Paulo escreve esta carta, Éfeso é uma igreja que já vinha caminhando há anos. Eles já tinham vivido muitas coisas. Eram irmãos nos quais a fé estava presente, que se reuniam todos os dias, que estavam fazendo atividades para o Senhor, estavam pregando a palavra.

Residência permanente

Como, então, Paulo ora para que, neles, Cristo habitasse pela fé? Aqui não está se referindo à salvação. Paulo não está orando para que sejam salvos, porque já são. Então, irmãos, este habitar de Cristo vai muito além da salvação.

Habitar não é estar um tempo de passagem em algum lugar e logo partir. Habitar é fazer de um lugar a sua residência permanente. Este era o rogo de Paulo, que o Senhor morasse no coração deles de forma permanente. Por que enfatizamos este ponto? Porque às vezes nós vivemos crendo no Senhor, mas não com Cristo habitando em nosso coração.

Você me dirá: «Irmão, mas podemos viver assim? » Sim, podemos viver crendo no Senhor sem que ele necessariamente esteja habitando em nosso coração. Que Cristo habite em nós, significa que podemos viver uma vida cristã em real dependência do Senhor. Assim como há uma diferença entre um crente e um não crente, assim também há uma diferença enorme entre um crente comum e um no qual Cristo habita pela fé em seu coração.

Cristo vive em mim

O coração representa toda a nossa personalidade. Nós o dividimos em vontades, sentimentos, emoções; mas, no fundo, o nosso coração é a nossa personalidade, tudo o que somos. Quando Cristo habite pela fé no coração, então ele vai viver por você; ele vai tomar as decisões e não você, porque ele vai estar habitando no coração.

Irmãos, é tão importante que compreendamos este assunto por revelação. Isto constitui o ponto mais elevado da nossa carreira cristã. Das revelações que Paulo teve, esta foi a maior: que Cristo chegasse a habitar em nós. Isso é o que Deus quer. Não quer estar ao lado como um orientador, não. Ele não quer apenas nos influenciar; ele quer viver em nós, quer dirigir tudo.

Por isso, Paulo diz: «Já não vivo eu, mas Cristo vive em mim». Esse é o fim. Deus nos salvou para que Cristo habitasse em nossos corações. Esse é o propósito da nossa salvação. Deus nos salvou para que Cristo seja o dono do nosso coração, para que ele governe toda a nossa vida.

Deixemos que ele faça morada em nós. Espiritualmente, isto é assim, mas muitas vezes nós colocamos impedimento no Senhor e não permitimos. Temos nossos quartos secretos no coração, onde Deus não tem vez, fechamos as portas de algumas habitações e ali ele não entra, não está habitando como ele quer fazê-lo; não está fazendo uso de sua habitação como quer, porque nós o restringimos, porque não deixamos que ele tenha liberdade para que governe toda a sua casa.

Biografia ou experiência real?

Quando dizemos que o propósito de Deus é que tenhamos comunhão com o seu Filho e que ele habite em nosso coração, podemos assemelhar a isto: você pode ler a biografia de um personagem e uma vez concluída a leitura você pode chegar até a crer que conhece essa pessoa, porque conhece a informação essencial da vida dela.

Às vezes tratamos o Senhor como se fosse um personagem comum, conformamo-nos lendo a sua biografia, nos evangelhos, nas epístolas, e se alguém nos pergunta a respeito da vida de Jesus poderíamos assinalar alguns aspectos, e poderíamos falar a respeito dele e inclusive dar detalhes que outros não percebem.

Quando alguém lê uma biografia, crê que pode conhecer a pessoa, mas se pudesse ter um encontro real com a pessoa, ficaria completamente surpreso, porque descobriria muitos detalhes impossíveis de descrever em uma mera biografia escrita.

Ainda não é suficiente

Amados, não creiamos que já conhecemos plenamente o Senhor ou que já é suficiente com a revelação que temos. Demos graças por tudo o que recebemos dele, mas, vai nos faltar à eternidade para contemplar e conhecer aquele que é o verdadeiro. Não sejamos ousados em crer que já o conhecemos plenamente.

Temos lido os evangelhos, e o Senhor tem aberto para nós as Escrituras, e vimos detalhes da vida de Jesus. É bom fazê-lo, mas isso não é base suficiente para dizer que o conhecemos. Quanto conhecemos daquele que nos salvou e que nos chamou? Quanta comunhão temos tido com ele? Você tem tido intimidade com ele?

O mais maravilhoso de tudo isto é que Deus quer manifestar-se a nós. Ele é o primeiro interessado em que você o conheça. Ele quer se revelar. Paulo diz: «Agradou a Deus revelar a seu Filho em mim». Isso é revelação, não só leitura intelectual das Escrituras. Tenhamos experiências com ele, comunhão real, intimidade com ele.

Amados irmãos, para isto Deus nos salvou, para isto ele nos chamou: para ter comunhão conosco, mas também para habitar em nós, para fazer de nós sua permanente habitação. Amém.

Síntese de uma mensagem oral ministrada em Rucacura (Chile), em janeiro de 2014.

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