ÁGUAS VIVAS
Para a proclamação do Evangelho e a edificação do Corpo de Cristo
O sacrifício mais excelente
Toda vez que Abel oferecia a sua oferta com fé, estava seguindo a direção de Deus.
Henry Law
“E Abel trouxe também dos primogênitos das suas ovelhas, a mais gorda delas. E olhou Jehová com agrado para Abel e a sua oferta" (Gên. 4:4).
Já se passaram muitos anos desde que a terra recebeu o sangue de Abel. A primeira sepultura foi a dele. Mas ele não ficou em silêncio. Sua fé adquiriu uma voz eterna. O tempo não pode calar o seu eco de admoestação solene: «E morto, ainda fala por ela» (Heb. 11:4). Isto é o que nos narra o céu. Certamente deve haver muito e de grande valor neste testemunho, que ressoa de geração a geração. Nada pode comparar-se em proclamar ao Senhor Jesus Cristo.
Este é o propósito do seu chamamento a todos os filhos dos homens: «Crê no Senhor Jesus Cristo e será salvo». Confie em seu sangue. Não apresente outra coisa diante de Deus além da sua morte expiatória. Faça de sua cruz a sua única esperança.
Leitor, possivelmente você nunca tenha encontrado todo este Evangelho na breve vida de Abel. Mas ali está. Abel se apresenta diante de nós com o nobre caráter de alguém cujo espírito se regozija em Deus seu Salvador. Esta é a característica proeminente deste quadro. Abel escolhe o primogênito do seu rebanho e o apresenta como oferta. Esta é sua atitude e sua conduta. Mas, o que lhe moveu a prestar esta adoração? Devia ter algum grande propósito. Indaguemos.
Teria se convencido da razão de que era um pecador? Compreendeu por isso que a sua própria vida estava perdida? Guardava em si a esperança de que poderia recuperar-se dando outra vida em seu lugar? Teve a ideia de que uma vítima sem mancha podia ser a libertação de uma alma condenada? Não podia ser isso. A cegueira do pecador nunca vê o verdadeiro deserto que representa o pecado; muito menos pode imaginar uma propiciação na base do sangue. Deus tem que ser encontrado neste pensamento.
A fé de Abel
Enquanto indagamos, a Escritura levanta o véu e nos expõe o princípio que vivia na alma de Abel. Era a fé. «Pela fé Abel ofereceu a Deus um sacrifício mais excelente que Caim» (Heb. 11:4). Isto esclarece a questão. Porque fé é confiança em Deus e dependência de sua Palavra. Deus fala; a fé escuta, crê e obedece.
A fé é algo que se respira sozinho na atmosfera da revelação; sustenta-se unicamente na rocha das promessas divinas. Só tem ouvidos para as novas celestiais. Não sabe ler outra coisa além do que o dedo de Deus escreve. Sempre está disposta a dar a razão decisiva: «O Senhor o disse».
Estamos seguros, pois, de que toda vez que Abel ofereceu a sua oferta com fé, estava seguindo a direção de Deus. Somos conduzidos assim a vislumbrar muitos dos trabalhos da sua alma neste culto que rendeu ao Senhor. Não pode ser de outra maneira: os seus pais lhe fariam saber, em termos que traduziriam a sua vergonha, a enormidade de sua queda. Foi daí que soube do ocorrido, que soube que ele mesmo era um filho da ira e herdeiro de uma natureza corrupta.
Mas, seus pais se detiveram aqui? Oh, não! Em atitude de adoração agradecida, lhe contariam que, além disso, tinha sido prometido o perdão e que seria provido um Redentor, plenamente qualificado e poderoso para salvar, o qual ofereceria sua vida em expiação. Ensinar-lhe-iam também que tinha sido ordenado um rito pelo próprio Deus, mediante o qual poderia exercer a sua fé e manter viva a espera do Cordeiro salvador.
Esta era a Bíblia de Abel. Assim ele lia as principais lições do Evangelho da salvação. Não vacilou na incredulidade, mas abraçou completamente a verdade para a vida eterna. Na alvorada do mundo, ele viu o Sol da justiça.
A atitude de um pecador
Leitor, não é isto mesmo que conduz a condenação das multidões que, imersas no mesmo resplendor de luz, algumas vezes conseguem a fé salvadora? Obtenhamos assim uma visão da intimidade espiritual de Abel. Ali, naquele altar, está este homem humilde, com fé e amor. Ele tem pleno sentido de sua nulidade. Humilha-se no pó e cinza. A sua atitude confessa que se vê perdido e arruinado, que é um pecador. Compreende que a sua paga tem que ser a eterna ausência de Deus. Dá-se conta de que não tem poder em si mesmo para se ajudar.
Mas está cheio de fé. Ao não olhar-se mais para si mesmo, dirige seus olhos para outro. Sabe que nos céus dos céus vive um Salvador preparado para descer com cura em suas asas. No sangue de sua vítima vê uma prova segura do sangue preparado para limpar até os mais íntimos vincos de sua alma.
Abel está cheio também de amor santificador. Porque nenhum homem pode confiar na graça tão plena, tão imerecida, tão necessária, tão efetiva, sem sentir que, ao ser perdoado de tal modo da perdição, deve-se viver uma vida de sacrifício voluntário para o Deus misericordioso.
A instrução paterna
Naquele tempo havia alguém mais ao lado de Abel, embora um grande abismo os separasse. Era o seu irmão Caim. Ele também tinha nascido com igual culpabilidade. Sem dúvida, compartilhava a mesma instrução paterna. No que diz respeito a vantagens externas não havia diferença. Mas, o seu caráter espiritual era o mesmo? Absolutamente não. A verdade que molda um, só endurece ao outro. Um recebe a bênção; o outro se abate sob a maldição. Os seus caminhos para com Deus os expõem.
É um panorama triste. Mas não desviemos a nossa atenção. Vejamos como Caim revela-se a si mesmo. Parece que recorre a Deus. Isto é bom. Mas, o que traz? «O fruto da terra». A primeira vista, parece que tudo está como deve ser. Mas o disfarce cai, e vemos os odiosos sinais que provam que «era mal».
Descobrimos o ego na mesma raiz da religião de Caim. Deus ordenou a maneira como tem que ser invocado. Caim pensa que pode seguir um caminho mais de acordo com a majestade dos céus e a dignidade do homem. Coloca a sua mesquinha razão por cima dos conselhos do Onipotente; separa-se da vontade revelada para apalpar na escuridão de seus próprios planos.
Não é este um caso lamentável? No entanto, é o engano em que muitos caem. «Dizendo ser sábios, fizeram-se néscios». O ego, a vontade própria do homem, faz primeiro um deus, em seguida uma religião e finalmente cava uma cova para a sua própria destruição.
O orgulho do Caim
Vemos em segundo lugar o orgulho de Caim. Assim tem que ser, pois está acostumado a ser o primogênito da razão não iluminada. A criação fez sair o homem do pó. O pecado o converte no mais vil pó. Mas, ainda assim, segue andando, cheio de vangloria, até que a graça abre os seus olhos e o torna ao lugar mais baixo da sua própria natural humildade.
Assim ocorreu com Caim. Não sente nem o pecado nem a necessidade de perdão. Por conseguinte, com orgulho apresenta uma oferta que fala da corrupção da natureza.
Altivo, não quer lavar-se no sangue do Redentor, para purificar-se, de modo que vem a ser o modelo desta classe de pessoas que, em todo tempo, dizem: «Eu sou rico, e me enriqueci, e de nada tenho necessidade; e não sabes que tu és um desventurado, miserável, pobre, cego e nu» (Apoc. 3:17).
A incredulidade que desaba
Havia incredulidade também na atitude de Caim. Deus tinha exposto claramente a redenção por Cristo. Mas Caim não crê. A incredulidade fecha os seus olhos; não deseja olhar para Jesus. Fecha a sua mão, não quer apoiar-se nele. Fecha a sua boca; não deseja clamar a ele. Fecha o seu coração; nunca o abrirá para ele.
Maravilha-te de sua loucura? Tome cuidado! A consciência pode te dizer: «Tu és aquele homem» (2 Sam. 12:7). O final nos descreve rapidamente. O mau se torna logo em pior. A incredulidade se desliza veloz pela ladeira até chegar ali onde o Evangelho nunca é pregado e não há esperança.
Deus alterca. Caim não se submete. Vê a justiça que é pela fé, somente para odiá-la mais. Mediante o assassinato de seu próprio irmão piedoso, procura apagar a luz que ainda brilha sobre ele. Afunda-se no desespero, e das suas prisões eternas clama: «Veja com cuidado, e não rejeite o sacrifício mais excelente».
Leitor, pode ser que, cuidadoso de muitas coisas, tenha sido negligente no que deveria ser o principal cuidado do homem. Escute por um momento. Rogo-lhe isso. Não ouves uma voz que te formula uma pergunta apoiada nesta narração? Uma voz que te diz: É de Abel ou de Caim? Em termos mais simples: Recebe ou rejeitas o Senhor Jesus? Este é o ponto importante. Ele foi o fim do «sacrifício mais excelente» que Abel trouxe e que Caim desprezou (Heb. 11:4). Cristo é o Cordeiro assinalado por Deus, aceito por Deus e levado até nossa própria porta por meio das Escrituras.
Quem pode apreciar em todo o seu profundo valor, os poderosos motivos que impulsionam o pecador a apropriar-se deste sacrifício? São mais numerosos que os momentos da eternidade. Cada um fala mais alta que os trovões do Sinai. Cada um tem clamor estremecedor, como a trombeta de Deus.
O sacrifício mais excelente
Considere somente o seu poder real. É este: Salva eternamente às almas de todos os pobres pecadores que o apresentam a Deus pela fé. Não é preciosa a sua alma? Além de todo pensamento. Necessitas a redenção da ira e da ruína. Está preparado para oferecer seu valor equivalente?
Imagine que as balanças dos céus fizessem um teste. O que poderia apresentar como contrapartida no outro prato da balança? Não tem nada, o que tem é mais ligeiro que a vaidade. Ponha agora o «sacrifício mais excelente». O seu valor está acima de todo preço. Oferece-o e será salvo. Tu serás como Caim e rejeitarás este sacrifício?
São muitos os teus pecados. A areia do mar é pouco em comparação; mas cada um deles tem que ser apagado, ou perecerás eternamente. Um pecador não perdoado não pode entrar no reino dos céus. O que fará então? Uma coisa é clara: Não pode fazer nada, não pode desfazer o passado.
Mas eis aqui «o sacrifício mais excelente» que purifica de todo pecado. Por ele, todos os tipos de pecados são perdoados aos filhos dos homens. Troque o mais vil em perfeita pureza. Os teus méritos podem te fazer a ti sem mancha? Tu irás querer ser como Caim e rejeitar «o sacrifício mais excelente»?
Tu necessitas de paz. Satanás aturde. A lei te condena, a consciência te acusa. Suas feridas são profundas, suas cargas pesadas. O coração se derrete. Andas taciturno e pesado. Olhas para ti mesmo e te desesperas. Olhas para o mundo e zombam do seu problema. Buscas uma fonte e resultas em uma cisterna rota. Voas para os atos externos da religião e são como varas, apoia-te nelas e te ferem as mãos.
Quão distinto é o «sacrifício mais excelente»! Nos fala que Deus está satisfeito, o pecado remido, e todos os acusadores emudecidos. Traz perfeita paz, que ultrapassa todo entendimento. Serás como Caim e rejeitarás o «sacrifício mais excelente»?
Tu desejas santificação, desejas ser conformado à imagem de Cristo? Isto é bom, porque é eterna a lei de Deus que sem santidade ninguém o verá. Mas a santidade só pode aprender-se nesse altar. É a visão de Cristo morrendo por nós o que mata a nossa concupiscência. É a sombra da cruz que faz tremer o inimigo. Um amador da iniquidade não pode morar na glória. Mas não houve jamais um homem santo que não vivesse na glória, ao apoiar-se «no sacrifício mais excelente». Se desejares andar com Deus em verdadeira justiça, não imites a Caim, não rejeites este sacrifício.
Lembre: este sacrifício é único. Jesus, pela oferta de si mesmo, feita uma só vez, «fez perfeitos para sempre aos santificados» (Heb. 10:14). Descuide-se, e não poderá achá-lo em nenhuma outra parte. Descuide-se hoje, e talvez amanhã irá buscá-lo em vão. Escute, pois, a voz de Abel que te chama sem descanso para que te apresses a ir para o altar de sua salvação.
Leitor, não deixe estas linhas sem antes declarar: Regozijo-me verdadeiramente no Senhor Jesus Cristo, e ele é para mim «o sacrifício mais excelente».