ÁGUAS VIVAS
Para a proclamação do Evangelho e a edificação do Corpo de Cristo
Disciplinas do reino de Deus
Só se pode servir a Deus começando pela comunhão e uma relação de intimidade com ele.
Rodrigo Abarca
“Depois subiu ao monte, e chamou a si aos que ele quis; e vieram a ele. E estabeleceu a doze, para que estivessem com ele, e para enviá-los a pregar, e que tivessem autoridade para curar enfermidades e para expulsar demônios”.
Mar. 3:13-15.
Temos refletido sobre o reino de Deus, e de como o Senhor Jesus transpassa a plenitude desse reino aos seus discípulos. O Senhor começa a igreja com eles: um homem corporativo que expressa a imagem de Deus e recebe o reino Deus em união com Cristo, a sua cabeça.
O propósito deste chamado é revelar a Deus ao homem e através do homem, e se realiza criando o homem a imagem de Deus. No entanto, para que o caráter de Deus seja impresso no homem, requer-se primeiro que este seja feito participante da natureza divina. Finalmente, quando essa imagem foi trabalhada, o homem recebe autoridade para expressar o reino de Deus sobre a terra.
O caráter, base da autoridade
Uma das lições fundamentais da Escritura é que a autoridade e o poder devem estar apoiados no caráter. Na Bíblia, os exemplos de Sansão e Saul, entre outros, ilustram quão arriscado é que Deus delegue autoridade a alguém sem caráter. Então, tomemos cuidado desejando que o Senhor nos use com autoridade e poder, se primeiro não desejarmos o caráter de Cristo em nós. Sem esse caráter, a autoridade e o poder são um perigo para nós, porque nossa carne nos trairá e nos destruirá.
O Espírito de Deus operava na vida de Sansão, mas este dava rédea solta aos desejos da sua carne. Finalmente, ele renunciou a sua consagração ao Senhor, e quando se levantou, crendo que ainda tinha a ele, nos diz: «Mas ele não sabia que o Senhor já havia se apartado dele» (Jz. 16:20).
Se um crente seguir esse caminho e não busca, em primeiro lugar, que a sua vida seja transformada a imagem do Senhor, chegará o dia em que o Espírito do Senhor o abandonará. É claro que ele nos capacita com poder, mas esse poder e autoridade têm que estar apoiados no caráter de Cristo formado em nós.
Em seguida, temos a Saul. O Espírito veio sobre ele, e o rei profetizou. Dali em diante começou a manifestar as obras de Deus. Mas quando deixou que a sua carne o dominasse, o Espírito se separou dele, e Saul perdeu tudo. Deus procura homens conforme o Seu coração, isto é, que tenham a imagem de Deus.
Ser um discípulo
Jesus chamou os doze para lhes imprimir o seu caráter, a fim de que fossem como ele. Ele disse: «O discípulo não é superior ao seu mestre; mas tudo o que for aperfeiçoado, será como seu mestre» (Luc. 6:40). O propósito de um discípulo é ser como seu mestre. A palavra discípulo significa aprendiz. Antigamente, se alguém queria aprender um ofício, sendo menino, seu pai o levava, por exemplo, a casa de um carpinteiro, para viver ali vários anos como aprendiz, aprendendo tudo do mestre – a teoria, a prática, e mais ainda, o modo de vida do carpinteiro. E assim, quando o mestre morria, o discípulo herdava o seu ofício.
Jesus chamou os seus discípulos, em primeiro lugar, para que o conhecessem e fossem como ele. Durante três anos e meio, eles estiveram aprendendo dele. Eles não só ouviram falar do Espírito Santo e do seu governo, mas viram o exemplo disso na vida do Senhor. Ao estudar a vida do Senhor, não apenas temos que observar o que ele dizia, mas também o que ele fazia. Por esta razão, Lucas, no começo do livro de Atos, resumindo o evangelho, diz-nos: «No primeiro tratado… falei a respeito de todas as coisas que Jesus começou a fazer e a ensinar».
Muitas pessoas iam ouvir as suas palavras, mas não eram seus discípulos. Discípulos eram aqueles que caminhavam atrás do Mestre. «Vinde após mim…». O Senhor os chamou para que estivessem dia e noite em comunhão com ele, aprendendo dele. Nessa intimidade, o Espírito Santo nos capacita para sermos conformados a imagem do Senhor. Esta obra não é feita sem nossa colaboração. Não é algo automático. O Espírito trabalha em nós, conosco, mas nunca sem nós. Ele requer nossa cooperação para fazer a sua obra de santificação. E claro, ele também nos capacita com poder e autoridade para fazer a obra do Senhor, mas isso vem sempre como consequência da obra de transformação interior.
O exercício da piedade
Precisamos entender de que maneira, na prática, somos discípulos do Senhor. Então, vejamos alguns versículos que nos podem ajudar:
«Exercita-te na piedade; porque o exercício corporal para pouco é proveitoso, mas a piedade para tudo aproveita...» (1ª Tim. 4:7-8). A palavra piedade é um termo que a Bíblia usa para referir-se à dimensão prática de nossa comunhão com o Senhor.
«Exercita-te na piedade», diz Paulo a Timóteo, e põe um exemplo, usando a propósito a palavra «Exercita-te». Esta palavra vem de gimnasium, o lugar onde se faziam exercícios. O ditado dos gregos e romanos era: Mente sã em corpo são. Paulo usa essa expressão para referir-se à prática da vida cristã. «Exercita-te na piedade», quer dizer que a vida de comunhão com Deus não surge de forma espontânea, mas requer exercício.
«E também o que luta como atleta, não é coroado se não lutar legitimamente... Não sabeis que os que correm no estádio, todos na verdade correm, mas um só é que leva o prêmio? Correi de tal maneira que o obtenhais. Todo aquele que luta, de tudo se abstém; eles, na verdade, para receber uma coroa corruptível, mas nós, uma incorruptível. Assim, eu desta maneira corro, não como indeciso; desta maneira luto, não como quem golpeia o ar, mas golpeio o meu corpo, e o coloco em servidão, não seja que tendo sido arauto para outros, eu mesmo venha a ser eliminado» (2ª Tim. 2:5; 1ª Cor. 9:24-27).
«Todo aquele que luta, de tudo se abstém». Os atletas não vão a festas, nem se divertem como o resto do mundo. Sua vida é um exercitar-se constantemente; ele se concentra e se ordena em função desse fim. Sacrificam-se e se negam a si mesmos. Se o atleta se abstiver de tudo para ganhar uma coroa corruptível, quanto mais nós! «Assim, eu desta maneira corro … golpeio o meu corpo, e o coloco em servidão». Isto significa: «Submeto-o a uma disciplina de exercício». Na vida espiritual funciona no mesmo princípio. Não pode conhecer a Deus se não tiver uma disciplina de comunhão com ele.
Os afãs de Marta
Quando o Senhor chegou ao lar de Marta e Maria, Marta se preocupava em muitos afazeres, e Maria se assentou aos pés do Senhor para ouvir a sua palavra. Marta quis repreender ao Senhor: «Senhor, não te dá cuidado que minha irmã me deixe servir sozinha? Diga-lhe, pois, que me ajude» (Luc. 10:40). E que maravilhosa é a resposta do Senhor: «Marta, Marta, estás ansiosa e perturbada com muitas coisas. Mas uma só coisa é necessária; e Maria escolheu a boa parte, a qual não lhe será tirada» (V. 41-42).
O serviço ao Senhor e tudo o que você faz para ele, pode se perder; mas há algo que ninguém poderá jamais te tirar: a tua comunhão com ele.
Disciplinas da vida espiritual
A obra de Deus tem que começar em Deus, avançar em Deus e terminar nele. Ele não põe a sua bênção sobre as nossas obras. Na obra de Deus, ele inicia e ele termina. Assim, se você crer que vai servir a Deus sem começar pela comunhão e uma relação de intimidade com ele está equivocado.
Antes que os discípulos fossem capacitados para exercer a autoridade do reino de Deus, eles tinham que estar com o Mestre. Esta é a essência de nosso chamado. Com Jesus, eles não só ouviram as suas palavras, mas aprenderam dele a disciplina da vida espiritual. Vejamos alguns exemplos nas Escrituras.
Em Marcos 1:30-35, depois de um longo dia em que o Senhor andou pregando e fazendo milagres, chegou a casa de Pedro, «…e a sogra de Simão estava deitada com febre; e em seguida lhe falaram dela. Então ele se aproximou, e a tomou pela mão e a levantou; e imediatamente lhe deixou a febre, e ela lhes servia» (V. 30-31).
«Quando chegou a noite, logo que o sol se pôs, trouxeram-lhe todos os que tinham enfermidades, e aos endemoninhados; e toda a cidade se amontoou à porta. E curou a muitos que estavam doentes de diversas enfermidades, e expulsou muitos demônios; e não deixava falar com os demônios, porque lhe conheciam» (V. 32-34).
Aquilo devia tomar muito tempo, porque era muita gente. O Senhor devia estar esgotado, porque ele era um homem, e se cansava, como todos nós. Mas o versículo seguinte diz: «Levantando-se muito cedo, sendo ainda muito escuro, saiu e se foi a um lugar deserto, e ali orava» (V. 35). Esta era uma disciplina na vida do Senhor. Ele sabia qual era a prioridade de sua vida. O mais importante não era o seu ministério, mas sua comunhão íntima com Deus, porque dela brotava todo o resto. Este era o segredo de sua vida.
O exercício da oração
Jesus não planejava, como nós. Seus planos vinham de seu Pai. Seu único plano era estar a sós com o Pai, e daí surgia tudo. «Não pode o Filho fazer nada por si mesmo, a não ser o que vê fazer o Pai» (João 5:19). Na prática, significa que Jesus se separava de tudo e procurava a comunhão com Deus. Agora, se ele, que constantemente ouvia a voz de seu Pai, precisava fazê-lo, quanto mais nós?
Jesus procurava a intimidade, porque uma das principais disciplinas da vida espiritual é a solidão com Deus. Quando está entre a multidão, há tanto ruído, tantas vozes que demandam a sua atenção, que se torna muito difícil ouvir a voz de Deus. Quando aquelas vozes se calam, se começa a ouvir a voz de Deus.
Muitos filhos de Deus temem a solidão, porque temem deixar de ouvir o ruído do mundo. Há crentes que, quando estão em sua casa, necessitam de ruído ao redor e ligam rádio ou o televisor. No entanto, quando estamos realmente sós, podemos ouvir a Sua voz. Ele não se impõe pela força, a sua voz não é um grito por cima dos gritos do mundo.
Tomando decisões
Em Lucas 6:12, encontramos o momento em que o Senhor escolhe aos apóstolos, a mesma passagem de referência em Marcos, mas Lucas acrescenta um dado fundamental. «Naqueles dias ele foi ao monte para orar, e passou a noite orando a Deus». Por quê? Porque tinha que fazer uma escolha.
«E quando era de dia, chamou os seus discípulos, e escolheu a doze deles» (V. 13). Sendo Jesus quem era, não agia movido por sua própria sabedoria. Nesta, como em todas as decisões de sua vida, precisava ouvir a voz do Pai. Havia muitos discípulos que lhe seguiam, e entre eles estavam os doze; mas ele não os escolheu, senão o Pai.
Para que Deus nos fale se requer tempo. Não podemos vir com trinta minutos e dizer: «Senhor, me diga agora, porque tenho que seguir fazendo outras coisas». E, como ele não nos fala nesse breve lapso, vamos, escolhemos e fazemos tudo por nós mesmos. Precisamos ser como nosso Mestre.
Outra passagem: «Aconteceu que enquanto Jesus orava à parte, estavam com ele os discípulos; e lhes perguntou, dizendo: Quem diz as pessoas que eu sou?» (Luc. 9:18). Esta cena, onde vemos a maior revelação do Novo Testamento –»Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivente»– surgiu em um contexto de oração de Jesus com os seus discípulos. E em seguida: «Aconteceu como oito dias depois destas palavras, que tomou a Pedro, a João e a Tiago, e subiu ao monte para orar. E enquanto orava, a aparência do seu rosto se fez outra, e seu vestido branco e resplandecente» (Luc. 9:28-29). Outra vez, foi em um contexto de oração que ocorreu a transfiguração.
A oração não era um apêndice na vida do Senhor, mas estava no centro de sua experiência. Então, quando ele nos diz: «Não pode o Filho fazer nada por si mesmo, a não ser o que vê fazer o Pai» (João 5:19), a pergunta é: Como e quando ele via o Pai, e o Pai lhe ensinava? E vemos que não era uma questão automática. Ele dedicava as horas mais importantes de sua vida para procurar a vontade do Pai.
Deus não compete com nada em nossa vida. Ele não competirá por nossa atenção. Se você não quiser lhe dar atenção, ele não competirá com o rádio, a televisão, a música, os amigos, o serviço, com nada. Se você quer lhe ver e lhe conhecer, tem que fazer disso o mais importante de sua vida. Se não o fizermos, ele não se revelará nem falará conosco.
Oração e adoração
Estamos falando do Deus eterno. Ele é Deus, e só responde quando é reconhecido e adorado como tal. Por isso, a oração está intimamente ligada à adoração, porque a adoração é o reconhecimento da grandeza e o direito absoluto de Deus sobre nossas vidas.
Adorar não é simplesmente levantar as mãos e receber; o foco não somos nós, mas Deus. Você recebe muito; mas na adoração é Deus que recebe tudo de nós o que ele merece como Deus. Adorar é reconhecer que ele tem a preeminência absoluta sobre as nossas vidas. Na adoração, reconhecemos que Deus tem direito soberano sobre as nossas vidas, e nos abandonamos nele.
Adoração e oração estão intimamente unidas e, de fato, a adoração é a oração em sua expressão mais elevada. Na adoração, você se esquece de si mesmo e só tem olhos para contemplar a Sua grandeza.
Quantas das nossas orações são uma longa folha de petições e nada mais. Isto não significa que não tenha que pedir, porque o Senhor mesmo nos ensinou a fazê-lo. Mas se a oração se reduz a isso, então é imperfeita; porque o princípio mais profundo da oração é estar com Deus, para lhe contemplar.
Meditando em Sua Palavra
Outra disciplina fundamental para o desenvolvimento da comunhão com Deus é a meditação em sua palavra. O ministério da palavra de Deus é bom para nós; mas, para que a palavra se fixe e dê fruto, não só precisamos receber a sua ministração, mas devemos aprender a meditar nela.
A meditação da palavra é uma disciplina da mente. Nossa mente é normalmente uma mente solta, que pensa sem freio. Temos que aprender a lhe colocar rédeas, e essas rédeas é a palavra de Deus.
«Bem-aventurado o varão que não andou no conselho dos maus, nem esteve no caminho de pecadores, nem se sentou na cadeira de escarnecedores» (Sal. 1:1). Este versículo se refere a como o mundo entra em nossa vida através da mente. Refere-se ao contato com os pensamentos e as intenções do mundo. Se sua mente estiver sempre exposta a esses caminhos, é impossível que você viva uma vida de real comunhão com Deus.
Há irmãs que veem novelas, de manhã, a tarde e a noite. A mente se habitua a aquilo no qual está enfocada. O problema com isto é que não há espaço para a comunhão com Deus.
«Mas sim na lei do Senhor está a sua delícia, e em sua lei medita de dia e de noite» (V. 2). Nós gostamos da segunda parte do Salmo. «Será como árvore plantada junto a correntes de águas, que dá o seu fruto em seu tempo, e sua folha não cai; e tudo o que faz, prosperará» (V. 3). Esta parte é muito bela, mas esta mostra uma relação de causa e efeito. Se você quer ser como aquela árvore, deve aprender a meditar na lei do Senhor.
A palavra meditar, em hebreu, significa ruminar. É o que fazem as vacas. Elas têm um estômago composto. O processo digestivo passa por cinco etapas, porque o pasto tem poucas proteínas, e então, para extraí-las, o alimento deve passar por várias seções, voltar para a boca, e assim começar um novo ciclo. Isto mesmo é o que devemos fazer com a palavra de Deus. A palavra de Deus tem que ser meditada. Deve exercitar-te em trazê-la de novo a sua mente e orar com ela para extrair toda a sua riqueza.
Orando com a Palavra
O Senhor Jesus diz: «Quando alguém ouve a palavra do reino e não a entende, vem o maligno, e arrebata o que foi semeado no seu coração» (Mat. 13:19). Quantas vezes você sente que a bênção se foi, porque deixou que o diabo arrebatasse a palavra do seu coração. Mas, se aprender a meditar na palavra, ela renovará a sua mente, ficará gravada em seu coração, e dará fruto: «Em meu coração guardei a tua palavra, para não pecar contra ti» (Sal. 119:11). É bom memorizar para meditar; porque nem sempre você terá a Bíblia à mão, mas, se a memorizar, poderá estar meditando nela.
A pregação do evangelho
Uma vez que essa vida de intimidade com Deus se estabelece, vem o serviço: «E estabeleceu a doze, para que estivessem com ele, e para enviá-los a pregar…» (Mar. 3:14). A pregação do evangelho, com toda a importância que tem, não é a primeira coisa. No entanto, é o fruto direto da comunhão com o Senhor. Porque o Senhor veio salvar o que se havia perdido; veio com a missão de trazer o reino de Deus, por meio do evangelho de salvação a todos os homens. Assim, uma vez que o Senhor Jesus estabelece o fundamento do reino na vida dos seus discípulos, nos diz: «…para enviá-los a pregar».
O propósito do evangelho
A pregação do evangelho tem como propósito estabelecer o reino de Deus na vida dos homens e mulheres que o recebem. Nossa missão não é só pregar para que todos se salvem, mas fazer discípulos do Senhor. «Ide, e fazei discípulos de todas as nações» (Mat. 28:19). Eles têm que entrar no propósito eterno de Deus, para serem feitos conforme a imagem do Senhor Jesus Cristo.
Fazer da comunhão com o Senhor o mais importante, requer disciplina e determinação. Não ocorrerá que, espontaneamente, sentiremos desejos de nos levantar de madrugada para orar. Isto não será um hábito de vida a menos que tomemos a decisão de disciplinar nossa vida para o Senhor. Nós devemos saber que, se não nos disciplinarmos, nunca viveremos uma vida de real comunhão com o Senhor.