ÁGUAS VIVAS
Para a proclamação do Evangelho e a edificação do Corpo de Cristo
A Cruz e a pessoa de Cristo
A Cruz de Cristo nos introduz em uma vida de união e unidade com Deus.
T. Austin-Sparks
É de extrema importância e de consequência vital reconhecermos que a Pessoa de nosso Senhor realmente não pode ser conhecida e compreendida exceto por meio da cruz. É de igual consequência perceber que a cruz realmente só é compreendida e adequadamente apreciada quando a Pessoa de Cristo é discernida. Essas duas obras estão juntas e são mutuamente dependentes.
Quem é Jesus
Nos dias de sua vida terrena, seus discípulos e as pessoas queriam um Cristo sem cruz. Eles não podiam ver lugar para a cruz. Ela era uma contradição a todos os sonhos e expectações deles. Sempre que Jesus se referia à cruz, uma sombra escura caía sobre eles, e ficavam ofendidos. De fato, eles se revoltavam muito positivamente contra esta ideia e sugestão.
Correndo paralelamente junto a esta incapacidade de se discernir o significado e valor da cruz estava, de um lado, a sua contínua referência a essência de sua própria pessoa como Filho de Deus, e, do outro lado, a total incapacidade deles em reconhecê-Lo. Somente por meio de lampejos fugazes de iluminação um ou dois deles realmente o viram como o Filho de Deus, e, então, pareceu, pelo comportamento deles, que eles perderam a percepção, e as nuvens da incerteza os tinha envolvido ao redor novamente. O estado e a posição na qual os encontramos quando Jesus foi crucificado indica como a realidade de sua pessoa tinha falhado em possuir a vida mais íntima deles. Mas a coisa interessante e significativa é que o Senhor em todo o tempo indicava que esta dupla incapacidade seria removida quando finalmente a cruz viesse a ser um fato consumado. O capítulo oito do evangelho de João é um exemplo forte disso. Nele Jesus concentra tudo sobre a questão de sua pessoa.
"Falou-lhes, pois, Jesus outra vez, dizendo: Eu sou a luz do mundo... Disseram-lhe, pois, os fariseus: Tu testificas de ti mesmo; o teu testemunho não é verdadeiro. Respondeu Jesus, e disse-lhes: Ainda que eu testifico de mim mesmo, o meu testemunho é verdadeiro, porque sei de onde vim, e para onde vou; mas vós não sabeis de onde venho, nem para onde vou. ... Disseram-lhe, pois: Onde está teu Pai? Jesus respondeu: Não me conheceis a mim, nem a meu Pai; se vós me conhecêsseis a mim, também conheceríeis a meu Pai. E dizia-lhes: Vós sois de baixo, eu sou de cima; vós sois deste mundo, eu não sou deste mundo. Disseram-lhe, pois: Quem és tu? Jesus lhes disse: Isso mesmo que já desde o princípio vos disse". (8:12-25).
Então vem a afirmação que é o ponto de virada de tudo. "Disse-lhes, pois, Jesus: Quando levantardes o Filho do homem, então conhecereis quem eu sou, e que nada faço por mim mesmo; mas falo como meu Pai me ensinou. " (8:27).
Por algo mais do que implicação Jesus tinha lançado o mesmo princípio com Nicodemos. Nicodemos estava andando às apalpadelas na sombra em relação à Pessoa de Cristo. "Sabemos que és Mestre vindo da parte de Deus…” Jesus mostrou que, para se ‘ver’, algo precisa acontecer, por meio do qual uma nova faculdade venha ser obtida; um novo nascimento é necessário. Então ele levou Nicodemos para a cruz, usando a mesma frase que está no capítulo oito: "Assim como Moisés levantou a serpente no deserto, assim também importa que o Filho do Homem seja levantado" (João 3:14). A lei enunciada é que é a cruz que revela quem Jesus é.
A união com Deus é assegurada ao homem em Cristo
Dentro do que acabamos de dizer repousa a própria essência do significado de Cristo. Vamos olhar brevemente para este conteúdo essencial. Qual é a coisa para a qual Cristo permanece preeminentemente em toda a revelação da Escritura? A resposta é a união com Deus.
Esta tem sido a coisa pela qual o homem tem buscado desde que se tornou uma criatura pecadora. Quase que por incontáveis caminhos e por muitos meios o homem tem procurado esta paz e descanso que somente é possível através da união com Deus. Em algum lugar, de alguma forma (a Bíblia nos mostra) a comunhão com Deus foi perdida. Três coisas se tornaram marcas permanentes e sempre vivas desta ruptura de relacionamento. Primeiro – a mentira; segundo – inimizade; e terceira – morte.
As consequências da queda
a) Uma mentira crida
O homem não apenas creu e aceitou uma mentira, mas esta mentira entrou em sua constituição, e ele é uma alma enganada e em trevas. De si mesmo ele não conhece, nem é capaz de conhecer ou de ser a verdade. "O coração é mentiroso mais do que todas as coisas, excessivamente corrupto, quem pode conhecê-lo?” (Jer. 17:9). Foi dito ao homem que se ele tomasse um curso contrário aquele estabelecido por Deus, e assumisse o direito de usar a sua própria razão independentemente de Deus, que ele seria ‘como Deus’. Ele aceitou esta mentira, deu o seu lance pela supremacia, entronizou a sua razão em independência, e foi apanhado pela mentira.
O resultado disso foi – e é – um tremendo desenvolvimento da realização humana, por meio da qual o homem tornou-se um senhor em seu próprio direito (como ele pensa) e cego para o fato de que destruição e angústia são frutos cada vez mais crescentes de sua ciência. Tanto é assim que a questão tem sido seriamente levantada por homens em posição de perguntar se a ciência é de fato uma grande benfeitora ou uma maldição.
Deve ser lembrado que muito desemprego, com suas muitas consequentes misérias e problemas, é fruto da ciência, que tem substituído homens por máquinas, e habilidade humana por produção em massa. A mesma responsabilidade é atribuída à ciência pela capacidade de destruir os homens e a terra em escala tão imensa como era impensável há uma geração atrás. Projete o curso presente e avance algumas gerações mais, e que tipo de mundo teremos? Naturalmente o argumento não é que a ciência em si mesma é necessariamente má, mas o nosso ponto é que o homem acredita que ele está o tempo todo melhorando, quando, na verdade, não há qualquer elevação moral que corresponda ao desenvolvimento intelectual.
Este assunto não está explorado em toda medida, mas, a partir da simples indicação dada, pode-se ver que a humanidade está cavalgando numa mentira na forma de um tigre que irá despedaçá-la em pedaços. Mas a força da mentira está no fato de que o homem não a reconhece, ele está cego e em trevas quanto a sua natureza e origem. Isso tudo é o ódio do diabo contra Deus.
Um cientista tem dito: “Tanto a história quanto a ciência nos dá garantia para crer que a humanidade tem feito grandes avanços em acumulando conhecimento e experiência, e em inventando instrumentos de subsistência, e o valor disso é incontestável. Mas eles não constituem real progresso na natureza humana em si, e, na ausência de tal progresso, esses ganhos são externos, precários, e sujeitos a se voltarem à nossa própria destruição”.
Da simples indicação dada se pode ver com segurança que a humanidade vai cavalgando sobre uma mentira sob a forma de um tigre que a despedaçará.
Mas a força da mentira reside no fato de que o homem não a reconhece; ele está cego e em escuridão quanto a sua natureza e origem. Este é todo o rancor do diabo contra Deus.
b) A inimizade é estabelecida
O mesmo é verdade em relação à inimizade. Ela nunca é uma grande distância do interesse pessoal e da realização própria até a guerra e o derramamento de sangue. Não temos muita história entre a escolha de Adão pela glória e o assassinato cometido por Caim contra seu irmão. Os dois casos são um em princípio. Seja em casos individuais, como no início, seja no caso de milhões engajados na destruição uns dos outros, a raiz é o desejo do homem em adquirir. O nome Caim significa ganância, possessividade.
Devemos ser muito honestos sobre isto. A igreja cristã não é exceção a esta regra. Cristãos têm se dividido em milhares de partes, e muitos delas são antagônicas umas às outras, ou, pelo menos, distantemente desconfiadas uma das outras. A inimizade entre os crentes é vista até mesmo no Novo Testamento. É a obra do Diabo de sempre, mas até mesmo o Diabo precisa ter o seu terreno. Isto ele tem na velha criatura do homem.
Cada divisão entre o povo de Deus é – em essência – a mesma que as inimizades do mundo sem Deus. Tem a sua origem em algum elemento da velha criação de auto afirmar-se. Nunca houve – nem haverá – uma divisão cristã entre os cristãos. Toda divisão é, de alguma forma, uma negação e uma contradição em relação a Cristo. A causa aparente pode não ser uma sensualidade ardente, mas, contudo, será qualquer outra coisa, menos Cristo. A inimizade é uma marca comunhão quebrada com Deus; vamos deixá-la aí por ora.
c) Morte
A Terceira marca desta união com Deus destruída é a morte. Se a vida é o perfeito ajustamento e harmonia do homem com Deus, então o homem não possui vida. O novo testamento evidencia isto, não argumenta. Morte não é – no senso bíblico – cessação da existência, nem é um estado inanimação. É apenas uma separação da fonte da vida verdadeira, com toda a incapacitação que esta separação implica. Morte espiritual é algo poderosamente muito ativo, e, em relação a todas as coisas que se referem a vontade de Deus, ela resulta num poderoso ‘não pode’.
Para a realização de todos os propósitos desígnios de Deus, e a constituição da criação que ele pretende, a obtenção de sua própria vida divina e não criada é fundamental. O homem, por natureza, não possui esta vida, e o humanismo é uma das formas mais sutis e populares – e a mais devastadora – das mentiras do Diabo. Por esta razão o homem, na condição em que se encontra, não pode ver o reino de Deus. A união com Deus é uma questão de possuir a vida de Deus. Esta provisão é transmitida por meio do novo nascimento. Desta forma somos levados tanto para a pessoa como para a cruz de Cristo.
Uma nova humanidade em Cristo
Embora aí ainda permaneçam profundidades imensas e perigosas até mesmo para pessoas iluminadas de Deus tentarem explorá-las, uma coisa que é clara como conclusão é que a Encarnação teve o objetivo de estabelecer a união entre Deus e o homem, e entre o homem e Deus, esta é a intenção divina. Aqui temos o próprio Deus se unindo com o homem. Mas – e que fique bem entendido – não com o homem picador, ou com a humanidade caída. Deus preparou aquele corpo – ‘aquele corpo santo’ (Heb. 10:5; Luc 1:35).
Quando Cristo veio a este mundo, com Ele veio uma humanidade que – embora sendo humanidade – era diferente de todo o resto. Havia, assim, duas humanidades, uma representada unicamente por esta Pessoa solitária; a outra, por todos os demais homens. Mas mesmo neste caso, sua humanidade era apenas uma humanidade probatória. Visto que, como o princípio animador de seu ser físico era o sangue, Ele estava sujeito ao cansaço, à fome, e à sede, e, portanto, capaz de morrer e ver a corrupção.
O fato de ele ter morrido e não ter visto a corrupção deveu-se à intervenção soberana de Deus, e por causa da perfeição moral – ou santidade – de Sua natureza. "Não permitirás que o Teu Santo veja a corrupção" (Ps. 16:10). A condição probatória de Cristo relacionou-se completamente com sua vocação redentora. Quando esta foi realizada, ele ainda tinha um corpo humano, porém não mais animado pelo princípio do sangue. Agora – embora um corpo – é um ‘corpo espiritual’, e, portanto, um corpo glorificado. Não é à semelhança do corpo do Cristo terreno, antes da ressurreição, que seremos conformados, mas "ao Seu corpo glorioso" ou "corpo de glória!"
Estamos dizendo que em Cristo, Deus e o homem vem juntos, mas num homem completamente diferente do que somos. Este é o porquê de a união com Deus – que é a maior revelação da Bíblia, revelada conclusivamente no novo testamento – ser sempre e somente em Cristo. Até que passemos para a base da vida ressurreta, esta união será sempre uma posição de fé nele; não é algo presente em nossa carne mortal. Falaremos mais sobre isso mais tarde. Em Cristo Deus tem a sua perfeita satisfação, e por causa disso tem ele se comprometido com Cristo. A união é perfeita.
A mentira, inimizade, e a morte anulada em Cristo
Mas isto implica ou pressupõe que o triplo resultado e marca da união interrompida é absolutamente descartada e não existe mais em Cristo. Ou, colocando de outra forma, Cristo é o oposto e a negação da mentira, da inimizade, e da morte. Assim, esta é a revelação mais espiritual e celestial de Cristo, como dada no evangelho de João, em termos de vida, luz e amor.
Luz e verdade são nomes permutáveis. Neste registro Cristo torna estas coisas mais do que abstrações, ele as torna pessoais, e diz: ‘Eu sou isso’. Nele não há escuridão, sombra, mentira, ou falta de transparência. Em sua natureza não há inimizade, disputa, divisão, ou hostilidade, nem em sua atitude ou relação com os homens – como homens– (somente com o mal no mundo e no homem). Nele não há separação da fonte da vida. Ele pode dizer: ‘Eu sou a ressurreição e a vida’ (João 11:25).
Toda a negação dos resultados da união quebrada com Deus foi porque não havia interesse pessoal Nele. Pode ser facilmente ser visto que todo o esforço do Diabo – em suas muitas formas – foi no sentido de tentar fazê-lo agir na linha do EU, do interesse pessoal, da realização pessoal, da defesa pessoal, da preservação pessoal, da auto piedade, da independência, do recurso próprio, etc., etc. Ter sido o inimigo bem sucedido nesta questão em qualquer ponto teria sido colocar uma rachadura entre Deus e o novo homem, derrotando, assim, todo o plano da redenção. Mas o terreno puro da mais absoluta abnegação foi mantido a grande custo, e por meio da prova mais ardente, e o príncipe do mundo ficou impotente. A união permaneceu intacta. A vida, a luz, o amor são triunfantes porque o ego é completamente negado. Mas isto tudo é somente em relação a Ele mesmo, e até aqui isto continua uma singularidade Dele. Ele permanece sozinho se a coisa parar aí.
A humanidade de Cristo compartilhada pela cruz
Assim, passamos no evangelho de João para o ponto em que certas pessoas chegam dizendo: ‘Queremos ver a Jesus’ (João 12:21). A esta inquirição ou busca Jesus faz uma réplica que significa duas coisas. Primeiro: 'Ver-me da mesma forma como as outras pessoas estão me vendo aqui e agora não é me ver, absolutamente; isto é ver e não perceber. Segundo: 'Para realmente me ver e me conhecer, uma união comigo numa forma orgânica é necessária; isto é, aquilo que é verdade sobre mim em minha relação com meu Pai e sua relação comigo deve se tornar verdade de uma forma interior em relação a vocês’.
Daí: "Em verdade, em verdade vos digo: Se o grão de trigo caindo na terra não morrer, fica ele só; mas se morrer, dá muito fruto" (João 12:24). 'Eu não vim para permanecer sozinho. O que é verdade de mim quanto à união com o Pai precisa ser verdade em relação a vocês em mim. Mas neste ponto somos levados à cruz pela Pessoa de Cristo. "Agora a minha alma está perturbada; e que direi eu? Pai, salva-me desta hora? Mas para isto vim a esta hora" (João 12:27). “E eu, quando for levantado da terra, atrairei todos a mim mesmo. Isto dizia, significando de que gênero de morte estava para morrer" (v. 32-33).
O apóstolo Paulo cobriu todo este terreno numa abrangente e esclarecedora declaração. Indicamos os pontos de ênfase. "Pois o amor de Cristo nos constrange, julgando nós isto: um morreu por todos; logo, todos morreram. E ele morreu por todos, para que os que vivem não vivam mais para si mesmos, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou." (2 Cor. 5:14-15).
Alguns têm gratuitamente traduzido da seguinte forma: "Olho para o amor de Cristo e vejo já consumada em Sua morte a morte de todos nós, à semelhança de Sua morte – a morte de tudo aquilo que nos separa de Deus."
Tudo isto é dizer muito fortemente que, para realmente conhecermos quem é Cristo, como aquele em quem Deus e o homem são trazidos juntos, precisamos chegar à cruz de uma forma experimental. Precisamos entender sua morte como sendo a nossa, e, então, também em experiência – através da fé – conhecer a vida ressurreta nele, em quem a velha vida do eu é removida.
A pessoa de Cristo iluminada pela cruz
Mas precisamos voltar um pouco atrás por um momento. Qual foi o real significado da cruz e qual foi o seu efeito? Tudo o que dissemos sobre a pessoa de Cristo era verdade sobre ele totalmente separado da cruz. Para ele não havia necessidade de cruz. Então chegou a hora, contudo, quando ele teve que se tornar o que ele em si não era. Para nos redimir, ele aquele que não conheceu o pecado foi feito pecado em nosso lugar. Neste momento ele foi colocado na posição do homem como vítima da mentira de Satanás com suas trevas.
Assim também ele se tornou, para tomar sobre si a inimizade de nosso estado caído, e nesta profunda experiência, nesta posição representativa, ele perdeu a consciência do amor do Pai. Então veio a terceira fase desta responsabilidade - a morte. Por uma terrível e eternal ‘hora’ Cristo foi separado de seu Deus – perdeu a comunhão com Ele. "Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?" (Mat. 27:46). O mistério é muito profundo para nós, mas o fato e a razão são claros e inequívocos.
Então ele morreu, ‘provou a morte’ – terrível morte, que é a plena e nua consciência e percepção da completa separação de Deus, de ser abandonado por Deus! Mas em si mesmo ele era o Filho de Deus sem pecado, e, como tal, não podia ser retido pela morte (Atos 2:24). Em virtude de sua impecabilidade essencial, ele sobreviveu à ira que repousava sobre aquilo que ele foi feito naquela hora de trevas. Ele venceu e destruiu as causas, o terreno, a força e o originador da morte.
Foi preciso muito mais do que um homem para fazer isto. "Deus estava em Cristo reconciliando o mundo consigo mesmo" (2 Cor. 5:19). Assim, na cruz toda a causa e natureza da separação de Deus foi destruída, e em Cristo ressurreto esta comunhão está perfeita para nós. "Agora, pois, nenhuma condenação há para aqueles que estão em Cristo Jesus" (Rom. 8:1).
Esta perfeita comunhão com Deus sem qualquer condenação, tornada real pela habitação do Espírito Santo dentro de nós, através do nosso crer em Cristo, é a possessão somente daqueles – mas é certamente nosso direito de nascimento – que têm chegado à cruz com a percepção da separação de Deus, com um desejo profundo de que a comunhão com ele seja restaurada, reconhecendo que o pecado é a causa. Assim, olhando para Cristo crucificado como o Autor e Consumador da salvação, eles descobrem que ele é mais do que um homem, até mesmo o homem em seu melhor. Descobrem que Nele – e somente Nele – Deus é encontrado.
Podemos nós imaginar o que Saulo de Tarsus sentiu – ele que acreditava que Jesus de Nazaré não passava de um simples homem, e um impostor entre os homens, e que foi executado como um embusteiro e blasfemador – quando viu no caminho de Damasco que esta pessoa glorificada, exaltada era o Eterno de Deus? Foi necessário um tempo na Arábia para fazer com que as implicações disso ajustassem e revolucionasse toda a sua perspectiva.
Quando enxergamos de quem era aquela cruz, isto coloca esta cruz muito distante de qualquer ideia humana de ‘morrer por ideais’, ‘morte heroica por uma grande causa’, e todas as interpretações menores e completamente inadequadas da morte de Cristo.
"Vós matastes o Príncipe da Vida" (Atos 3:15) esta foi a acusação lançada sobre os judeus pelos apóstolos. Assim, voltamos ao nosso ponto inicial. Requer-se a cruz para realmente se ver quem é Jesus; e, vendo-o verdadeiramente por meio da cruz, vemos quão grande, quão maravilhosa, sagrada e terrível é esta cruz.
Não é sem razão que Satanás sempre tenha procurado tirar de sua pessoa essencial e fazê-Lo algo menos! Não é de admirar que ele tenha tão persistentemente buscado despojar a cruz de seu verdadeiro significado! Que todos os que fazem essas coisas reconheçam de onde vem sua inspiração ou cegueira, e com quem é que eles – embora involuntariamente – estão associados.
Que os cristãos também compreendam que toda a inimizade. Falta de amor, que as divisões e contendas; todo preconceito, suspeita e cegueira spiritual, com toda morte espiritual, se deve ao fato de a cruz não ter sido compreendida corretamente. Em alguma parte a carne não crucificada está tendo terreno. É impossível ser um homem ou uma mulher verdadeiramente crucificado e, ao mesmo tempo ter interesses pessoais, ou estar em discórdia com outros filhos de Deus, e sem amor por eles. A base essencial da vida, da luz e do amor – que é Cristo em manifestação plena – é a cruz como uma realidade operante no terreno da velha criação, e o poder do Cristo ressurreto na nova criação.
Tudo isto quer dizer em outras palavras que a cruz nos traz em viva união e comunhão com Deus, e, se vivermos em pleno significado e valor desta união, seremos cartas vivas de Cristo em termos de vida, de luz e de amor. Falhar nessas coisas significa falhar em alguma parte, e, por alguma razão, em nossa relação com Deus em Cristo. A medida do nosso caminhar com ele será a medida dessas três marcas de Cristo.