Os chamados a sair

«Sair para fora de» não é uma característica mais da igreja, mas é parte de seu selo fundamental.

Rubén Chacón

Etimologia da palavra igreja

O primeiro que mencionou a igreja no Novo Testamento foi o próprio Senhor Jesus Cristo. Foi no evangelho de Mateus que o nosso Senhor, pela primeira vez, falou da igreja nos seguintes termos. Ele disse: «E sobre esta rocha edificarei a minha igreja» (16:18). Mas o que o Senhor quis dizer com a expressão «minha igreja»? A que realidade estava apontando com tal expressão? Qual era o seu conteúdo?

A fim de responder estas perguntas é interessante atentarmos, não ao sentido ordinário do termo «igreja», mas ao seu significado etimológico. A palavra «igreja» é uma transliteração do termo grego «ekklesia». Este vocábulo grego se deriva, por sua vez, de duas palavras: Da preposição «ek» que significa «para fora de»(1) e de «klesis» que significa «chamada». Portanto, a palavra igreja, em seu sentido etimológico, significa «os chamados para fora» ou como diz o título deste artigo: «Chamados a sair».

Característica essencial

A importância desta precisão linguística radica em que ela revela algo que é da essência da igreja. «Sair para fora de» não é uma característica mais da igreja, mas é parte de seu selo fundamental. Quando o Senhor Jesus Cristo disse: «Eu edificarei a minha igreja», estava dizendo, em outras palavras, que ele edificaria uma comunidade, uma assembleia, ou uma congregação de pessoas que teria como uma de suas características principais, se não a principal, o fato de estar permanentemente «saindo».

A igreja é, pois, «os que saem para fora permanentemente». Este é o seu selo, este é o seu estilo de vida. Nós, que por natureza tendemos permanentemente a nos estabelecer, pensamos que quando o Senhor disse: «Eu edificarei a assembleia dos chamados para fora» estava se referindo somente a «sair» do mundo. Mas não é assim. Pensar desta maneira seria como imaginar que os israelitas só precisavam sair do Egito para cumprir com o propósito do Senhor. Sair do Egito, embora tenha se constituído no povo do Senhor, assim como a nós «sair» do mundo nos constituiu na igreja de Jesus Cristo, no entanto, o propósito de Deus com Israel ia muito além do Egito.

A meta de Deus para Israel não era sair do Egito, mas alcançar Canaã. O interessante deste fato é que entre o Egito e Canaã houve 42 jornadas ou etapas que Israel teve que atravessar. O livro de Números a registra assim: «Estas são as jornadas dos filhos de Israel, que saíram da terra do Egito por seus exércitos, sob o mando de Moisés e Arão. Moisés escreveu as suas saídas conforme as suas jornadas por mandato do Senhor. Estas, pois, são as suas jornadas segundo os pontos de saídas» (33:1-2). Compreende? Os israelitas não apenas saíram de Ramessés (Egito), mas tiveram que sair 42 vezes antes de chegar a Canaã. O «êxodo» do Egito foi o primeiro e, possivelmente, o mais importante, mas não foi o único.

«Moisés ia anotando os nomes dos lugares de onde saíam, etapa por etapa» (Núm. 33:2: Deus Fala Hoje). Este é o critério com que Moisés escreveu este lindo livro: Ele não registrava o lugar aonde chegavam, mas o lugar de onde saíam. O que quer enfatizar é que os israelitas não deviam estabelecer-se nos lugares aonde chegavam, pois nenhum deles era a meta final.

Cada lugar representava uma experiência espiritual da qual, finalmente, teriam que sair, porque nenhuma delas em particular representava a meta final. Não somente teriam que sair de Ramessés, que espiritualmente significa «sair» do mundo, mas também daqueles outros lugares que, embora representassem boas experiências espirituais, ainda não eram, no entanto, a «chegada» final.

O escritor aos Hebreus, disse assim: «portanto, deixando já os rudimentos da doutrina de Cristo, vamos adiante à perfeição» (6:1). O apóstolo Paulo, por outro lado, disse desta maneira: «Estando persuadido disto, que o que começou em vós a boa obra, a aperfeiçoará até o dia de Jesus Cristo» (Filip. 1:6). Até quando seremos aperfeiçoados? Até o dia de sua vinda. Portanto, a igreja não deve estabelecer-se em nenhuma de suas jornadas. Seu senão permanente é sair, peregrinar e caminhar.

A tendência a nos estabelecer

Infelizmente a igreja ao longo de sua história, uma e outra vez tendeu a estabelecer-se em alguma das jornadas alcançadas. E cada vez que fez isto, imediatamente começou a secar-se e a fossilizar-se. Uma renovação que deixa de renovar-se se torna velha.

Era completamente normal que os israelitas permanecessem estabelecidos por um tempo em um determinado lugar. Mas imediatamente que a nuvem se movia, Israel levantava o seu acampamento e tornava a sair. Nós, ao contrário, tendemos a pensar que a última etapa alcançada é o clímax da vida espiritual e, em consequência disso, fazemos «enramada» e ficamos ali. Desta forma, alguns têm feito da experiência pentecostal o máximo da experiência cristã; outros fizeram da verdade do reino de Deus a meta. Alguns interpretaram Canaã como o céu. E entre todos eles, estamos nós também que entendemos que a pessoa de Cristo é a nossa Canaã.

Pela misericórdia do Senhor nós entendemos que Canaã não era outra coisa que uma alegoria do próprio Cristo. Prova disso é o que diz o escritor aos Hebreus, quando declara que «se Josué lhes tivesse dado o repouso, Deus não teria falado posteriormente de outro dia» (4:8 NVI). Mas Como! Acaso Josué não os introduziu na terra prometida? Claro que sim, mas na Canaã física; não na Canaã espiritual que é Cristo. O verdadeiro repouso é de índole espiritual e só é encontrado em Cristo.

Nós também corremos perigo

No entanto, nós também corremos o perigo de nos determos e nos estacionarmos indevidamente, pois, embora seja certo nos agarrarmos ao conhecimento do próprio Cristo como a verdade suprema, não é menos certo que o nosso conhecimento dele ainda é parcial e incompleto. Segue, pois, sendo verdade absoluta que Cristo é a Verdade; não obstante, a nossa compreensão dela é ainda relativa.

Como disse Paulo: «Estimo todas as coisas como perda pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor, por amor do qual tenho perdido tudo, e o tenho por lixo, para ganhar a Cristo… a fim de conhecer-lhe» (Filip. 3:8-10). Por isso, nem sequer em nosso caso cabe pararmos. É como se em uma viagem que tem como destino chegar ao mar, conformássemos tão somente em tocá-lo. Nesse caso, seria verdade que alcançamos a meta; no entanto, não seria menos certo que só estamos na beira do mar e que as águas apenas nos cobrem os pés. Embora seja certo dizer que estamos no mar, à imensidão dele ainda nos estaria oculta.

Assim também poderia ocorrer conosco, se depois de termos conhecido a Cristo mesmo, nos estabelecêssemos em uma medida parcial do seu conhecimento. A rigor, alcançaríamos um grau de conhecimento de Cristo e não ao próprio Cristo.

Pertinente a este respeito são as palavras do Dr. Philip Schaff, reconhecido erudito: «As divisões do cristianismo serão finalmente superadas a favor de uma mais profunda e rica harmonia, da qual Cristo é a nota principal. Nele, e por ele, todos os problemas da teologia e a história serão resolvidos. No melhor caso, um credo humano é só uma expressão aproximada e relativamente correta da verdade revelada, e pode ser melhorado com o progressivo conhecimento da igreja, enquanto que a Bíblia segue sendo perfeita e infalível. Qualquer visão que dê maior autoridade aos credos é antiprotestante e essencialmente romanizante»(2).

Portanto, até para aqueles que entendem que o conhecimento da pessoa de Cristo é a vida eterna, o mandato de seguir saindo segue vigente. Mas, se já estivermos na meta para onde teremos que sair? Pois bem, devemos ir mais profundos em Cristo, mais para dentro dele. Como disse o profeta Oséias: «E conheceremos, e prosseguiremos em conhecer o Senhor» (Os. 6:3).

Não devemos ficar somente na beira, devemos nadar nele. Mais ainda, devemos subir em um bote e entrar no mar. Melhor ainda se pudermos subir em um cruzeiro e percorrer a sua imensidão; descer às suas profundezas e admirar os seus corais e recifes; percorrer a sua flora e a sua fauna.

O ensino do livro de Josué é que Israel, depois de cruzar o Jordão, devia tomar posse de toda a terra: De seus vales e suas montanhas, de seus lagos e seus rios, sua costa e suas riquezas. Não obstante, o ensino do livro dos Juízes é que Israel foi negligente em tomar posse de toda a terra de Canaã. Conformaram-se apenas com uma parte. Inclusive duas tribos e meia nem sequer cruzaram o Jordão. Por quê? Porque tinham muito gado e Jazer e Gileade eram apropriadas para o gado (Núm. 32). Isso foi suficiente para eles. Conformaram-se com pouco. Conformaram-se com algo de Cristo, mas não com o próprio Cristo. Por algo bom, perderam o melhor.

A divisão, fruto do estancamento

Se nós deixarmos de seguir saindo para Cristo, para ir mais para as profundezas nele, não só secaremos e nos tornaremos velhos, mas também seremos presas fácil do flagelo da divisão. Se não aprendermos da história, estaremos destinados a repetir os seus enganos.

Toda vez que a igreja deixou de prosseguir «em Cristo» até Cristo, tornou-se decadente e a morte espiritual começou a fazer seu trabalho nela. Mas, como a vida de Cristo que está nela não pode ser retida pela morte, cedo ou tarde ela termina rompendo toda barreira e estruturação que se faz da igreja.

Assim, no passado, «os valdenses, luteranos, presbiterianos, metodistas, salvacionistas e outros tantos, saíram do seio da igreja para formar outra mais pura». E em 1909, o irmão Hoover acrescenta: «Os pentecostais são os últimos até a data»(3). A ilustração deste ponto termina na história da igreja metodista. A igreja Metodista havia surgido do avivamento que trouxe para a Inglaterra, no século dezoito, o ministério do até esse momento anglicano John Wesley (1703-1791). No entanto, a condição espiritual da igreja Metodista Episcopal do Chile era deplorável no início do século XX.

Assim, ao redor de cem anos depois, um novo avivamento visitou, agora, à igreja metodista e surgiu uma nova igreja, a igreja Metodista Pentecostal. Por isso, cabe a pergunta: O resultado de um novo avivamento terá que ser uma nova igreja que, em cem anos mais, estará outra vez necessitada de um novo avivamento? Não lhes parece que aqui há algo estranho? Não será que quando Deus nos visita não conseguimos entender exatamente o que ele quer fazer? Estou convencido que sempre ficamos estreitados na hora de responder à visitação de Deus.

Então, que o Senhor nos livre de pararmos no meio do caminho e, como disse Paulo, não pretendamos havê-lo alcançado, mas estendendo ao que está adiante, prossigamos para o alvo! Que assim seja!

Notas

1 O sentido da preposição é «de dentro para fora».
2 «Azusa Street», pág. 251.
3 W. C. Hoover, «História do Avivamento Pentecostal no Chile», 6ª edição, pág. 112.

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