A tragédia de edificar sobre a areia

O Sermão do Monte toca assuntos tão essenciais, que podem fazer a diferença entre a vida e a morte, a ruína e a vitória, para a sua igreja.

Rodrigo Abarca

«Qualquer, pois, que ouve estas minhas palavras, e as pratica, compararei a um homem prudente, que edificou a sua casa sobre a rocha. Desceu chuva, e vieram rios, e sopraram ventos, e bateram contra aquela casa; e não caiu, porque estava fundada sobre a rocha. Mas qualquer que ouve estas minhas palavras e não as pratica, compararei a um homem insensato, que edificou a sua casa sobre a areia; e desceu chuva, e vieram rios, e sopraram ventos, e deram com ímpeto contra aquela casa; e caiu, e foi grande a sua ruína. E quando terminou Jesus estas palavras, as pessoas se admiravam da sua doutrina; porque lhes ensinava como quem tem autoridade, e não como os escribas» (Mat. 7:24).

Com estas palavras, o Senhor termina o grande discurso dos capítulos 5 a 7 de Mateus, conhecido como o Sermão do Monte.

Através da história, a igreja do Senhor teve muitas diferenças na hora de entender e interpretar esta passagem, inclusive até o dia de hoje. Há cristãos que, diante da dificuldade de aplicar este ensino as suas vidas e à vida da igreja, chegaram à conclusão de que o propósito do Senhor aqui não é mostrar o tipo de vida que somos chamados a viver, mas, de alguma maneira, nos levar a um estado de impotência, mostrando que nós não podemos viver a vida cristã e que, portanto, necessitamos do socorro da graça de Deus. O Sermão, em si mesmo, seria uma norma muito elevada para se cumprir.

Outros dizem que estas palavras do Senhor foram destinadas a Israel como povo de Deus. Se Israel tivesse recebido o reino de Deus, seria chamado a viver e a aplicar o Sermão do Monte. Mas, visto que eles rejeitaram o reino, e este foi dado aos gentios, a plena aplicação destas palavras está reservada para o milênio, quando então sim, Israel volta a receber o reino de Deus.

Mas, irmãos amados, creio que tal interpretação tem roubado da igreja uma gigantesca riqueza. Porque, se vocês lerem com atenção esta passagem, verão que o Senhor está dizendo que as suas palavras e o praticar o que ele ensinou em sua mensagem são assuntos tão essenciais, que podem fazer a diferença entre a vida e a morte, a ruína e a vitória, para a sua igreja.

Um fundamento de rocha ou areia

Somente nos fixando na história que o Senhor relata, sem ainda interpretá-la, de uma casa edificada sobre a areia e outra edificada sobre a rocha, você pode ver as consequências. Ambas são atacadas pelos mesmos elementos da natureza; rios, ventos e chuvas batem com ímpeto contra elas, mas uma está edificada sobre a rocha, e resiste e permanece, e a outra, edificada sobre a areia, que cai. E não só cai, mas o Senhor acrescenta: «…e foi grande a sua ruína». Não foi uma simples queda, mas sua ruína total.

O Senhor nos diz que isso tem haver com a maneira em que respondemos as suas palavras. As palavras que ele nos deu têm como propósito produzir estes resultados. Versículo 21: «Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor, entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus». E no capítulo 6, quando nos fala da oração: «Pai nosso que estás nos céus, santificado seja o teu nome. Venha o teu reino. Faça-se a tua vontade, assim na terra, como também nos céus» (V. 8-10).

Observe aqui o que ele disse: «Nem todo aquele que me diz: Senhor, Senhor». É possível viver uma vida crendo em servir e agradar a Deus, pensando que fazemos a sua vontade e encontrar, no final de tudo, que não foi assim.

Por que o Senhor pode chegar a dizer a alguém: «Não te conheço»? Nós sabemos que Deus é onisciente e que, logicamente, ele conhece tudo e a todos; portanto, não se refere a esse tipo de conhecimento. Ali você deve melhor ler assim: «Não vos reconheço; não reconheço nada meu em vocês». Esse é o sentido real de suas palavras. «Tudo aquilo vocês fizeram; mas eu não estava ali». Em outras palavras, é possível crer que vivemos a vida cristã sem que o Senhor esteja presente naquilo que nós cremos estar fazendo para ele. Esta é a solene advertência do Sermão. Por isso, esta última parábola é o broche de ouro que fecha a mensagem. Que o Espírito do Senhor nos ajude a entender bem o sentido.

No entanto, não é uma acusação. O Sermão não foi dado para nos acusar nem para nos condenar, como tantos pensaram no passado. O propósito do Senhor é nos dar vida através de suas palavras. Veja Mateus 6:33: «Mas procureis primeiro o reino de Deus e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas». A vontade do Senhor é que ponhamos em primeiro lugar, como foco absoluto de nossa vida, a busca do seu reino divino.

As palavras da parábola, então, estão dirigidas a nós. Mateus 5:1-2 diz: «Vendo a multidão, subiu ao monte; e sentando-se, vieram a ele os seus discípulos. E abrindo a sua boca ensinava». A quem ensinava? Aos seus discípulos, a aqueles que vão após ele. Não são palavras dirigidas ao mundo ou a um hipotético Israel do futuro.

A primeira parte do Sermão nos dá a chave do sentido da palavra do Senhor. Sua primeira palavra é: «Bem-aventurados…». A palavra bem-aventurados significa «extremamente felizes». Em outras palavras, o Senhor quer que sejamos ditosos. Em seguida, a bem-aventurança tem haver com a bênção plena de Deus. Se você começar a lê-las, verá que se referem a cada um de nós.

Mas, o que significa sermos seus discípulos? O Senhor Jesus disse: «Se alguém quer ser meu discípulo, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz, e siga-me». Há apenas um caminho para sermos discípulos. E em seguida acrescenta: «Porque todo aquele que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; e todo aquele que perder a sua vida por causa de mim, achá-la-á».

As palavras do Senhor são extraordinárias, mas também terríveis, como uma luz que parte as trevas em duas, separando de maneira irreconciliável duas coisas que jamais podem caminhar juntas. Para sermos seus discípulos, há um só caminho: negar-nos a nós mesmos, e perder a nossa vida para achá-la.

Mas o ponto não é simplesmente perder a vida. Se pensarmos que o chamado para sermos seus discípulos significa apenas isto, então não entendemos a chamada do Senhor. O Senhor disse: «aquele que perder a sua vida, achá-la-á», e a achará em uma dimensão imensamente superior a aquela que perdeu. Ditosos aqueles que o fazem; porque, para receber a plena bem-aventurança do evangelho e das palavras de Cristo, você tem que perder a sua vida, e então achará a Cristo como sua vida.

Por isso, o Senhor disse: «Aquele que ouve as minhas palavras e não as pratica…», porque praticando as suas palavras é como nos apropriarmos de todas as riquezas de sua glória, poder e autoridade. Se guardarmos e praticarmos as suas palavras, somos como o homem que edifica a sua casa sobre a rocha; mas, se não a praticarmos, somos como aquele que a edifica sobre a areia.

Depois do terremoto de 27 de fevereiro, que já fazem dois anos, viajamos a Concepção para visitar os irmãos e levar-lhes alguma ajuda. Ao chegarmos, cruzamos o rio Biobío no lugar onde estava aquele grande edifício que caiu por completo. Ao vê-lo, pensei nesta parábola. Esse edifício foi construído sobre as ribeiras do rio, que são de areia, e não foi cavado o suficiente para firmar os alicerces na rocha, por baixo da areia, e quando veio o sismo, o edifício procurou uma maneira de assentar-se, afundou-se na areia e então caiu. E como diz a Escritura: «…foi grande a sua ruína».

Significado da rocha e da areia

O que podem significar para nós a areia e a rocha? Vejamos Efésios 2:1-2: «E ele vos deu vida, quando estáveis mortos em vossos delitos e pecados, nos quais andastes em outro tempo, seguindo a corrente deste mundo, conforme o príncipe da potestade do ar, o espírito que agora opera nos filhos da desobediência».

Observe onde todos nós começamos e onde o Senhor nos encontrou. Estávamos perdidos, sem esperança e sem Deus, agoniados pelo peso do pecado e pela dominação de Satanás, destinados à morte e a uma condenação de eterna separação de Deus. Ali ele veio a nós. E segue: «…todos nós vivemos em outro tempo nos desejos da nossa carne». Assim vivem todos os homens deste mundo, «fazendo a vontade da carne e dos pensamentos …  alheios da vida de Deus». Deus não faz parte da sua vida. Eles apenas seguem a vontade de sua carne e dos seus pensamentos.

Assim nós vivíamos. Estávamos longe de Deus, «…e éramos por natureza filhos da ira, o mesmo que os demais», fazendo o que o príncipe da potestade do ar queria que fizéssemos.

Hoje, no mundo, cada um vive a sua vida a sua maneira. Quando você vê às pessoas do mundo, vangloriando-se de serem livres e usarem os seus direitos e sua liberdade, lembre que não estão mais que obedecendo a aquele que engana o mundo inteiro. Não têm nenhum poder contra esse príncipe. Assim nós, estávamos completamente sob o seu poder, seu império de escuridão, angústia, dor e morte.

No entanto, veja o versículo 4. Aqui há um grande «Mas», que vem dos céus, um ponto final, uma objeção que o diabo não poderá jamais responder. Deus tem dito: «Mas…». Nem tudo termina aí. A morte, a enfermidade, a angústia, o pecado, não são o final de tudo.

«Mas Deus, que é rico em misericórdia…». Deus não é apenas misericordioso; ele tem abundante e infinita misericórdia. Esse é o nosso Deus! Misericórdia significa que Deus se compadece de você quando você não merece. Quando você o ofendeu, quanto mais rejeitou os seus caminhos e a sua vontade, mais misericordioso é Deus. Que maravilhoso é o Senhor!

Há um tempo atrás, li a vida de um homem chamado John Newton (1725-1807), autor daquele precioso hino «Amazing Grace» (‘Sublime graça’ ou ‘Maravilhosa graça’), que é cantado até o dia de hoje. Newton era um homem ímpio que se propôs tirar Deus da sua vida e da sua mente a qualquer preço. Quando descobriu que a blasfêmia contra o Espírito Santo era imperdoável, dedicou-se a proferir as blasfêmias mais terríveis contra o Espírito Santo, e se converteu em um traficante de escravos, um homem perverso, um assassino.

Mas um dia, quando o seu navio afundava em meio a uma tormenta e já não havia esperança, amarrou-se ao mastro para que as ondas não o arrastassem para fora do navio. E, enquanto estava ali, depois de doze dias de tormenta, o Espírito do Senhor começou a falar com aquele homem blasfemo que tinha afastado a tantos cristãos da fé. Enquanto esperava a morte, o Espírito Santo trouxe para a sua mente os cânticos que sua mãe lhe cantava quando menino: «Cristo me ama, bem sei». E nesse momento, a dureza do seu coração, a amargura e o ódio que sentia contra Deus, começaram a derreter-se como cera. E sentiu que, apesar de tudo, Deus o amava.

Preso ao mastro do seu navio, esse homem se arrependeu e encontrou a salvação. E quando voltou para terra, deixou o negócio de escravos, converteu-se em um pastor e escreveu alguns dos hinos mais maravilhosos que até hoje cantamos: «Sublime graça do Senhor, que um dia salvou a um miserável como eu». Não é maravilhosa a misericórdia de Deus? Aquele que tinha traficado se converteu no campeão da emancipação dos escravos, e lutou junto a William Wilberforce (1759-1833), até que obteve a abolição da escravidão na Inglaterra. Isso é o que a graça do Senhor faz.

«Mas Deus, que é rico em misericórdia, por seu grande amor com que nos amou, estando nós ainda mortos em pecados… nos deu vida juntamente com Cristo … e juntamente com ele nos ressuscitou…». Preste atenção a isto. O importante de tudo isto não é você. Quando vemos a graça e a misericórdia de Deus para conosco e o grande amor com que nos amou, tendemos a pensar que somos o centro de todo o assunto; mas não somos. O que importa aqui é «com ele» e «nele». Em Cristo e com Cristo.

«Porque somos feitura sua…». Essa palavra aqui é muito mais do que aparece em nossa tradução. No grego é, literalmente, «seu poema». Quer dizer que somos uma obra de arte de Deus. Você já viu uma obra de arte supremamente realizada? Já leu um livro ou um poema que tenha tocado profundamente o seu ser? Já ouviu uma música que lhe tirou o fôlego? Assim é uma obra de arte. Este é o sentido desta palavra: Deus quer fazer de nós um poema, uma obra de tal magnitude, que assombre a toda a criação quando a contemplar; para mostrar nela a grandeza, a glória, a magnificência de sua graça, misericórdia e amor em Cristo Jesus.

«…criados em Cristo Jesus para as boas obras…». Aqui não fala de boas obras no sentido tradicional: ‘Ah, Deus quer que eu faça coisas boas’. Não. Estas obras se referem à demonstração de quem é Cristo, em nós, «…as quais Deus preparou de antemão para que andássemos nelas». Isto não é maravilhoso?

Tendo em mente o que vimos anteriormente, tratemos de entender agora a passagem de Mateus. Quem é o homem que edifica a sua casa sobre a areia, e quem é o homem que edifica a sua sobre a rocha?

A areia aqui não representa outra coisa que a vida na carne: Os desejos, os pensamentos e a vontade da carne. É nossa vida natural, da alma, isto é, tudo o que nós somos além de Deus. Nossos desejos, inclinações, gostos e afetos, as coisas que amamos ou rejeitamos, nossos hábitos e caráter, o bom e o mau; tudo isto junto é a carne.

Esta era a nossa condição quando viemos ao Senhor. Chegamos trazendo conosco um enorme fardo. Por isso, o Senhor disse: «Se alguém quer ser meu discípulo, tome a sua cruz e negue-se a si mesmo». Esse «negue-se a si mesmo» é o tratamento de Deus para a nossa carne. O ponto central aqui é que o Senhor quer nos fazer entender quão aborrecível a seus olhos é a nossa carne.

Talvez você não creia assim. Possivelmente creia que em você, em sua vida natural, há coisas que não são tão más. Mas o Senhor está ensinando aqui que, se você edificar sobre a areia, quer dizer, sobre a sua carne, sua vida se dirige para a ruína.

Muitos de nós temos dificuldades para entender estas palavras do Senhor. Ele quer que vivamos uma vida de plenitude. Ele nos proveu uma vida completa, que vai além do que nós entendemos ou imaginamos. A vida que o Senhor quer para nós supera todas as nossas expectativas. Tudo o que você sonhou alguma vez é pouco comparado com o que Deus nos deu em Cristo.

Deus quer em nós uma vida assentada nos lugares celestiais; uma vida de vitória e de glória; uma vida que seja a demonstração de quão suficiente é Cristo para todas as necessidades da vida humana, que demonstre que é Cristo quem enche, satisfaz e completa a vida humana. Isto é o que significa edificar sobre a rocha. Estamos vivendo essa vida, sentados com Cristo nos lugares celestiais e experimentando a sua glória dia após dia?

No século passado, um irmão chamado A. B. Simpson tinha servido por muito tempo ao Senhor, mas não estava satisfeito com a sua vida. Ele era pastor em uma igreja muito grande em Chicago, mas sua vida foi se tornando cada dia mais vazia. Não via frutos em seu ministério, enquanto lutava para levantar a condição espiritual dos irmãos. Estes, inclusive se organizaram para tirá-lo do seu cargo, pois o achavam muito exigente. Chegou um momento em que a sua vida começou a desmoronar, e a adoecer. Simpson tinha 37 anos. Ele foi ver o médico, que lhe disse: «Você tem uma enfermidade do coração de que nunca vai se recuperar; assim lhe recomendo que vá para o campo e deixe para sempre o ministério, porque seguindo desta maneira, morrerá muito em breve».

Quando Simpson soube disso, sentiu-se arrasado e começou a buscar o Senhor. Então pôde ver até que ponto a sua carne, força e sabedoria tinha sido o motor de sua vida até esse dia. E então descobriu que Cristo era suficiente.

O lema de Simpson era: «Cristo salva, Cristo santifica, Cristo sara e Cristo virá». Hoje, isto pode parecer um simples slogan, mas para Simpson foram realidades que o salvaram e mudaram a sua vida para sempre. Ele descobriu que Cristo não só era suficiente para salvar, mas para curar e para nos dar uma vida de poder e vitória. Sim, Simpson sarou e viveu 50 anos a mais pregando o evangelho.

Cristo é suficiente e pleno. Tudo o que necessitamos para esta vida e para toda a eternidade é a Cristo, e a igreja foi chamada para ser a demonstração deste fato.

Tratando com a nossa carne

Então, quando o Senhor ensina esta parábola, o que é o que ele quer dizer? O grande obstáculo que nos impede de nos apropriarmos da vida plena em Cristo é a nossa carne; porque somos indulgentes, seguimos confiando nela, e recusamos que o Espírito Santo trate com ela. Visto que não permitimos o tratamento profundo e radical da cruz com a nossa carne, recusamos viver a vida do Espírito.

O Sermão do Monte nos fala de uma vida vivida para a carne e como o Senhor nos chama a deixar para trás essa vida. Alguns exemplos rápidos: Ele diz, quando fala sobre a ira: «Ouviram que foi dito aos antigos: Não matarás; e qualquer que matar será culpado de juízo. Mas eu vos digo que qualquer que se irar contra seu irmão…». Quem se ira contra o irmão? A nossa carne, que se sente ofendida ou humilhada. Você crê que o Senhor Jesus que vive em você se sente ofendido ou humilhado? Não se lembra por acaso as palavras: «Deus, que é rico em misericórdia»? Quando você desprezou a Deus, não fez caso dele, e o ofendeu de tantas formas, o que Deus fez com você? Zangou-se, aborreceu-o, destruiu-o? Amou-o! Esse é o nosso Senhor; esta é a vida que temos que viver e se expressar em nós.

A carne se ofende facilmente, e se sente desprezada e desconsiderada. Se você der lugar à carne e não a traz em submissão sob o poder do Espírito, você está edificando sobre a areia. Quantos de nós dizemos: «Não, isto é algo pequeno; vou deixar passar»; mas estamos dando lugar à carne, sem permitir que o Espírito tome essa coisa ‘pequena’ e a ponha sob o poder da cruz. Assim, estamos edificando a nossa vida sobre a areia.

Mas existe algo ainda mais terrível com respeito à carne: ela foi amaldiçoada por Deus, e está sob condenação; jamais poderá prosperar, pois está destinada a ser destruída para sempre. Se você semear na carne, diz a Escritura, ceifará corrupção e ruína, porque há uma maldição definitiva de Deus sobre os desejos, as obras e a vontade da carne, e esta jamais poderá prosperar.

Por isso, o Senhor diz no versículo 23: «Se trouxeres a tua oferta para o altar…». Tratemos de extrair o pensamento evangélico aqui. O Senhor não se refere a quando alguém vem a reunião da igreja e traz a sua oferta. Aqui estamos no contexto do judaísmo. No Antigo Pacto, se você era pobre, podia trazer uma pomba; se era rico, podia trazer um cordeiro; mas, qualquer que fosse a oferta, você demonstrava a sua devoção a Deus. Você, de fato, estava se consagrando a Deus.

Reconciliando-se

Agora, imagine que você está em um momento de suma devoção e consagração a Deus, «…e ali te lembrares que teu irmão tem algo contra ti…». O que disse o Senhor? «Deixa a tua oferta…». Esqueça-se disso, embora pareça o mais importante; este outro é muito mais importante. Procuremos, como resultado, entender o Sermão do Monte de maneira correta: O Senhor não está pondo uma carga que ninguém pode carregar, mas nos ensinando a ver as coisas da perspectiva do céu. Quando você, pela graça e o poder do Espírito Santo, começa a ver as coisas dessa perspectiva, então recebe o poder para atuar segundo essa perspectiva.

Tratemos de pô-lo em um contexto mais atual, embora possa ser bastante difícil. Quando você vai à frente, na ceia do Senhor, e chega o momento de dar graças e partir o pão, isto poderia ser equivalente em importância. E, no momento em que você parte o pão, lembra que seu irmão tem algo contra você, então o Senhor diz: «Deixa o que está fazendo, vai e se reconcilie com teu irmão». Este é o sentido.

Em outras palavras, o Senhor está nos dizendo que isto é tão importante que, se você deixar de lado, está em perigo de trazer a ruína completa a sua vida. Então, não se distraia com o pensamento de que aquilo é algo sem importância.

Cortando e lançando

«Ouviram que foi dito: Não cometerás adultério. Mas eu vos digo que qualquer que olhar para uma mulher para cobiçá-la, já adulterou com ela em seu coração» (Mat. 5:27-28). Vivemos em uma cultura que somos rodeados de adultério, fornicação e pornografia. É o pão de todos os dias. Mas, o que é que o Senhor está tratando aqui? O que ele faz é nos ensinar a tratar com a raiz do problema. Onde começa o adultério? Nos desejos do coração.

Então, aqui estão as palavras que são a chave do que o Senhor ensina: «portanto, se teu olho direito te fizer tropeçar, tira-o, e lança-o de ti; pois melhor te é que se perca um dos seus membros, e não que todo o teu corpo seja lançado no inferno» (V. 29). O olho direito é um elemento vital da visão; sem ele, você virtualmente não poderia viver. Mas o Senhor não quer dizer literalmente que temos que tirar o nosso olho, porque isso não mudaria nada. O que ele quer dizer é que, tratando-se destas coisas como o adultério e outros pecados similares, você tem que ser tão radical como se equivalesse a cortar uma mão, para evitá-lo.

Há algo que tem se tornado uma ocasião para você cair? Se acontecer, você vai pôr em jogo a sua vida com Cristo por isso? Alguns irmãos nos dizem: «Eu tenho problemas com este pecado». E ao conversar com eles, podemos notar que o problema é que veem coisas que não devem ver, veem filmes que não devem ver, leem coisas que não devem ler, conversam coisas que não devem conversar ou têm amigos que não deveriam ter.

Se o teu amigo pode te levar a cair, já sabe o que diz o Senhor. Qual é o caminho? Corta-o, lança-o, aparta-te! Porque o que está em jogo é a tua vida com o Senhor. Não creia que pode brincar com a carne sem que te aconteça nada. Pior ainda, outro pode pensar: «Posso olhar, e depois o Senhor me perdoa». Cuidado! Está brincando com fogo. O Senhor diz: «Isto é tão grave que, se tratasse inclusive de sua mão direita, seria melhor que a cortasse e lançasse de ti». A isso se refere o Senhor quando diz: «Negue-se a si mesmo».

Satanás opera sobre a carne

O ponto central em Mateus 6:5 é o tratamento com a carne. Ela é o grande obstáculo para a vida plena em Cristo. Tem que chegar o momento em que você perceba claramente que este é o problema. Temos que ser levados pelo Espírito a descobrir que a carne é o problema, e que, na medida em que somos indulgentes com ela, damos lugar para que Satanás ataque a nossa vida.

Por isso, observe a figura na parábola: Uma casa está edificada sobre a areia e outra, sobre a rocha, mas contra ambas vem o vento, a chuva e os rios. Tudo isto representa os ataques do inimigo. Não importa qual seja a nossa condição, sempre estaremos expostos aos seus ataques. E se a sua vida não está fundada na rocha, e não tem raízes profundas em Cristo, se arruinará por completo.

Quantos de nós, quando sopra de frente aquela tribulação que nunca esperamos, para a qual algumas vezes estamos preparados, damo-nos conta, muito tarde, que não temos recursos e que não temos nada real a que nos agarrar, e nos afundamos? Isto é porque edificamos sobre a areia.

Às vezes ocorre que estamos tão dormidos ou sonolentos que não notamos o que está acontecendo ao nosso redor. A igreja se encontra debaixo de um ataque enorme das trevas. O Senhor Jesus sabia isto. A igreja possui em si mesmo o testemunho da vida ressuscitada e ascendida de Cristo e por isso se torna o alvo diante dos poderes das trevas.

Satanás tentará destruir a igreja a qualquer preço. Isto não é uma brincadeira; há uma batalha pelo testemunho de Deus, mas é o próprio Deus quem permite que ocorra a batalha, porque Satanás não poderia tocar à igreja se Deus não o permitisse. No entanto, por que Deus permite que isso ocorra? Porque a carne deve ser despida através do conflito.

Há algo de sua vida que você alguma vez deixou que o Senhor tocasse? O que o Sermão do Monte quer nos mostrar é que o Senhor tem que estar em todos os aspectos da nossa vida. Você não pode deixar o Senhor fora de nenhum deles: a relação com as pessoas, a ira, a irritação, o adultério, a fornicação, as riquezas.

Há irmãos que não deixam que Deus intervenha na administração do seu dinheiro, que não deixam que o Espírito de Deus tome o governo dos seus recursos, pois põem a sua confiança no que têm e não no Senhor. Você não deixa que o Espírito do Senhor governe a sua vida financeira porque confia mais em seus próprios recursos do que no Senhor; quer dizer, você confia em sua carne.

«Não ajunteis tesouros na terra… mais ajunteis tesouro no céu». Tudo isto nos fala de uma vida onde Deus está presente e conduzindo tudo, e tem que ser com tudo. Esta é a vida em Cristo, a rocha eterna.

A centralidade da oração

Se seguirmos lendo o sermão, chegamos à oração. O que é a oração, então? Um irmão nos lembra que a oração não é simplesmente um momento específico onde você se relaciona com Deus, pela manhã ou a tarde, ou em uma reunião com os irmãos. Para muitos de nós, a oração é uma espécie de boa obra, algo que fazemos para agradar a Deus.

Mas, se você prestar atenção, irá notar que o sentido da oração é completamente diferente. A oração é o ar, a respiração dos santos. Nós somos chamados para viver uma vida de oração contínua e constante. Sabe por quê? Porque a oração é comunhão e intimidade com Deus. Por isso, o Senhor começa dizendo assim: «Pai nosso que estais nos céus, santificado seja o teu nome. Venha o teu reino».

O que estamos pedindo ao orar desta maneira? Que a presença, recursos, e autoridade do céu, segundo a vontade eterna de Deus, venha e se realize através de nós. Lembrem que Jesus disse a Pedro: «dar-te-ei as chaves do reino dos céus». Sabe o que significa isto? Que a oração é a maneira em que a igreja vive no reino de Deus, sob um céu aberto. Quando a igreja vive uma vida de oração constante, então o céu se abre sobre ela, e o reino de Deus desce através dela.

A oração que o Senhor nos ensinou a orar não se refere a uma ação repetitiva ou esporádica, mas a uma vida de constante comunhão e dependência do Senhor; uma vida em que o céu e a terra estão em permanente relação e interação. Essa é a vida que o Senhor nos chamou para viver; uma vida onde a presença de Deus e sua glória estão constantemente em nós.

Quando Paulo disse: «Com Cristo estou junto crucificado, e já não vivo eu, mas Cristo vive em mim», quis dizer: «Agora, o que eu penso, o que sinto, o que falo, são os pensamentos, sentimentos e palavras de Cristo». «Cristo vive em mim» não é simplesmente uma verdade posicional e objetiva; é algo muito mais íntimo, que tem raízes profundas: «Eu sinto os sentimentos de Cristo e meus desejos são os desejos de Cristo. Cristo vive em mim e através de mim».

A única maneira para isto se tornar real é através de uma vida de oração, de constante comunhão com Deus. Esse é o sentido da oração, e por isso está no centro do Sermão do Monte. Em outras palavras, você jamais poderia viver as palavras que o Senhor ensinou nele, a não ser que viva uma vida de oração diante de Deus.

‘Ateísmo prático’

Então, sobre qual fundamento estamos edificando? Onde estamos pondo a nossa segurança? Pois existe na igreja uma espécie de ‘ateísmo prático’, onde Deus parece estar ausente de nossa experiência cotidiana. Vivemos uma vida constantemente na presença de Deus, ou vivemos uma vida de ausência dele? Como vivemos na verdade?

A Escritura sempre nos fala do Deus vivo. Nosso Deus é um Deus vivo; relacionamo-nos com um Deus vivo, real e verdadeiro, com o qual nos comunicamos, não em um certo tempo, mas de forma permanente. A isso o Senhor se refere com edificar a nossa casa sobre a rocha e não sobre a areia.

Você pode examinar a sua vida agora, na presença do Senhor? Necessitamos que, nestes dias, o céu esteja aberto sobre nós, que o Senhor se faça presente em nós. Necessitamos desesperadamente da glória do Senhor e de sua presença. Talvez você não o perceba ainda, mas nossa necessidade de Cristo é desesperada.

Necessitamos de todos os recursos de Cristo! Precisamos viver uma vida na presença do Senhor, que contenha essa presença de maneira permanente e não esporádica; uma vida que demonstre ao Senhor Jesus Cristo, enquanto cresce e abunda. Para que isso possa ocorrer, temos que deixar os caminhos da carne, isto é, deixar de edificar sobre a areia; abandonar os caminhos dos nossos desejos, pensamentos e vontade.

Você sabe muito bem quais coisas o Espírito do Senhor está lhe dizendo que deve deixar; mas você quer negociar, quer argumentar com Deus: «Senhor, me perdoe isto. Eu vou te servir como tu quiseres; mas isto não, me deixe. Às vezes isso pode ser uma coisa pequena, não necessariamente algo pecaminoso; são coisas que nos parecem as mais pequenas, mas não são para o Senhor.

Render-se e crer

Não é possível para nós deixarmos os caminhos da carne, mas é possível para o Senhor. E se você se consagra, se rende, crê e confia nele e no poder do seu Espírito, creia, é possível para você também. Talvez você diga: «Eu nunca vou vencer este pecado do meu caráter. Já lutei com ele, já tentei e ele não se vai». Mas não é assim. Não se vai porque você ainda confia em sua carne, ainda tem sua esperança nela; porque você ainda não deixou que o Espírito Santo terminasse com a sua carne. Não você, mas o Espírito do Senhor. Há recursos infinitos em Cristo. Todos os recursos do céu estão a nossa disposição, e em Cristo há graça e poder suficientes para tudo e para todos.

Síntese de uma mensagem oral ministrada no Retiro do Trebol (Chile), em janeiro de 2013.

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