Glorificando a Cabeça

«Retendo a Cabeça» não é um assunto automático.

Romeu Bornelli

«Ninguém atue como árbitro contra vós, afetando humildade ou culto aos anjos, firmando-se em coisas que tenha visto, inchado vãmente pelo seu entendimento carnal, e não retendo a Cabeça, da qual todo o corpo, provido e organizado pelas juntas e ligaduras, vai crescendo com o aumento concedido por Deus» (Col. 2:18-19).

Vamos tomar este sentido da palavra: «glorificando a Cabeça». O versículo 19 põe este assunto na forma negativa – «não ligados», ou não glorificando a Cabeça. Desde o início do capítulo 2, Paulo vai nos ajudar a ver o que nos distrai da cabeça. Outro sentido desta palavra “retendo a cabeça” ou “não retendo a cabeça” é “ignorando a Cabeça». Paulo então vai nos ajudar, especialmente no capítulo 2, as coisas que nos levam a ignorar a cabeça.

Nós, como igreja, como corpo de Cristo, podemos sim ignorar, podemos não glorificar, podemos nos distrair da Cabeça. Ao final do versículo 19 há um detalhe importante, e de muita ajuda para nós, e diz que: o corpo, « suprido pelas juntas e ligamentos, cresce o crescimento que procede de Deus».

Uma tradução melhor desta frase ajudará a nossa maior compreensão. O seu sentido exato é: «O corpo cresce pelas suas juntas e ligamentos com o aumento de Deus». Observam este detalhe? O corpo de Cristo cresce não só com o crescimento que procede de Deus, mas é mais do que isto, o corpo cresce com o crescimento de Deus. Agora, claro, Deus não cresce. Então, a ideia é o «aumento de Deus», o crescimento de Deus no corpo.

Que preciosa é esta frase! Isto significa que nós podemos ter aumento de muitas coisas no corpo de Cristo: aumento de atividades, aumento de programações, aumento inclusive no estudo da Palavra, aumento na evangelização, aumento de pregações, sem o aumento de Deus.

A luta de Paulo

O aumento de Deus é algo muito específico. Então, quando Paulo olhava para essa assembleia em Colossos, havia muita preocupação e carga em seu coração, pois, no capítulo 2, ele começa dizendo: «Pois quero que saibais quão grande luta tenho por vós, e pelos que estão em Laodicéia, e por quantos não viram a minha pessoa; para que os seus corações sejam animados, estando unidos em amor, e enriquecidos da plenitude do entendimento para o pleno conhecimento do mistério de Deus - Cristo » (v. 1-2).

As aflições de Cristo em Paulo eram traduzidas em oração para que eles pudessem compreender plenamente o mistério de Deus, Cristo (Col. 2:2). Cristo é o mistério de Deus e a igreja é o mistério de Cristo. Cristo e a igreja, juntos, são «o mistério». E é por isso que Paulo orava, a fim de que os santos compreendessem plenamente este assunto.

Com a ajuda do Espírito Santo, nossa carga hoje é poder entender o significado de glorificar a Cabeça. Pela graça e a fidelidade do Senhor, temos ouvido tanto a respeito do mistério de Deus e do mistério de Cristo. O novo homem e a nova criação. Este importante assunto é central, essencial, primordial para a nossa fé. Mas precisamos receber uma ajuda adicional. Se nós temos recebido revelação do Senhor a respeito deste grande mistério, então há um mandamento, uma requisição, uma demanda do Senhor para nós, que está muito bem explicada nestes versículos.

Já conhecemos o mistério de Cristo e o mistério de Deus? E agora, qual é o próximo passo? Ligados a Cabeça, retendo a Cabeça. Porque mesmo depois de ter conhecido o mistério de Deus, podemos nos distrair da Cabeça e não glorificar a Cabeça, ignorando-a.

Glorificar a Cabeça não é um assunto automático. Não é porque somos cristãos, porque somos igreja do Senhor, nem mesmo porque o Senhor nos tem confiado esta revelação. Não necessariamente por isso nós glorificaremos a Cabeça, porque há muitas coisas que batalham contra isso, e vamos ver algumas delas.

Três inimigos

Vamos ao capítulo 2 versículo 4: «Assim digo para que ninguém vos engane com raciocínios falazes». Aqui temos um primeiro inimigo muito atual do povo de Deus, um inimigo de dois mil anos, desde que a igreja existe. Palavras persuasivas ou raciocínios falazes. A frase literal, no original, é «argumentos atraentes», que têm aparência de verdade, mas sem o conteúdo da verdade.

Esta é a arma mestra do diabo. Escrevendo aos Coríntios, Paulo diz a respeito disso, que o próprio Satanás se transforma em um anjo de luz, para enganar os inocentes. Então, esta carta de Paulo aos colossenses, pela graça do Senhor, dá-nos muita luz sobre esses inimigos espirituais, para que então possamos glorificar a Cabeça. E, qual será o resultado prático disto no meio de nós? Cresceremos com o aumento de Deus. Que o Senhor nos ajude a ver isto com clareza.

Ao continuar lendo, no versículo 8, Paulo menciona mais alguns inimigos. «Tendo cuidado para que ninguém vos faça presa sua, por meio de filosofias e vãs sutilezas, segundo a tradição dos homens, segundo os rudimentos do mundo, e não segundo Cristo». Filosofias e vãs sutilezas. E em seguida, as tradições dos homens, outro inimigo persistente, ao qual nosso Senhor Jesus combateu de frente.

A tradição é algo que pertence a nossa carne. Não nos enganemos com respeito a isto; todos nós temos tradições. Inclusive nossa forma de culto ao Senhor, facilmente, torna-se uma tradição. Perdemos a realidade espiritual, mas mantemos a forma tradicional, e esta tem a capacidade de aplacar a nossa consciência, e então temos a sensação de que prestamos culto a Deus.

A carne religiosa

Aqui temos um inimigo espiritual terrível – a carne religiosa. Não apenas a carne que peca, a carne que desagrada a Deus em um sentido mais explicitamente maligno, mas a carne que desagrada a Deus em um sentido mais sutil. A carne religiosa tem uma especialidade. Ela sabe algo muito interessante: sabe cultuar a Deus.

Onde começou este assunto na Bíblia? Em Gênesis capítulo 4 vemos duas atitudes nas pessoas de Caim e Abel, e lançam como que dois princípios a respeito de culto. Quando Adão e Eva foram expulsos do Paraíso, então lhes nasceram dois filhos. Caim significa «uma aquisição», e Abel significa «aquele que exala». O próprio nome deles aponta para dois princípios.

Agora, a compreensão que os dois tiveram do culto a Deus é impressionante. Abel fala do verdadeiro culto a Deus, e Caim fala da carne religiosa, a carne que imita. Qual foi o pensamento de Caim? Ele sabia muito bem que seus pais tinham sido expulsos da presença de Deus. Qual era o maior desejo do homem depois de ter sido expulso da Sua presença? Voltar para a presença de Deus. Esse é um clamor original da semente religiosa, uma busca interior implacável que o homem tem em si mesmo, porque ele perdeu a Deus, perdeu a comunhão com Deus, a relação com Deus.

Então, há uma busca implacável, sempre de maneira errônea, sempre no lugar equivocado, porque o homem perdeu a visão de Deus, a comunhão, a realidade de Deus. Pela graça de Deus, essa busca permanece, mas é uma busca inalcançável. Por isso, o Verbo se fez carne, porque essa busca, em si mesmo, nunca nos levaria de volta ao paraíso perdido. Por quê? Porque havia um meio de Deus para que este assunto fosse recuperado. Era impossível que houvesse uma participação do homem.

Na encarnação do Verbo de Deus, o Espírito Santo prepara um corpo no ventre de uma virgem, e o homem é deixado de lado. José não participou, porque o homem não pode prover para que o Verbo pudesse ser trazido para a nossa realidade. Deus foi quem proveu. «E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade; e vimos a sua glória, como a glória do unigênito do Pai» (João 1:14). Esta foi a provisão da revelação de Deus e da redenção e da reconciliação do homem com Deus.

Quando aquele casal perdeu a comunhão com Deus, qual era a busca implacável no coração de Caim para retornar à comunhão com Deus? O que esta busca o levou a fazer? Trabalhar a terra, produzir o melhor de si mesmo. Não é uma coisa qualquer – o melhor, o seu suor, o seu trabalho. Assim nós entendemos o culto a Deus: o nosso melhor, o nosso trabalho. Assim também era Caim. Então, ele produziu aquela oferta e a levou a Deus. E a palavra do Senhor diz que Deus não se agradou.

Mas, por favor, preste atenção. Não diz que Deus não se agradou da oferta de Caim em primeiro lugar, mas ele não se agradou de Caim e de sua oferta, porque a sua oferta externalizou aquilo que estava em seu coração. E o que estava no seu coração? ‘Eu vou produzir o melhor, porque para Deus preciso dar o melhor que posso, o melhor do meu trabalho, o melhor que eu tenho’. Em outras palavras, o melhor da carne.

A oferta de Abel

Mas, o que Abel entendeu? Eles eram irmãos, e sabiam que seus pais tinham sido expulsos do paraíso. Como recuperar a presença de Deus? Abel entendeu que o melhor não bastava, que a única coisa capaz de satisfazer a Deus era uma vida sem pecado. Mas o que ele podia fazer? Ele sabia que ele era um pecador. O que ele podia oferecer a Deus? Nada dele mesmo. Ele era um pecador. Isso não fala da sua condição, mas do seu estado.

Então, Abel tirou do rebanho uma vida inocente, para entregá-la em seu lugar. Sua oferta fala de um clamor por receber justiça de Deus, um clamor pela misericórdia de Deus. A oferta de Caim ao contrário fala de uma demanda. Caim trabalhou, e através desta oferta ele demandava algo de Deus. Abel tomou o caminho contrário; a sua oferta era um clamor por misericórdia, por uma justiça que procedesse de Deus, porque não havia justiça em suas mãos nem em suas obras.

Dois caminhos

Que distintos são estes dois caminhos. Nós podemos andar em uma ou em outra linha, mas nosso grande problema é que, na verdade, essa duas linhas estão dentro de nós. Como o Novo Testamento chama isto? A carne e o Espírito. «Andai no Espírito, e jamais satisfareis a cobiça da carne». Sim, nós podemos cultuar a Deus na carne, mas isso não significa que Deus irá aceita-lo.

Mas há outra maneira de render culto a Deus: no Espírito. Como começa um culto no Espírito? Ele é baseado na revelação de Deus, não naquilo que nós produzimos para Deus. Vejamos isto com um exemplo prático.

Como nós adoramos a Deus? Antes de compartilhar a Palavra, tivemos um tempo de adoração. Se nossa adoração não estiver baseada na contemplação de Cristo, nas glórias de Cristo, de sua pessoa e de sua obra, este será um culto na carne, não uma adoração no Espírito. Se não for em Espírito, não é em verdade, não tem realidade espiritual. Podemos fazê-lo, porque os músicos, os instrumentos e os cânticos estão aí. Nossa memória conhece muito bem os cânticos, e podemos render culto a Deus, mas sem a contemplação de Cristo.

A obra do Espírito Santo

Então, não existe culto a Deus que não seja produzido pelo próprio Espírito Santo. Ele tem que fazer-se presente, nos dar uma visão fresca e nova de Cristo. Não é o Cristo de ontem, aquele do culto passado. É o nosso Cristo, revelado a nós diariamente, nas circunstâncias mais práticas; o Cristo que nós amamos, o Cristo a quem temos seguido. A este Cristo adoramos. Então, um culto no Espírito é um culto baseado na revelação de Cristo.

Por isso, quando Paulo lança aquele princípio importante de 1ª Coríntios 12:3 «…ninguém que fala pelo Espírito de Deus diz Jesus é anátema; e ninguém pode dizer que Jesus é Senhor, senão pelo Espírito Santo». Que importante é este princípio! Mas não é uma questão de palavras.

Qualquer um pode dizer: «Jesus é o Senhor». Sim, é possível. Nosso Senhor diz em Mateus 7 que muitos, me dirão naquele dia: «Senhor, Senhor, em teu nome expulsamos demônios, em teu nome profetizamos, em teu nome fizemos muitos milagres». Mas ele lhes dirá: «Nunca vos conheci». Então, não é questão apenas de dizer: «Jesus é o Senhor», mas da realidade espiritual envolvida nisso.

Então, qual é o princípio tão importante de 1ª Coríntios 12:3? Vejamo-lo de outra maneira. Ninguém pode estabelecer o senhorio real, experimental e prático de Cristo na vida da igreja, a não ser o Espírito Santo. Por isso, em Efésios 4:30, Paulo exorta assim: «Não entristeçais o Espírito Santo de Deus, com o qual fostes selados para o dia da redenção. Então, longe de vós toda amargura…».

Tirando a amargura

Amargura. Que sério é este assunto! Vejam onde o Espírito Santo começou. Se houver amargura entre nós, o Espírito Santo estará ofendido e não podemos adorar a Deus. Pode haver reunião, pode haver cânticos, mas não haverá culto, porque há amargura entre nós, e isto entristeceu o Espírito Santo, e então o senhorio de Cristo não pode ser estabelecido. Porque ninguém pode dizer: «Jesus é o Senhor» senão pelo Espírito Santo. Oh, irmãos, que importante é este assunto!

Então, irmãos, a nossa carne, em si mesma, tem habilidade de oferecer culto. Ela sabe imitar o culto a Deus. Então, se nós vamos nos manter frescos como povo de Deus, necessitamos de uma coisa em primeiro lugar: não entristecer ao Espírito Santo de Deus.

É muito interessante essa lista de Efésios 4:30 em diante. Por que será que o Espírito Santo começou pela amargura? Tantas outras coisas poderiam estar ali em primeiro lugar, mas a amargura está em primeiro lugar. Hebreus 12:15 nos adverte que não haja entre nós qualquer raiz de amargura. Vejam o que a amargura tem a capacidade de fazer. «…que brotando alguma raiz de amargura, vos perturbe, e por meio dela muitos sejam contaminados». Esse é o poder da amargura; por isso, o Espírito Santo começa com ela. «Longe de vós toda a amargura», porque ela brota, perturba e contamina, não a poucos, mas a muitos. Irmãos, quão prático é o bendito Espírito Santo, e como nos ajuda nestas coisas específicas.

Então, a carne religiosa põe toda esta realidade espiritual de lado. Ela não se preocupa com a amargura, com a irritação, com a ira nem com a gritaria e a maledicência ou blasfêmia, nem sequer se estamos amando e perdoando uns aos outros, sendo compassivos ou sofrendo juntos, sendo benignos, imitadores de Deus como filhos amados. A carne não se preocupa com nada disso. Ela sabe fazer um culto a Deus e não depende de nenhuma destas coisas.

Oh, irmãos, que sutil é este inimigo! Apenas o próprio Espírito Santo pode lançar luz sobre a nossa carne e seus tentáculos. Nossa carne é serpenteante, muito sutil, extremamente oculta. Por isso, o princípio do Senhor é: «Se andarmos na luz, como ele na luz está, temos comunhão uns com outros, e o sangue de Jesus Cristo seu Filho nos purifica de todo pecado» (1ª João 1:7). Não é maravilhoso este versículo? Na luz do Senhor, andando na luz, nós temos uma provisão adicional – o sangue. A luz e o sangue.

Graças ao Senhor pela luz. No entanto, se tivéssemos só a luz, sem o sangue, poderíamos cair fulminados. Mas nós temos a luz e temos o precioso e bendito sangue de Jesus, e a convicção do Espírito Santo que vai expor o nosso coração e vai mostrar a amargura, a falta de compaixão, a falta de perdão, tudo o que está naquela lista de Efésios 4.

Doze vezes aparece a palavra Espírito em Efésios. Efésios 4:30 e 5:18 são duas menções consecutivas. Ambas fazem um contraponto. Uma é negativa: «Não entristeçais o Espírito», e a outra é positiva: «Enchei-vos do Espírito». E entre uma menção e outra há uma lista de versículos muito importantes, porque eles vão tomar este contraponto e vão nos mostrar muitas coisas que entristecem e muitas coisas que honram ao Espírito Santo.

Se o Espírito Santo não for honrado em nossas vidas, em nossos relacionamentos, não podemos render culto a Deus em Espírito. O local de reunião estará aberto, as cadeiras estarão aí, a Bíblia continuará disponível, também os cânticos, mas é a carne em ação e o Espírito Santo entristecido. Como precisamos receber aquelas exortações das sete igrejas da Ásia! «quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas». Ele, como mestre divino, quer apontar de maneira maravilhosa, cheia de gentileza e também cheio de verdade, para aquilo que o honra e a aquilo que o desonra.

Examinados pelo Espírito

Mas há algo que nós precisamos fazer. O Senhor nunca responde perguntas que não lhe foram feitas. Precisamos perguntar a ele: ‘Senhor, o que há em nós?’. Especialmente os anciãos, mas não apenas eles, precisamos perguntar ao Senhor: ‘Senhor, o que há na assembleia, que de algum maneira tenha te entristecido?’. Se o fizermos, ele vai nos comunicar isso com toda amabilidade. Nunca nos lançará fora.

O Senhor é um mestre maravilhoso. Ele sabe dar um banho nos seus bebês. Ele põe o seu bebê na banheira, e ao terminar, ele toma o seu bebê, põe-no em seu colo, e toma a vasilha com a água suja e a lança para fora. Mas o seu bebê permanece com ele. Amor e verdade. «Seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo». Esta é a bendita obra do Espírito Santo. Mas nós precisamos pedir. «Pedi, e dar-se-vos-á».

Que responsabilidade nós temos, irmãos! Reter a Cabeça, glorificar a Cabeça, não é um assunto automático. Como indivíduos, como famílias, e como igreja, precisamos pedir ao Senhor que sonde os nossos corações. «Sonda-me, Oh Deus, e conhece o meu coração; prova-me e conhece os meus pensamentos; e vê se há em mim algum caminho mau, e guia-me no caminho eterno» (Sal. 139:23-24).

Então, nesses primeiros versículos de Colossenses 2, Paulo vai apontar para nós todos esses inimigos em um sentido negativo: os raciocínios falazes, as filosofias e vãs sutilezas, a tradição dos homens, como dissemos, a carne religiosa, os rudimentos do mundo.

Influencia judaizante

Depois, no versículo 16: «portanto, ninguém vos julgue pela comida ou bebida, ou quanto a dias de festas, lua nova ou dias de sábado». Aqui há outro ponto muito sensível. De uma maneira muito particular, no Brasil, temos sido assolados por este problema. Há ali uma ênfase judaizante muito grande e pesada, entrando em diversas assembleias, solapando a convicção de muitos irmãos de uma maneira muito sutil.

A ideia básica desta tendência é que, «na palavra de Deus, nós temos casca e grão», e que «é necessário então discernir que coisa é casca e o que é grão neste livro». Isto significa julgar a palavra de Deus, porque, segundo eles, nela há muitos mitos, e a palavra de Deus precisa ser desmitificada. Não desmistificar, mas desmitificar; remover muitos mitos.

Agora, irmãos, como não há nada novo debaixo do sol, não existe nenhuma heresia nova; todas as heresias são velhas. Por isso, precisamos conhecer a história da igreja e a história do pensamento cristão. Todas as heresias são velhas, mas elas vestem roupagens diferentes. Às vezes vêm de saias e outras vezes de calças compridas, às vezes de gravata e às vezes de camisa esportiva, mas são as mesmas heresias, com diferentes roupagens. Estas coisas foram ditas desde o início da história da igreja.

No século XIX, houve um famoso teólogo alemão, Friedrich Schleiermacher. Seu sobrenome é uma composição de duas palavras. Em alemão, macher significa fabricante, que faz algo, e schleier significa véu. Muito interessante. Um fabricante de véus. E isso é o que ele fez dentro do cristianismo no século XIX. Ele fabricou muitos véus, e um deles dizia que na palavra de Deus havia casca e grão, muitos mitos, e que então era necessário julgar ou criticar essa palavra. O movimento foi chamado Alta Crítica. Vejam o tamanho do ego do homem. Alta Crítica, ao ponto de criticar a palavra de Deus. Separar na Palavra de Deus a casca e o grão.

Irmãos, quando nós fazemos isso, perdemos tudo, porque nos tornamos juízes da Palavra, e não a Palavra nosso juiz. Desta forma estaríamos aniquilados, porque ‘A Palavra não pode mais nos julgar, porque este texto não é inspirado, este outro também não é inspirado, ou esta é uma passagem acrescentada; isto não foi escrito por Paulo, isto não é do Espírito Santo, isto é acréscimo das tradições’. E alguns foram mais longe. No Brasil, alguns têm dito o mesmo que também foi dito no passado: ‘A Bíblia não é a palavra de Deus, mas ela contém a palavra de Deus. Então, vamos procurar aqui o que é palavra de Deus e o que não é palavra de Deus’.

E há até outra sutileza. ‘Como alguns textos foram adicionados, então é necessário encontrar esses textos adicionados e deixá-los de lado, para aproveitar os outros’.

Então irmãos, nessa busca, chega-se à conclusão de que todos os fundamentos da revelação de Deus estão no Antigo Testamento. Então, as epístolas de Paulo começam a ser questionadas. ‘Essa é a mente de Paulo’. O cristianismo como sendo um apêndice do judaísmo.

Há uma grande denominação no Brasil chamada «igreja judaico-cristã». É cristianismo judaizante. Esta é uma verdadeira aberração, porque não há judaísmo cristão. É impossível, é como tentar fazer comunhão entre luz e trevas, entre sombra e realidade. Quando a realidade vem, não há lugar para a sombra. Não há um cristianismo judaizante. Essencialmente falando, isto é impossível. Então irmãos, nestes dias, temos sofrido de novo uma avalanche do judaísmo, para nos distrair de Cristo e nos confundir, assim como nos tempos de Paulo.

Substância vs. Sombra

Então, aqui está o versículo 16. «portanto, ninguém vos julgue pela comida ou bebida, ou quanto a dias de festa, lua nova ou dias de sábado, mas tudo isto é sombra do que havia de vir; mas o corpo é de Cristo». A palavra corpo, aqui, significa substância. Não está se referindo ao corpo de Cristo que é a igreja, mas contrastando corpo com sombra.

Quando o sol está por trás de nós, o nosso corpo projeta uma sombra. Se alguém passar por cima da sombra, não está passando sobre nós, porque na sombra não existe realidade. A realidade está no corpo. Isso é o que Paulo está dizendo. Todo o judaísmo é sombra; quem passa pelo judaísmo passa pela sombra. Não há realidade no judaísmo. Nosso estimado irmão Austin-Sparks chama o sistema judaico «um berçário espiritual». Assim também Paulo o chama em Colossenses e em Gálatas.

O que é necessário para ensinar os bebês? Temos que tocar os seus sentidos; pôr coisas em suas mãos para brincarem, e coisas em suas bocas, cores diante dos seus olhos. Eles são ensinados através destes brinquedos pedagógicos. Isso é o judaísmo, como um berçário. Eles serão treinados por meio dos sentidos. Até quando? Até que Cristo viesse. Em Gálatas capítulo 3, a lei era aquele pedagogo, instrutor de crianças, para treiná-los nas coisas tangíveis, até que Cristo viesse.

Vocês podem ver o que está acontecendo hoje? A igreja está sendo chamada para entrar no berçário uma vez mais. Isso é a religião dos sentidos – dias de festa, bebidas, lua nova e dia de sábado. Que coisa séria é esta! É um chamado para a infância espiritual, e não à maturidade espiritual.

No entanto, qual é o nosso chamado? «…até que todos cheguemos à unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, a um varão perfeito, à medida da estatura da plenitude de Cristo» (Ef. 4:13). Este é o nosso chamamento. Por isso, Paulo diz: «portanto, ninguém vos julgue…», e ele contrasta a sombra com a realidade. E o versículo 17 de Colossenses 2 diz que a realidade é Cristo.

No versículo 18, ele vai falar contra esse pretexto de humildade, culto aos anjos e visões. E ao final do versículo, ele diz: «…estando inchados em sua própria mente carnal». Mente carnal. Estamos falando deste inimigo desde o início. Vocês veem que a mente carnal, aqui, a carne está contrastando com o glorificando a Cabeça, porque a carne nunca pode glorificar a Cabeça. Podemos cultuar, mas isto é inaceitável a Deus.

Depois, os versículos 20 ao 23, são também uma passagem extremamente interessante. Paulo fala sobre as abstinências. «Não toques, não proves e não manuseis isto». No versículo 23, ele diz: «Tais coisas têm na verdade certa aparência de sabedoria em culto voluntário, em humildade e em duro trato do corpo; mas não têm valor algum contra os apetites da carne».

«Culto ao culto»

A expressão «culto voluntário», literalmente, é culto de si mesmo. Todas as vezes que nós não estivermos na realidade de Cristo, realmente não estamos no Espírito, vivendo no Espírito, andando no Espírito, servindo no Espírito e tudo o que a palavra de Deus nos fala sobre estar no Espírito. Neste caso, qual é a nossa alternativa? É o culto de si mesmo. Iremos fatalmente render «culto ao culto».

Já viram isso em Oséias 8:13? Há um princípio espiritual muito interessante neste versículo. O Senhor exortou a seu povo através de Oséias assim: «Eles amam o sacrifício; por isso sacrificam. Porque gostam de carne, e a comem. Mas o Senhor não os aceita». Irmãos, este versículo é muito claro sobre o que é o culto na carne.

Por que o povo de Israel, mesmo desviado de Deus, continuava lhe rendendo culto? Por que eles faziam isto? Porque eles amavam o culto, amavam o sacrifício. Por isso sacrificavam, porque gostavam da carne e a comiam. Havia algo neste tipo de culto que agradava à carne, porque provinha da própria carne. A carne agrada à carne, a carne produz o culto, e ela mesma se agrada do culto.

Então, às vezes, nós podemos terminar uma reunião e dizer assim: ‘Que agradável foi a reunião!’. E isso pode ter dois sentidos. Se o Senhor realmente imprimiu em nosso espírito que ele foi glorificado nessa reunião, ele nos falou com o coração, ele recebeu a nossa adoração, nos prostramos em sua presença e ele ficou satisfeito, então, amém, que preciosa reunião.

Mas, por outro lado, nós podemos ser agradados, nossa carne pode encontrar muita satisfação, mas o Senhor não ser realmente cultuado. Eles amavam o sacrifício; por isso sacrificavam, gostavam da carne e a comiam. Mas observem a sequencia do versículo: «Mas o Senhor não o aceita». Por quê? Porque proveio da própria carne. Então, este é um assunto muito sério. A carne imita o culto a Deus e satisfaz a nós mesmos; temos um sentido de satisfação em nós mesmos.

Vejam como Paulo segue neste texto aos colossenses. Versículo 23: «As quais têm, na verdade, alguma aparência de sabedoria, em devoção voluntária, humildade, e em disciplina do corpo, mas não são de valor algum contra a sensualidade». Esta tradução que lemos, tanto em português como em espanhol, diz que este tipo de culto não tem valor contra a sensualidade.

Há outra tradução possível desta expressão na língua original, como um complemento, e ela é muito interessante. Diz que este tipo de culto não tem nenhum valor «senão para a satisfação da carne». Muito interessante. Há um duplo sentido. Em primeiro lugar, este tipo de culto não tem nenhum valor contra a carne, contra a sensualidade; ao contrário, tem valor para a satisfação da carne e para a sensualidade. A sensualidade é que toca as coisas dos sentidos.

Felicidade enganosa

Segundo a Bíblia, isso é ser sensual. Judas os define como «os sensuais, que não têm o Espírito», homens dos sentidos, que procuram o que lhes agrada, e andam segundo os seus apetites e desejos. ‘Se isso me faz bem, então isso é bom; se me faz feliz, então isso é bom. O padrão sou eu. Se eu estiver bem, se estiver feliz, então isso é bom’. Que padrão enganoso!

Há muitas coisas que, apesar de nos fazer infelizes, são o próprio trabalhar de Deus em nós. Nossa busca não deveria ser a felicidade, porque segundo a Bíblia, ela é um subproduto da santidade. Como sabemos? No Sermão do Monte, nosso Senhor disse assim: «Bem-aventurados – felizes, cheios de alegria – os pobres de espírito… os mansos… os limpos de coração…». O que é que o Senhor está nos ensinando? Que a felicidade, segundo a ordem de Deus, é um subproduto, um resultado. Nós cristãos não buscamos a felicidade – buscamos a santidade. Quanto mais santos formos, mais felizes seremos.

O que é a santidade? Segundo a Bíblia, não é deixar de fazer isto ou aquilo, vestir assim ou não vestir assim. Claro que afeta esse aspecto, mas a santidade está por detrás disso. A Bíblia define a santidade como «ser parecidos com Cristo». Santidade é piedade, ser parecidos com Cristo.

Por isso, o propósito de Deus é nos transformar de glória em glória, na sua própria imagem, a imagem do Filho. Porque o Filho unigênito foi feito o primogênito entre muitos irmãos, para que nós pudéssemos ser transformados a sua própria imagem, e ele fosse o primogênito entre muitos irmãos. Em outras palavras, entre muitos semelhantes a ele.

A felicidade, na Bíblia, é um resultado. Aqui, nós podemos errar frontalmente. Quando andamos segundo a carne, não há outra opção, senão um culto de nós mesmos; nós somos o centro, toda busca estará voltada para nós, toda felicidade depende de nós, daquilo que somos ou fazemos, daquilo que conquistamos.

Mais Cristo = mais santidade

Mas, segundo a Bíblia, quanto mais o caráter de Cristo é formado em nós, mais felizes somos; porque Cristo é o feliz, Cristo é o bem-aventurado. Todas as bem-aventuranças se referem a ele mesmo. Ele é o humilde de espírito, ele é o manso de coração, ele é limpo de coração. Então, quanto mais Cristo for formado em nós, mais santos seremos.

Oh, irmãos, que o Senhor nos ajude. Como tantas vezes esta palavra, santo, é tão mal compreendida por nós, porque nós olhamos sempre para o externo. ‘Santo é fazer assim, é não fazer assim, é falar assim e não falar assim, é vestir assim e não vestir assim’. Mas santo, segundo a Bíblia, é ser parecido com Cristo. Quando mais parecermos com Cristo, iremos falar como Cristo, pensar como Cristo, agir como Cristo.

Por isso, os discípulos, em Antioquia, pela primeira vez, foram chamados cristãos, porque eram tão parecidos com Cristo. Os homens olhavam e diziam: ‘Nós pusemos a Cristo no madeiro, mas estamos vendo pequenos cristos´. Esse é o sentido da palavra «cristãos». Foi usada em sentido depreciativo. Aquele Cristo desprezado, aquele judeu que dizia ser Deus, viveu daquela maneira, e agora ele tem milhares que parecem com ele, falam como ele, vivem como ele. Eles desprezaram então estas pessoas, e lhes chamaram «os cristãos».

Por isso, Paulo fala assim: «Parece que Deus pôs a nós apóstolos…», a aqueles que eram mais parecidos com Cristo, que tinham mais de Cristo formado neles (1ª Cor. 4). «Parece», ou seja, essa não é a verdade, porque para Deus, nós somos os principais, somos seus filhos, sua herança, seu tesouro. Mas, no mundo, «parece» que Deus pôs aos apóstolos em último lugar, e somos considerados como o lixo do mundo e escória de todos.

Que palavra forte é esta! Qual é o motivo disto? Porque eles eram parecidos com Cristo. Por isso, Apocalipse define a todos nós, os irmãos, como os seguidores do Cordeiro para onde quer que ele vá. Essa é o nosso sublime chamamento.

Se o mundo nos rejeitar por causa de Cristo, mais bem-aventurados somos. Bem-aventurados são os perseguidos, não por causa de ideologias, mas por causa da justiça. Qual justiça? Quem é a justiça? O próprio Cristo. Ele nos foi feito da parte de Deus sabedoria e justiça. E a justiça, ali, tem a conotação de santidade. Então, bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça, ou em outras palavras, por causa de serem parecidos com Cristo, «porque deles é o reino dos céus».

Glorificando a Cabeça

Graças ao Senhor, irmãos, esse é o nosso sublime chamamento. Então, Paulo vai nos ajudar nesta epístola a ver todos estes inimigos espirituais, que são sutis, de maneira bem diferentes; mas, em uma última análise, é sempre a carne, a carne das tradições, dos argumentos, dos sofismas, da tradição religiosa, a carne que finge humildade. Tudo está nesse texto. A carne por todos lados – a carne religiosa.

Então Paulo diz: «…não retendo a Cabeça», quer dizer, não glorificando a Cabeça. Oh, irmãos, que o Senhor nos ajude nestes dias. Sabemos que não há outro alvo para o nosso chamamento. Fomos chamados para glorificar a nossa Cabeça. Já somos Seu povo. Fomos redimidos por seu precioso sangue; já temos seu bendito Espírito.

Queria reforçar isto uma vez mais: o assunto de glorificar a Cabeça não é algo automático. Precisamos aprender o caminho do glorificar a Cabeça. Que o Senhor nos ajude.

Mensagem ministrada em Iquique (Chile), em novembro de 2012.

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