Quem necessita do evangelho?

Nossa missão é mostrar que o evangelho está dirigido aos pecadores.

C.H. Spurgeon

«Deus mostra o seu amor para conosco, em que sendo ainda pecadores, Cristo morreu por nós» (Rom. 5:8).

Nossa missão é mostrar que o evangelho está dirigido aos pecadores, e tem posto os seus olhos nos culpados; que não foi enviado ao mundo como uma recompensa para as pessoas boas ou excelentes, ou para aqueles que pensam que têm certas qualidades ou que estão preparados para o favor divino; mas está destinado aos que transgridem a lei, aos indignos, aos ímpios, a quem se tem extraviado como ovelhas perdidas, ou abandonaram a casa de seu pai como o filho pródigo.

I. Primeiro, até um olhar superficial para a missão do nosso Senhor basta para mostrar que a sua obra foi para o pecador. A vinda do Filho de Deus a este mundo como Salvador significou que os homens precisavam ser libertados de um mal muito grande por meio de uma mão divina. A vinda de um Salvador que mediante a sua morte proporcionaria o perdão para o pecado do homem, significa que os homens eram extremamente culpados, e incapazes de procurar o perdão por meio de suas próprias obras.

O que justifica a encarnação a não ser a ruína do homem? O que pode explicar a vida de sofrimento do nosso Senhor a não ser a culpa do homem? Sobretudo, o que explica sua morte e a nuvem sob a qual morreu a não ser o pecado do homem? «Todos nos desgarramos como ovelhas. Mas Deus colocou sobre ele o pecado de todos nós». Essa é a resposta a um enigma que, de qualquer outra maneira, não teria resposta.

Se dermos uma olhada para o pacto sob o qual o nosso Senhor veio, logo notaremos que sua orientação é para os homens culpados. Se tivesse existido uma salvação por obras teria sido por meio da lei, já que a lei é íntegra e justa e boa; mas o novo pacto evidentemente trata com pecadores, porque não fala de recompensa ou mérito, mas promete sem condições: «Serei misericordioso quanto às suas injustiças e jamais me lembrarei dos seus pecados».

Moisés vem para nos mostrar como o homem santo se deve comportar, mas Jesus vem para revelar como o impuro pode ser limpo. Sempre que ouvimos a respeito da missão de Cristo, é descrita como uma missão de misericórdia e graça. Na redenção que é em Cristo Jesus, o que sempre é exaltada é a misericórdia de Deus.

Mas, irmãos, a misericórdia implica em pecado: não se pode reservar nenhuma misericórdia para os justos, porque é a própria justiça quem lhes outorga todo o bem. Deste modo a graça só pode ser outorgada aos pecadores. Que graça necessita aqueles que guardaram a lei, e merecem o bem das mãos do Senhor? Para eles a vida eterna seria uma dívida, uma recompensa muito bem ganha; mas quando se toca o tema da graça, imediatamente temos que eliminar a ideia de mérito e temos que introduzir outro princípio. Só se pode praticar a misericórdia ali onde houve pecado, e a graça não pode ser outorgada senão a quem não tem nenhum mérito.

O evangelho lança os seus convites; mas estes convites são dirigidos a quem estão carregados com o peso do pecado, e estão fatigados tratando de escapar de suas consequências. Chama a aqueles que estão necessitados, sedentos, pobres e nus e todas estas condições são figuras de estados equivalentes produzidos pelo pecado.

Os próprios dons do evangelho implicam em pecado; a vida é para os mortos, a vista é para os cegos, a liberdade é para os cativos, a limpeza é para os sujos, o perdão é para os pecadores.

As descrições que o evangelho faz de si mesmo usualmente apontam para o pecador. O grande rei que faz uma festa e não encontra a nenhum convidado que se assente à mesa entre aqueles que naturalmente se esperava que chegassem, mas que obriga aos homens que vão pelos caminhos e pelos becos a entrar em sua festa. Se o evangelho é descrito, ele mesmo como uma festa, é uma grande festa para os cegos, para os coxos, e para os aleijados; se descrever a si mesmo como uma fonte, é uma fonte aberta para limpar o pecado e as impurezas. Em todas partes, em tudo o que faz e diz e dá aos homens, o evangelho se manifesta como o amigo do pecador.

O evangelho é um hospital para os doentes, ninguém senão o culpado aceitará os seus benefícios; é remédio para os doentes, os sãos e os que creem em sua própria justiça nunca poderão gostar de seus sorvos salvadores. O evangelho sempre encontrou seus maiores troféus entre os maiores pecadores: alista os seus melhores soldados não só das filas dos culpados, mas também das filas dos mais culpados. O evangelho se apoia sobre o princípio daquele que muito foi perdoado esse amará mais, e assim o seu Senhor misericordioso se deleita procurando os mais culpados e manifestando-se a eles com amor abundante e superabundante, dizendo: «Apaguei como névoa as tuas rebeliões, e como nuvem os teus pecados». Há outra reflexão que está muito próximo da superfície, quer dizer, que se o evangelho não olha para os pecadores, para quem mais poderia olhar?

Saibam, oh homens, que não há um homem que viva na face da terra a quem Deus possa olhar com prazer se considerasse a esse homem à luz de Sua lei. Nenhum coração por natureza é são ou justo diante de Deus, nenhuma vida é pura ou limpa quando o Senhor vem para examiná-la com seus olhos que tudo vê. Estamos encerrados na mesma prisão com todos os culpados; se não somos igualmente culpados, somos culpados na medida de nossa luz e do nosso conhecimento, e cada um é condenado justamente, porque nos desencaminhamos em nosso coração e não amamos ao Senhor. A quem, então, poderia o evangelho olhar se não dirigisse os seus olhos para o pecador?

II. Em segundo lugar, se houvesse algo bom em nós teria sido colocado pela graça de Deus, e certamente não estava aí quando, no princípio, as entranhas do amor de Deus começaram a mover-se para nós. Se tomarmos o primeiro sinal distintivo de salvação que foi realmente visível na terra, quer dizer, a vinda de Cristo, nos diz que: «Deus mostra o seu amor para conosco, em que sendo ainda pecadores, Cristo morreu por nós». Este foi o fruto do grande amor do Pai «que nos amou, mesmo nós estando mortos em pecados».

Quando o seu coração era duro, quando não te querias arrepender nem te submeteres a Deus, mas te rebelavas mais e mais, ele te amou com supremo afeto. Por que uma graça tal? Por que é assim, e porque a sua natureza está cheia de bondade e ele se deleita na misericórdia?

Olhem ainda mais detalhadamente. O que o nosso Senhor veio fazer ao mundo? Aqui está a resposta. Ele veio para ser aquele que se encarregar do pecado: e vocês creem que ele veio para se encarregar só com os pecados pequenos, os pecados sem importância do melhor tipo de homens, se existirem tais pecados? Supõem que seja um pequeno Salvador, que veio para nos salvar das pequenas ofensas?

Se não houver pecado, então a cruz é um equívoco, então o lama sabactani foi só uma queixa contra uma crueldade desnecessária. A existência de um grande pecado está implícito na vinda de Cristo, e essa vinda se tornou necessária pelo pecado, contra o qual Jesus vem como nosso libertador.

Irmãos, todos os dons que Jesus Cristo veio dar, ou a maior parte deles, implicam que há pecado. Qual é o seu primeiro dom a não ser o perdão? Como pode perdoar a um homem que não transgrediu? Falo com toda reverência, não pode haver uma coisa tal como perdão onde não há ofensa cometida.

Nosso Senhor Jesus Cristo veio cingido também com poder divino. «O Espírito do Senhor está sobre mim». Com que fim foi coberto com poder divino a menos que o pecado tivesse tomado todo o poder e a força do homem, e que o homem estivesse em uma condição da qual não podia ser levantado exceto pela energia do Espírito eterno? E o que isto implica senão na missão de Cristo se dirigir para aqueles que através do pecado estão sem força e sem mérito diante de Deus?

O Espírito Santo é dado porque o espírito do homem falhou: porque o pecado tirou a vida do homem, e o deixou morto em delitos e pecados. Portanto vem o Espírito Santo para reanimá-lo lhe dando uma nova vida, e esse Espírito vem por Jesus Cristo. Por isso a missão de Jesus Cristo é claramente para o culpado.

Tornem-se para contemplar a chamada eficaz, e vejam quão deliciosa é vê-la como uma chamada que vivifica os mortos, e chama as coisas que não existem como se existissem, como uma chamada aos condenados para lhes dar perdão e favor.

Tornem-se para a continuação até a adoção. Qual é a glória da adoção, senão que Deus adotou a aqueles que eram estranhos e rebeldes para fazê-los seus filhos?

III. Agora, em terceiro lugar, é evidente que é sabedoria da nossa parte aceitar a situação. Sei que para muitos esta é uma doutrina de sabor amargo. Bem amigo, é melhor que mude o seu paladar, porque nunca serás capaz de alterar essa doutrina.

Há quem objete: «Não admiro este sistema. Eu vou ser salvo da mesma maneira que um ladrão moribundo?». Precisamente é assim, a menos que aconteça que seja dada maior graça a ti que a ele.

Oh, filhos de pais piedosos, vocês jovens de excelente moral e consciências delicadas, falo a vocês. Alegrem-se dos seus privilégios, mas não se gabem deles, porque vocês também pecaram, pecaram contra a luz e o conhecimento, vocês sabem. Se não tiverem caído nos pecados mais terríveis, no desejo e na imaginação já se extraviaram o suficiente, e em muitas coisas ofenderam terrivelmente a Deus. Se, com estas considerações diante de vocês, se tomarem o seu lugar como pecadores não serão desonrados, mas simplesmente estarão aonde devem estar.

Agora, pois, pobre alma, senta-te diante do Senhor e diz: «Senhor, o teu Filho veio salvar os culpados? Eu sou e confio nele para que me salve. Ele morreu pelos ímpios? Eu sou um, Senhor, confio que seu sangue me limpa. Sua morte foi pelos pecadores? Senhor, assumo essa posição. Confesso-me culpado. Aceito a sentença de sua lei como justa, mas me salve Senhor, pois Jesus morreu».

IV. Agora, concluindo, esta doutrina tem uma grande influencia santificadora. «Nisso», diz alguém, «não posso crer. Certamente estivestes outorgando um valor ao pecado ao dizer que Cristo veio salvar apenas os pecadores, e não chama ao arrependimento senão os pecadores».

A opinião que a graça imerecida se opõe à moralidade, não tem nenhum fundamento. Eles sonham que a doutrina da justificação pela fé conduzirá ao pecado, mas pode demonstrar pela história que, cada vez que esta doutrina foi fielmente pregada, os homens foram mais santos, e cada vez que esta verdade foi obscurecida, abundou todo tipo de corrupção.

Vejamos o poder santificador deste evangelho. Sua primeira operação nessa direção é esta: quando o Espírito Santo faz penetrar a verdade do perdão imerecido em um homem, este muda completamente os seus pensamentos no que concerne a Deus. «O que?.», diz ele, «Deus me perdoou gratuitamente de todas as minhas ofensas por causa de Cristo? E me ama apesar de todo o meu pecado? Eu não sabia que ele é assim, tão bom e cheio de graça! Pensei que ele fosse duro; mas, isso é o que ele sente por mim?». «Então», diz a alma, «eu o amo por isso». Há uma mudança radical de sentimentos no homem, um giro completo, quando ele entende a graça redentora e o amor até a morte. Ao contemplar a graça é produzida a conversão.

Falaste com o pecador a respeito de fazer o bem, do justo, da justiça, da recompensa e do castigo, e ele ouviu tudo isso que pôde ter tido uma certa influência sobre ele, mas não o sentiu profundamente.

Um ensino assim é muito frio para incendiar o coração. Mas a verdade que chega ao coração do homem lhe parece nova e excitante. «Deus por sua pura misericórdia, perdoa ao culpado, e ele perdoou a ti». Então, isto o desperta e move todo o seu ser. Possivelmente, quando ouvir o evangelho pela primeira vez, não se importará e até o odiará, mas quando lhe chega com poder, quando recebe a sua mensagem como sendo realmente dirigido para ele, então uma cálida emoção, um amor terno, um humilde desejo e um sagrado desejo pelo Senhor se agitam em seu seio.

Além disso, quando esta verdade entra no coração, ela ataca duramente a arrogância do homem, para lhe tirar a confiança em sua própria bondade, e faz que ele sinta a sua culpa; e ao fazer isso arranca o grande mal do orgulho.

Além disso, quando se recebe esta verdade seguramente brotará na alma um sentimento de gratidão. O homem a quem muito é perdoado com toda certeza em troca amará muito. A gratidão para Deus é a mola que move à ação santa.

O homem que faz o que é justo não pelo céu ou pelo inferno, mas porque Deus o salvou, e ama a Deus que o salvou, é verdadeiramente o homem que ama o que é justo. Ele ama o que é justo porque Deus o ama, se levantou do pântano do egoísmo, e tem nele uma fonte viva que fluirá e se transbordará em uma vida santa.

Alguma vez vibraste diante de um discurso frio sobre a excelência da moralidade, sobre as recompensas da virtude ou sobre os castigos da lei? De maneira nenhuma; mas preguem a doutrina da graça, exaltem o favor soberano de Deus, e observem as consequências.

Às vezes, a pregação é mal apresentada, com uma linguagem sem educação, e esta doutrina sempre moveu às pessoas. Há algo na alma do homem que procura o evangelho da graça, e quando vem, há fome para ouvi-lo.

Há uma doçura a respeito da misericórdia divina, graciosamente dada, que cativa o coração do homem. Se há cristãos sérios, cheios de amor a Deus e ao homem, são aqueles que sabem o que a graça tem feito por eles. Quem permanece fiel diante da recriminação e cheios de gozo diante das penalidades são aqueles que estão conscientes de sua dívida para com o amor divino. Se há quem se deleita em Deus enquanto vive, e descansa nele quando morre, são os homens que sabem que são justificados pela fé em Jesus Cristo que justifica ao ímpio.

O Senhor nos permite conhecer o poder do evangelho sobre o nosso eu pecador. O Senhor nos faz querer o nome, a obra, e a pessoa do Amigo do pecador. Tomara que nunca esqueçamos o poço do qual fomos tirados, nem a mão que nos resgatou, nem a imerecida bondade que moveu essa mão.

Glorias a ti, Oh Senhor Jesus, sempre cheio de compaixão. Amém.

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