Companheiros de Cristo

O significado de ser «companheiro» e sua aplicação na comunhão com Cristo.

Álvaro Astete

“Deus, tendo falado muitas vezes e de muitas maneiras em outro tempo aos pais pelos profetas, nestes últimos dias nos falou pelo Filho…” (Heb. 1:1-2).

Aqui há duas expressões dignas de ser atendidas – Deus «falou», e «nos falou pelo Filho». A primeira ação, «tendo falado», não define um tempo, embora explique que falou muitas vezes e de muitas maneiras, dando a entender que Deus falou sempre. No entanto, quando o autor de Hebreus diz em seguida: «nestes últimos dias nos falou pelo Filho», sim há um tempo determinado, um tempo preciso. E isto é digno de considerar, porque esse falar de Deus e esse tempo tem haver com a manifestação de tudo o que Deus é.

Na antiguidade, Deus era conhecido de muitas formas, e cada nome seu representava um atributo dele. Por exemplo, Abraão lhe conheceu com o nome de Deus Onipotente; Nabucodonosor, Deus se apresentou como o Deus Altíssimo. No entanto, na vinda do Senhor Jesus, ele nos dá a conhecer não só alguns atributos de Deus, mas ao próprio Deus, em sua natureza e essência, de tal forma que Jesus é o único homem na terra capaz de dizer: «quem vê a mim, vê o Pai». Portanto, a revelação a qual aponta Hebreus não é uma revelação parcial, mas uma revelação plena de Deus.

A carta aos Hebreus contempla cinco exortações, cada uma das quais traz também uma advertência a respeito de um perigo. E a advertência que faz o Espírito Santo em cada uma destas exortações não é só contra o pecado, mas, como vemos na primeira exortação, relacionada com «uma tão grande salvação», a advertência é a que não nos desviemos. Não há um pecado comum, mas um: «Cuidado, não te desvies!». Desviar-se do que? Da verdade que recebemos.

Esta é uma carta maravilhosa, mas também muito solene. Porque as advertências dadas nas exortações seguintes apontam para algo muito mais profundo, para algo muito mais transcendente, e cada advertência vai nos levar nessa direção. «portanto –como indica a primeira exortação– é necessário que com mais diligência atentemos para as coisas que ouvimos, não seja que nos desviemos». As «coisas que ouvimos» são citadas no capítulo 1 – o que ouvimos sobre o Filho. Esta epístola centra todas as coisas no Filho, o autor da nossa salvação.

Uma das características dos crentes hebreus era que, embora estivessem rodeados de palavra, não ouviam a Palavra; porque o ouvir não é uma capacidade humana – é uma faculdade espiritual. Por isso, em Apocalipse, o próprio Senhor diz: «que tem ouvidos para ouvir, ouça o que o Espírito diz às igrejas». Uma de nossas orações ao Senhor deve ser esta: «Senhor, nos dê ouvidos para ouvir a sua palavra». Se vocês notarem, tudo o que é relacionado com a palavra de Deus tem relação também com o ouvir a palavra. «A fé é pelo ouvir, e o ouvir, pela palavra de Deus».

«…não seja que nos desviemos». O desviar-se não implica cair em um pecado grosseiro. É algo muito sutil, algo que talvez não seja perceptível para os que nos rodeiam, mas é perceptível para o Espírito que habita em nós. Irmãos, quão importante é isto, porque, se não tivermos um ouvido atento ao Espírito, não vamos perceber quando estivermos nos desviando pouco a pouco da verdade.

Esse desviar-se é como traçar uma linha e nos afastarmos no início só um milímetro. Um milímetro não é nada. No princípio, não se adverte essa separação, mas, ao seguir traçando-a, no final do caminho vemos que a linha não é reta, e se retrocedermos, veremos onde aconteceu o desvio, o engano. Para não nos desviarmos da verdade, devemos estar sempre atentos à verdade. Se não formos diligentes, vamos nos desviar. Não é a vontade de Deus que nos desviemos; por isso esta advertência.

E essa ideia de que não nos desviemos, de que estejamos atentos às coisas que ouvimos e que as atentemos com diligência, tem haver, sem dúvida, por em prática o que ouvimos. Tem haver, como diz Tiago, com que eu não seja apenas um auditor da palavra, mas um fazedor dela; não apenas alguém que deve ouvir sermões, mas um fazedor do que escuta. Hebreus vai nos falar sempre com respeito a esta realidade.

A vocação celestial

Esta mensagem se centrará não particularmente na primeira exortação da epístola aos Hebreus, mas na segunda, que tem haver com a vocação celestial.

«portanto, santos irmãos, participantes da vocação celestial, considerem o apóstolo e sumo sacerdote da vossa confissão, Cristo Jesus» (Hebreus 1:3). Irmãos, todos nós fomos chamados pelo Senhor. Este é um chamado não feito pelo homem nem por instituição alguma, mas pelo próprio Senhor Jesus. Portanto, apesar de muitas vezes andarmos em fraqueza, devemos recordar que fomos chamados pelo Senhor. Nele está a nossa confiança, e ele nos tirará adiante e nos levará por seus caminhos.

A ênfase, o foco, de Hebreus sempre está posto em Jesus. Sim, fomos chamados por uma vocação celestial; mas não devemos pôr os nossos olhos na chamada em si mesmo, mas naquele que nos chamou. Nossa confiança está posta nele, porque cada vez que necessitamos dele, ele esteve ali para nos socorrer.

Um autor diz: «Deus saiu ao encontro do seu povo conforme a necessidade em que se achavam. No Egito necessitavam de redenção, e ele vai para redimi-los. No deserto estavam morando em tendas, e ele também obteve uma tenda. Ao entrar na terra necessitavam de alguém que os introduzissem, e aí encontramos ao Príncipe do exército de Jehová. Em seguida, quando estavam na terra, ele edifica o seu palácio, o seu templo», no meio deles. Glórias ao Senhor! Em cada necessidade, ele está ali para supri-la, para nos socorrer, para nos consolar, para estar conosco.

A vocação celestial se pode dividir em três aspectos. O primeiro, o sermos edificados casa para Deus; o segundo, chamados a sermos partícipes de Cristo, e o terceiro tem haver com o repouso ao qual fomos chamados.

Ser edificados como Casa

«…Cristo Jesus; o qual é fiel ao que lhe constituiu, como também foi Moisés em toda a casa de Deus. Porque de tanto maior glória do que Moisés é estimado digno este, quanto tem maior honra que a casa o que a fez. Porque toda casa é feita por alguém; mas o que fez todas as coisas é Deus. E Moisés na verdade foi fiel em toda a casa de Deus, como servo, para testemunho do que se iria dizer; mas Cristo como filho sobre a sua casa, a qual casa somos nós, se retivermos firme até o fim a confiança e o gloriarmos na esperança» (Heb. 3:1-6).

O desejo de Deus, sempre, foi habitar com os homens. Provérbios 8:31 diz: «Regozijo-me na parte habitável de sua terra; e as minhas delícias são com os filhos dos homens». O desejo de Deus é ter uma casa no meio do seu povo, ter morada no meio deles. Deus intentou isso desde o princípio. O primeiro intento de Deus de ter casa para si e habitar entre os homens o vemos no Éden.

«E Jehová Deus plantou um jardim no Éden, ao oriente; e pôs ali ao homem que tinha formado» (Gên. 2:8). Este versículo é muito significativo, porque nos indica como estava estruturado o Éden. Em sua geografia, Éden era um lugar muito mais amplo que o jardim. Dentro desse território mais extenso, Deus plantou um jardim e, no meio dele, duas árvores. Então, há ali três compartimentos – Éden, o jardim, e duas árvores.

Este mesmo desenho podemos observar em seguida no tabernáculo e no templo, e nos fala também do que é a casa de Deus. E nos diz a Escritura que, quando Adão e Eva habitavam no Éden, na hora da tarde, Deus vinha e tinha comunhão com eles; ele passeava com eles e conversava com eles. Não havia nenhum impedimento para que Deus conversasse com a sua criação.

No entanto, este propósito de Deus foi interrompido por causa do pecado. Quando Adão pecou, Deus se viu obrigado a tirar Adão do jardim do Éden, embora seja provável que Adão e Eva nunca tivessem saído do território do Éden. Segundo a Escritura, o primeiro a sair do território do Éden foi Caim. Adão e Eva viveram sempre, por assim dizer, como nos átrios.

O pecado foi introduzido no homem, e, por causa do pecado, Deus não pôde habitar em forma permanente na terra com a sua criação. O mesmo ocorre em seguida no tabernáculo e no templo. São como intentos falidos, mas não por culpa de Deus, mas por culpa do pecado. O pecado impossibilitou que Deus tivesse plena comunhão com o homem. No entanto, hoje, Deus conseguiu ter esta casa, como consequência da redenção efetuada por Jesus. Porque Jesus, morrendo na cruz, tirou o pecado, de tal forma que, agora, Deus podia vir fazer morada em sua casa, «a qual casa somos nós». Glórias ao Senhor!

Somos casa de Deus, não por nossas virtudes, não porque temos proposto ser casa para Deus; mas porque Cristo nos redimiu para Deus nosso Pai e nos tem feito morada de Deus no Espírito. A morte de Cristo não só nos salvou dos nossos pecados e nos reconciliou com o Pai na forma individual, mas também Cristo Jesus entregou ao Pai uma casa na qual ele podia habitar.

É muito interessante que a ênfase aqui não está sobre a casa em si mesma, mas naquele que está sobre a casa. «E Moisés na verdade foi fiel em toda a casa de Deus, como servo, … mas Cristo como filho sobre a sua casa». Moisés nunca esteve sobre a casa; ele era um a mais entre os seus irmãos, um a mais que servia na casa. «…mas Cristo como filho sobre a sua casa». Ele está sobre a sua casa, ele está acima. Aqui, o Espírito Santo apresenta a Cristo como o dono da casa, o amo dela.

Jesus é o que administra, que vê todos os assuntos da casa. Por ele passam todas as decisões. É o amo que governa a casa, e não os servos. Damos glória ao Senhor, porque reconhecemos a ele como o amo de sua casa. Nós somos simples servos nela.

Portanto, diz o versículo 6: «…se retivermos firmes até o fim a confiança…». Qual confiança? A confiança de que ele é o Filho sobre a sua casa; a confiança de que esta casa não vai ser destruída; a confiança de que, embora haja dificuldades, embora tenhamos fracassos, ele é o Filho sobre a sua casa, e ele a sustentará. Glórias ao Senhor!

O convite aqui, de forma condicional, «…se retivermos firmes até o fim a confiança…», não significa que deixemos de ser casa. Devemos interpretar bem este versículo. Alguém poderia pensar que podemos deixar de ser casa. Em que sentido está a advertência aqui? Em que podemos perder a confiança. «Cuidado, não percam a confiança, não percam a segurança de que Cristo é quem governa a igreja!».

Quando desconfiamos desta verdade, enchemo-nos de temores e de incerteza. «Não, as coisas não andam bem na igreja. Este irmão fracassou e este outro anda em fraqueza», etc., e tiramos os nossos olhos do Senhor. Quando isso acontece, enchemo-nos de temores; a desconfiança e a incredulidade nos envolvem. Tomemos cuidado, porque às vezes isso pode nos deixar no caminho.

«Não, as coisas andam mal aqui; eu vou embora. As coisas não andam como eu gosto; então, aparto-me». Sabe o que estamos fazendo quando pensamos isso? Estamos desprezando ao Dono da casa. Irmão, alguma vez o Senhor falhou?

Há dois mil anos, Jesus morreu. Hoje, ainda podemos dizer: «Senhor, tu tens a tua casa!», embora tenham tentado matar os cristãos, embora Satanás tenha feito todo o possível para que o testemunho de Jesus não exista na terra, embora tenha provocado que grandes pregadores caiam em pecado, para que o rebanho se desmoralize e se desanime. Mas bendito seja o Dono da casa! Por ele hoje estamos aqui, porque ele é o dono e Senhor da casa! Irmãos, retenhamos firme até o fim esta confiança!

Portanto, irmãos, nos situemos na condição que temos. O que é que somos, de acordo ao que vimos aqui? Somos servos na casa. Agora, um servo tem características e qualidades particulares, que têm haver também com tudo o que esta carta diz. Um bom servo não é o que faz mil coisas no dia, não é aquele que propõe a seu amo coisas por fazer, não é o ativista que faz todas as coisas, mas aquele que sabe ouvir.

O bom servo vai procurar sempre agradar a seu amo, fazendo sempre o que este lhe diga. Não vai se adiantar, mas tampouco vai ficar para trás. Vai atuar sempre conforme as ordens do seu amo. Sejamos bons servos, não sejamos ativistas. Sejamos bons auditores. O Senhor nos dê essa faculdade espiritual de poder ouvi-lo sempre.

Participantes de Cristo

O segundo elemento desta vocação celestial tem haver com que somos participantes de Cristo. «Porque somos feitos participantes de Cristo, contanto que retenhamos firme até o fim a nossa confiança do princípio» (Heb. 3:14). Aqui é muito interessante ver que se repete, não literalmente, a mesma expressão do versículo 6, mas o sentido é o mesmo.

«Porque somos feitos participantes de Cristo». Para explicar isto, vejamos João 6:54-58: «aquele que come a minha carne e bebe o meu sangue, tem vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia. Porque a minha carne é verdadeira comida, e meu sangue é verdadeira bebida. Aquele que come a minha carne e bebe o meu sangue, em mim permanece, e eu nele. Como me enviou o Pai vivente, e eu vivo pelo Pai, deste modo o que come, ele também viverá por mim. Este é o pão que desceu do céu; não como seus pais comeram o maná, e morreram; aquele que come deste pão, viverá eternamente».

A palavra que em Hebreus 3:14 aparece como «participantes», no grego é «companheiros». E é a mesma palavra que aparece no versículo 3:1. Somos participantes ou companheiros da vocação celestial. O versículo 14 pode traduzir-se: «Porque somos companheiros de Cristo». O que acabamos de ler no evangelho de João nos dá a conhecer o que significa sermos companheiros.

A palavra «companheiro» deriva do latim (com, de comere = comer; e panis = pão). Companheiro é o que come de um mesmo pão, ou o que compartilha habitualmente o pão com outro. É muito interessante. Nós não usamos muito essa expressão, porque não conhecemos o que significa, mas agora sabemos. Companheiros são os que comem de um mesmo pão. Então, quando Hebreus diz que somos feitos companheiros de Cristo, quer dizer que temos que comer do mesmo pão que ele comeu. Glórias ao Senhor!

O que lemos em João 6:54-58, não é um convite de Jesus para que sejamos companheiros? Porque ele diz: «aquele que come a minha carne e bebe o meu sangue… viverá por mim». «Viverá por mim, será meu companheiro, compartilharemos o mesmo». Quando as pessoas compartilham o pão com alguém, não só compartilha um pão, mas compartilha uma conversação, compartilha interesses, preocupações, compartilha a vida. E o Senhor nos compartilhou a sua vida. Ele disse: «Eu sou o pão da vida».

O versículo de Hebreus tem haver com isto – somos feitos companheiros de Cristo; comeremos do pão que ele comeu. A pergunta é: Temos comido desse pão que é o próprio Cristo? Amém, somos companheiros dele; temos comido dele mesmo! Portanto, irmãos, ao comermos do seu pão, que é a sua própria vida, ele nos compartilha da sua natureza, nos compartilha a sua vida.

Então, como eu sei que sou um companheiro de Cristo? Porque tenho a sua própria natureza, porque compartilho os seus próprios interesses, porque conheço o seu coração, porque comemos o pão juntos com o Senhor. Quando comemos o seu pão, ele nos compartilha a sua natureza; mas, para que esta natureza seja manifestada em nós e realmente possamos dizer que somos parte de Cristo, tem que acontecer algo – a morte do nosso eu. Temos que morrer.

Quando Jesus diz que temos que comer do seu pão, também nos diz que temos que participar do que ele participou, isto é, participar de sua morte. Ser companheiros não significa estar só nas boas coisas contigo, mas nas boas e nas más. Seremos companheiros na vida e também na morte.

Qual é essa vida que deve ser manifestada em nós? Em Lucas 24:39, quando Jesus ressuscitado se apresenta aos seus discípulos, e ele usa essa expressão: «Olhem minhas mãos e meus pés, que sou eu mesmo; apalpem, e vejam; porque um espírito não tem carne nem ossos, como veem que eu tenho». Isto nos fala de uma vida de ressurreição, e é nessa vida que somos um com o Senhor.

Nossa união com Cristo se apoia na vida de ressurreição. Em nossa vida natural, não podemos ser um com ele. Só aqueles que têm gostado da morte e saíram em ressurreição podem dizer: «Somos um com o Senhor». Se isso não ocorreu, se não temos gostado da cruz ou se tivermos evitado a cruz, podemos cantar cânticos alusivos a isso, mas não serão mais que frases. O Senhor nos liberte disso, e que tudo o que possamos dizer seja uma realidade em nós.

Se dissermos que somos um com o Senhor, é porque passamos pela cruz e gostamos dos poderes do século vindouro quanto à vida de ressurreição que opera em nós. Se não temos morrido com Cristo, tampouco temos ressuscitado; e se não temos ressuscitado, não somos um com ele; ainda que pareça forte dizê-lo. Nossa unidade com Cristo não descansa em um slogan, em assistir a uma reunião ou a um retiro. Se não houver cruz, não há morte; se não houver morte, não há ressurreição; se não houver ressurreição, não há união com Cristo. O Senhor nos convida a sermos seus companheiros, para que participemos do que ele também participou.

O repouso de Deus

O último tem haver com o repouso de Deus, o descanso de Deus. Hebreus 4:11: «Procuremos, pois, entrar naquele repouso, para que ninguém caia em semelhante exemplo de desobediência». Notem a expressão: «Procuremos entrar naquele repouso». Há uma ação que nós devemos realizar. Não é que o Senhor nos dá o repouso como um ato soberano de sua graça, como algo sobrenatural que desce do céu e vem sobre nós. «Procuremos entrar», procuremos, tentemos, desejemos. A ação é nossa.

Irmãos, o repouso de Deus tem haver também com o gozo. Permitam-me associa-lo desta forma. Quando Deus fez toda a criação, diz a Escritura que «viu Deus tudo o que tinha feito, e eis que era bom em grande maneira». E em seguida, ele repousou. Mas esse repouso tem haver com o gozo do Senhor em sua criação; ele se deleitou em sua criação. Então, quando falamos do repouso de Deus, temos também que falar do gozo de Deus. É muito importante o gozo de Deus e o repouso de Deus para nós. Gozo e repouso que devemos procurar, que devemos desejar e procurar.

Há um versículo em Hebreus que tem tocado profundamente os nossos corações e consolado a muitíssimos cristãos, especialmente no meio dos conflitos, esses conflitos da alma, essas contradições que frequentemente vivemos, quando por um lado estamos confiando no Senhor, mas às vezes parece que ele não responde, quando às vezes os seus silêncios nos fazem chorar e parece que nossas petições não tocam o seu coração.

«…postos os olhos em Jesus, o autor e consumador da fé, o qual pelo gozo posto diante dele sofreu a cruz, desprezando o opróbio, e se assentou à mão direita do trono de Deus» (Heb. 12:2).

Irmãos, «pelo gozo posto diante dele… sofreu a cruz». O que foi que sustentou a Jesus na cruz? O que foi que fez que ele suportasse o opróbio? O que foi que Jesus teve para não responder e emudeceu, e não defendeu a sua causa? O que foi que fez que ele suportasse quando lhe esbofeteavam e lhe cuspiam? Que homem natural pode suportar aquilo? Foram horas de sofrimento. O que foi que fez que ele suportasse tudo isso? Irmãos, não foi a força de vontade. O que o sustentou nesse momento foi «o gozo posto diante dele».

Devemos entender que o gozo do Senhor não tem haver com um cristianismo superficial, de viver sempre em um estado de alegria, de júbilo superficial. O Senhor nos dá o verdadeiro gozo dele, para que, no momento da aflição e da provação, estejamos firmes; para que suportemos as aflições e até as armadilhas do inimigo. O único que nos pode sustentar em pé nesse instante é o gozo do Senhor.

«…pelo gozo posto diante dele». Não se refere necessariamente ao gozo de nos ver redimidos, embora faça parte dele. Seu gozo era saber que o único caminho –e aqui deixemos de olhar para nós mesmos e nos centremos nele– o único caminho que ele tinha para voltar a desfrutar da presença de seu Pai era a cruz.

Assim como o caminho para a nossa salvação não era senão a morte e a cruz, o caminho do Filho para voltar a deleitar-se em seu Pai, era a cruz. O gozo sustentou-o de saber que logo voltaria a ver o rosto de seu Pai. Por isso, foi capaz de suportar tudo. Recordem que a Escritura diz, com respeito à relação do Pai e o Filho: «(Eu) era a sua delícia de dia em dia, tendo alegria diante dele em todo tempo» (Prov. 8:30). O Pai via o Filho e se alegrava nele; o Filho via o Pai e o seu gozo era o Pai. Na terra, o Senhor suportou a cruz porque seu gozo pessoal era voltar a ver o rosto de seu Pai.

Agora, o que ocorre conosco? Como é o nosso deleite no Senhor? Capacita-nos para sofrer como ele sofreu? É de tal magnitude que hoje pode vir sobre nós uma perseguição, e não negará o nome de Jesus? Seu gozo vai te permitir como aos irmãos de Atos, que foram despojados dos seus bens e sofreram com alegria e não com reclamações?

Irmãos amados, nosso deleite deve ser o Senhor. Se for assim, então poderão vir perseguições, tribulações, e o próprio inimigo, mas não seremos abalados, porque maior é o gozo do Senhor. E que gozo? O gozo de lhe ver um dia. Estevão sofreu ao ser apedrejado, porque ele sabia. Esse é o nosso gozo, que um dia veremos aquele a quem ama a nossa alma. Por ele, estamos dispostos a sofrer tudo. Que assim seja conosco, que o Senhor nos encha do seu gozo, não para viver um cristianismo superficial, não para que estejamos sempre cantando e dançando.

Se o Senhor vai fazer experimentar o seu gozo e sua alegria, é porque sabe que vamos ser perseguidos, que vamos ser afligidos, que virão dias difíceis sobre a igreja. E como a igreja será sustentada nesses dias difíceis? Tal como Jesus se sustentou na cruz – «pelo gozo posto diante dele».

Diante de tudo o que temos dito, o único perigo que temos é a incredulidade, o não crer isto. É o não crer que ele está sobre a sua casa, e pensar que ele partiu; o não crer que temos comido dele e que por isso somos os seus companheiros; o não crer que um dia veremos o seu rosto e então o nosso gozo será completo. Nesta exortação, o grande perigo é a incredulidade, a desconfiança, o não dar crédito à palavra do Senhor. A única coisa que ela vai conseguir é nos paralisar, porque a incredulidade provoca temor.

A incredulidade pode até chegar a paralisar as bênçãos do Senhor para conosco. Um exemplo de como opera a incredulidade, com respeito aos dízimos e as ofertas, por exemplo, é quando pensamos: ‘Não vou dar ao Senhor o que lhe corresponde, porque não sei se dará para chegar ao fim do mês, com tantas dívidas e contas que saldar. Vou deixar para o próximo mês’. Não quero parecer legalista, irmãos, mas isso é incredulidade.

A incredulidade te paralisa, e não pode bendizer ao Senhor com os seus bens, porque está cheio de medo. Medo de que não terá o dinheiro para cancelar as dívidas, medo de que passe algum imprevisto. ‘Se acaso um filho adoece este mês, é melhor guardar este dinheiro’. Isso revela que não conhecemos o Senhor de quem tanto falamos e tanto proclamamos; porque se o conhecêssemos, faríamos o que faz o servo com seu amo – só obedecer, executar o que o amo diz. E ele nos diz: «Tragam todos os dízimos à casa do tesouro e haja alimento em minha casa; e me provem agora nisto, diz Jehová dos exércitos, se não vos abrirei as janelas dos céus, e derramarei sobre vós bênção até que superabunde» (Mal. 3:10).

Repito a pergunta do princípio: Alguma vez o Senhor falhou contigo, mentiu a você? Não. Portanto, se ele nunca falhou, se ele nunca mentiu, não duvidemos, não nos paralisemos. Sabe o que está fazendo quando não traz a sua oferta por causa do medo? Está detendo também a bênção que Deus tem para ti, está paralisando que a sua palavra corra e seja pregada até os confins da terra. Sejamos companheiros de Cristo em tudo; nisto também. «Senhor, os seus interesses são os meus, e por isso, farei tudo o que você me disser, porque creio em ti, creio em sua palavra».

Há muitas vozes que vêm na nossa mente, irmãos, e creio que todos somos testemunhas disso. Há vozes externas e vozes internas que nos falam para ir contra o gozo do Senhor. A gente conhece verdades na mente, mas podemos dizer que temos descoberto algo quando foi revelado no coração. Temos descoberto que o maior inimigo que temos não é Satanás, mas a nossa alma. Porque a voz do inimigo, às vezes, é fácil de calar, mas a voz da alma é muito difícil de calar.

A voz da alma sempre está falando contra Deus. Como alguns dos salmistas, nós deveríamos dizer: «Alma minha, te cale, já falaste muito». Quando? Quando nos diz: «Bom, está doente, e onde está o teu Deus? Não confia tanto no Senhor? Está sozinho, e onde estão os seus irmãos?». Quem diz isso? Nossa alma. E isso traz como consequência o roubar o nosso gozo, e nos deprimimos.

Olhem o que diz o Salmo 42 – a resposta do salmista à sua alma: «por que te abates, oh minha alma, e por que te perturbas dentro de mim?» (V. 11). Viram? É como um: «cala-te, minha alma. Por que te perturbas? Por que desconfias? Por que pensas que Deus não te escuta? Por que está pensando que Deus não vai te responder?». Depois, o salmista diz a sua alma: «Espera em Deus; porque ainda ei de te louvar, salvação minha e Deus meu». Glórias ao Senhor, irmão!

Quando a sua alma te convidar à incredulidade, lhe diga isto: «cala-te, minha alma; espera em Deus, porque ainda ei de te louvar; porque te louvarei, aconteça o que acontecer e, embora não responda, igualmente o louvarei, porque ele é o meu Deus, minha salvação e Deus meu». Irmãos, é bom pregar entre nós; mas também é bom pregar para a gente mesmo. Preguemos a nós as verdades que sabemos. A única forma em que a incredulidade se afasta e o temor foge é quando pregamos para nós mesmos e nossa pregação tem haver com o excelso e sublime que é o nosso Salvador.

«Entrarei no altar de Deus, ao Deus da minha alegria e do meu gozo; e te louvarei com harpa, oh Deus, Deus meu» (Sal. 43:4). Nossa alegria, então, não se encontra nas circunstâncias, mas em nosso Deus, que é o Deus da nossa alegria e do nosso gozo.

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