ÁGUAS VIVAS
Para a proclamação do Evangelho e a edificação do Corpo de Cristo
A glória do caminho mais excelente
A excelência e superioridade do Novo Pacto sobre o Antigo.
Roberto Sáez
«…feito tanto superior aos anjos» (Heb. 1:4); «...com óleo de alegria mais que os seus companheiros» (1:9); «porque não sujeitou aos anjos o mundo vindouro… O que é o homem…? Sujeitas-te tudo debaixo dos seus pés… mas ainda não vemos que todas as coisas lhe estejam sujeitas» (2:5, 6, 8); «Porque de tanto maior glória que Moisés é estimado digno este» (3:3); «portanto, Jesus é feito fiador de um melhor pacto» (7:22); «…tal sumo sacerdote… mais sublime que os céus» (7:26); «mas agora, tanto melhor ministério é o seu, quanto é mediador de um melhor pacto, estabelecido sobre melhores promessas» (8:6); «Cristo, sumo sacerdote dos bens vindouros, pelo mais amplo e mais perfeito, tabernáculo, não feito por mãos, quer dizer, não desta criação» (9:11); «quanto mais o sangue de Cristo limpará … suas consciências das obras mortas» (9:14); «mas as coisas celestiais, com melhores sacrifícios» (9:22); «...provendo Deus alguma coisa melhor para nós...» (11:40).
Considerando que o tema central desta revista é «a glória do caminhar cristão», é de valor fundamental revisarmos por que este caminhar cristão é tão glorioso.
O autor desta epístola tinha presente em seu coração a nostalgia dos judeus que haviam abandonado a glória do judaísmo: o templo, que visitantes de todas as partes da terra concorriam procurando a Deus; os sacerdotes vestindo esplêndidas roupas; as oportunidades de intercâmbio comercial nesses encontros e o peso de uma tradição histórica.
O que o cristianismo oferecia em troca? As palavras destacadas nos textos citados revelam a superioridade da fé em Jesus Cristo acima da glória do culto judeu.
A palavra «melhor» é a chave dos livros de sabedoria
O autor da epístola aos Hebreus, inspirado pelo Espírito Santo, usa a mesma chave que têm os assim chamados livros de sabedoria: Jó, Salmos, Provérbios, Cantar dos Cantares e Eclesiastes. A chave que caracteriza estes livros é a palavra «melhor». Neles, através de comparações de um conceito com outro, estabelece-se o que é melhor; então esta fórmula ajuda a esclarecer a decisão de uma pessoa diante de uma determinada situação, pois lhe ajudará a escolher o que é mais sábio.
A vida nos impõe a inevitável necessidade de tomarmos as melhores decisões. Para isso precisamos nos valer da sabedoria; do contrário, tomaremos o caminho dos néscios. O homem sábio procurará a ajuda da sabedoria prática, a fim de construir a sua existência com os melhores valores.
Este pensamento estava também no apóstolo Paulo quando escreveu a epístola aos Filipenses, seguindo o padrão marcado por Eclesiastes: «Que proveito tem o homem de todo o seu trabalho com que se afadiga debaixo do sol?» (Ec. 1:3). A vida se traça em termos comerciais: Que ganho há em fazer tal ou qual coisa? Paulo diz: «Quantas coisas eram para mim ganho, estimei-as como perda por amor de Cristo. E certamente ainda estimo todas as coisas como perda pela excelência de Cristo Jesus, meu Senhor, por amor do qual perdi tudo, e o tenho por lixo para ganhar a Cristo» (Fil. 3:7-8). Aqui há uma transação de valores onde se perde e por outro lado se ganha. O que antes era considerado ganho, agora é desprezado, para obter o que é muito melhor.
Para Paulo, em sua experiência passada, como judeu, construir a sua vida sobre a base dos valores do judaísmo, tinha sido o melhor investimento. Ele era cidadão romano, o que implica que era de família rica, pois esse título se obtinha por dinheiro. Sendo judeu, foi pelo caminho mais alto: ser rabino. A carreira do rabino era cara e muito difícil; tinha que estudar muito. Não obstante, uma vez graduados, eram as pessoas mais respeitadas e com maior status entre os judeus.
Paulo propôs construir a sua vida no que naquela época se considerava ser o mais valioso: «...circuncidado ao oitavo dia, da linhagem de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu de hebreus; quanto à lei, fariseu; quanto ao zelo, perseguidor da igreja; quanto à justiça que é pela lei, irrepreensível». Mas ele tinha chegado a um ponto crucial em sua vida, perto do fim de sua carreira: Cristo lhe saiu ao encontro, e ele pôde notar que tudo aquilo, tão valioso com o que tinha construído a sua vida, ao compará-lo com Cristo, era lixo; por isso prefere, mesmo lhe custando perder tudo, obter aquilo que é mais excelente.
Entre o bom e o mau, escolhemos o bom; entre o bom e o melhor, escolhemos o que é melhor, e entre o melhor e o excelente, ficamos com o mais excelente. Sem dúvida alguma, o caminho mais excelente é Cristo, o caminhar do cristão é glorioso, porque Cristo é glorioso, e isso não depende de estar bem neste mundo, nem mesmo de deixar de sofrer, mas é inevitável que ao seguir aquilo que é o bem supremo, temos que deixar tudo o que estorva para trás e o que impede o gozo do bem supremo.
A glória do caminhar cristão vs. a glória do caminhar judaico
A epístola aos Hebreus segue o mesmo padrão dos livros de sabedoria, os quais tinham marcado profundamente a mentalidade judaica, como observamos no próprio apóstolo Paulo. Sendo que esta carta vai dirigida aos hebreus, e considerando que a sua conversão a Cristo o havia levado a deixar para trás a glória de sua religião, era muito provável que muitos deles, ao ver que a mudança não lhes tinha favorecido em termos materiais nem sociais, era necessário, então, lhes apresentar uma contundente comparação entre os valores que tinham deixado e o que agora estavam apreciando, com o fim de fazer mais firme aquela decisão pelo bem mais excelente.
1) Cristo, superior aos anjos
Na ordem das criaturas, os anjos tinham a dignidade de serem superiores ao resto dos seres criados. A mentalidade judaica não podia conceber que Jesus o Cristo estivesse à altura da dignidade de Deus. Eles tinham crido em Cristo como um homem superior que tinha agradado a Deus, avançando desde sua humanidade para a semelhança com a divindade; tinha partido de baixo para cima chegando a obter a complacência divina. Isto era o que apresentava a heresia conhecida como o Ebionismo, que foi a asa esquerda das controvérsias cristológicas dos primeiros séculos.
A asa direita foi o Docetismo. Esta heresia, ao contrário do ebionismo, exaltava a divindade de Cristo em detrimento de sua humanidade, apresentando a Cristo como vindo do céu, com aparência de humano. Esta linha tem a sua origem na cultura helênica.
Os judeu-cristãos criam em Cristo como o Redentor, enviado de Deus. Ao localizá-lo na escala das criaturas, por ser homem, eles o viam menor do que os anjos e superior aos homens comuns. Então foram persuadidos a ver e valorizar a Cristo como superior aos anjos. Cristo é a imagem do Deus invisível, coparticipante na criação do universo e constituído herdeiro de tudo, ele é o resplendor da glória de Deus e a sua própria imagem, e depois de ter purificado os pecados mediante a redenção, sentou-se à mão direita da majestade nas alturas, exaltado como o Cristo ressuscitado. Cristo está acima dos anjos e, portanto, é Deus, porque só Deus está acima de tudo que foi criado.
Os anjos foram mandados por Deus a adorar ao Senhor Jesus Cristo; de modo que os judeu-cristãos não podem fazer menos do que fazem os anjos: adorar a Jesus Cristo.
2) Cristo, o mais feliz de todos
«...Deus, o teu Deus, te ungiu com óleo de alegria mais que a seus companheiros» (1:9). A felicidade está determinada pelo que a pessoa é e pela missão que tem; o gozo aumenta quando a missão é cumprida. Isto foi o que aconteceu com Jesus. Seu gozo supera ao de todos os seus companheiros (os redimidos), os quais estão destinados a compartilhar a vida, a imagem, a glória e o reino de Deus.
Esta posição os anjos não a têm, pois não se pode dizer que eles sejam companheiros de Jesus, mas sim os homens redimidos, pois Jesus sendo Deus com Deus terá um corpo e uma natureza humana glorificada por toda a eternidade. Os redimidos eram o gozo do Senhor, posto diante dele, pelo qual sofreu a morte de cruz e toda a ignomínia, porque diante dele estavam os seus companheiros, destinados a compartilhar com ele a herança de Deus.
O caminho do cristão é glorioso, porque está no caminho daquele que é o mais feliz de todos os seres humanos que existiu. A vida mais completa, mais plena, de maior satisfação, é a vida que Cristo trouxe do céu e a exibiu diante dos seus discípulos: Jamais houve homem como ele.
A igreja, companhia de Jesus Cristo, exaltou este testemunho por mais de dois milênios. Nunca ninguém recebeu tanto reconhecimento. Nenhum homem foi tão adorado, mas a Cristo sim, porque ele é Deus perfeito e homem perfeito. Por toda a face da terra o seu nome é celebrado a cada dia. A coroação que recebeu nos céus por sua gestão salvadora e triunfante invicto, coloca-lhe no ponto mais alto do universo: sentado à mão direita de Deus.
3) Embora seja feito um pouco menor do que os anjos, tudo foi sujeito debaixo dos seus pés
Os homens, no presente, se veem opacos ao lado dos anjos por causa da queda; mas o homem ao que se faz referência em Hebreus 2:6-8, é o homem que Deus planejou na eternidade, o mesmo do salmo 8. Ali não se menciona a queda do homem, porque esse homem é a obra mestra de Deus. Esse homem foi feito figura daquele que ia se encarnar, figura do último Adão que tomaria a nossa natureza. Por isso Cristo é o substituto de Deus diante dos homens e o substituto dos homens diante de Deus.
Cristo é o representante do homem genérico, e a posição deste homem é que «tudo foi sujeito debaixo dos seus pés». Tudo, incluindo os anjos. «Ainda não vemos que todas as coisas lhe estejam sujeitas» (2:8). Isto é porque «Amados, agora somos filhos de Deus e ainda não se manifestou o que havemos de ser; mas sabemos que quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele porque o veremos tal como ele é» (1a Jo. 3:2).
Sim, vivemos entre o «já» e o «ainda», entre a fé e a esperança, entre o que já somos e o que seremos; mas, porque Cristo está assentado à mão direita de Deus, certamente nós estaremos onde ele está; pois Sua vitória é um fato consumado. Assim, embora no presente parecemos inferiores aos anjos, estamos destinados a compartilhar a glória, a vida, o reino e a imagem de Deus, «coisas nas quais, os anjos desejam atentar» (1ª Ped. 1:12).
4) Cristo, superior a Moisés
Para os hebreus, não havia homem superior a Moisés, pois por meio dele Deus entregou as suas leis. O testemunho que se registra de Moisés é que «foi fiel em toda a casa» de Deus (Israel). «Porque de tão maior glória do que Moisés é estimado digno este, quanto tem maior honra que a casa o que a fez» (3:2-3). Moisés serve na casa que era de Cristo.
5) O sacerdócio de Cristo é superior ao dos hebreus
Cristo «foi declarado por Deus sumo sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque» (5:10). Este é um sacerdócio eterno e não como o dos hebreus que, por causa da morte, deviam acontecer no sacerdócio. O sacerdócio hebreu era simbólico, o de Cristo é o real. «Se, pois, a perfeição fora pelo sacerdócio levítico (porque debaixo dele o povo recebeu a lei), que necessidade haveria ainda de que se levantasse outro sacerdote, segundo a ordem do Melquisedeque; e que não fosse chamado segundo a ordem de Arão?» (7:11).
6) O tabernáculo onde Cristo ministra é verdadeiro e celestial, o dos hebreus é figura do celestial
«...temos tal sumo sacerdote, o qual se assentou à mão direita do trono da Majestade nos céus, ministro do santuário, e daquele verdadeiro tabernáculo que levantou o Senhor e não o homem» (8:1-2). Todo o culto hebreu é uma figura do culto que se manifestou quando Cristo revelou a Deus. O Pai procurava adoradores que lhe adorassem em Espírito e em verdade. O templo é só uma figura didática para mostrar o desejo de Deus de morar no meio do seu povo; mas nem o templo nem o próprio universo podem conter a Deus; não obstante, ele sente prazer no lugar do seu repouso, a sua casa, a qual casa somos nós, os cristãos.
7) Melhor ministério, melhor pacto, melhores promessas
É contundente o fato de que em um só texto se destaquem três assuntos que demonstram a superioridade de Cristo em relação ao culto hebreu.
Os hebreus se gabavam de que deles era o culto, os pactos e as promessas. Não sabiam que aquilo era uma atribuição temporária, pois tudo isso apontava para um melhor ministério, um melhor pacto com melhores promessas.
Hoje em dia, há grupos de judeus messiânicos que chamam para celebrar as sete festas judaicas. Eles não compreenderam que tudo isso já está completo em Cristo e com melhores efeitos. Cristo é a nossa Páscoa, nosso pão ázimo, nossa primícia, o pentecostes, as trombetas, o Yom kippur e os tabernáculos. Se alguém quer celebrar essas festas à maneira judaica, é porque não conheceu a Cristo e seu ministério.
A intenção do Espírito Santo não é atacar a fé judaica, pois esse culto foi dado por Deus. Não obstante, temos que discernir por que e para que foi dado. Foi para mostrar de maneira didática a glória que seria manifestada no Messias.
8) O sacrifício de Cristo fez cessar o sacrifício de animais
«Cristo tendo oferecido uma vez para sempre um só sacrifício pelos pecados, sentou-se à mão direita de Deus… porque com apenas uma oferta fez perfeitos para sempre aos santificados» (Hb. 10:12, 14).
Cada ano, nos tempos de Jesus, no dia da páscoa, sacrificavam-se 256.000 cordeiros, segundo dado do historiador Flavio Josefo. Cristo, o verdadeiro Cordeiro de Deus, com um só sacrifício, efetuou a redenção. Os animais eram símbolos, mas quando veio o perfeito, o que era simbólico desapareceu com os sacrifícios, o templo e o sacerdócio.
Sem dúvida, as palavras desta epístola foram de grande ajuda para os primeiros cristãos que tinham abandonado toda a glória do culto hebreu para seguir o caminho mais glorioso.