ÁGUAS VIVAS
Para a proclamação do Evangelho e a edificação do Corpo de Cristo
A glória do conhecimento de Cristo
A necessidade de conhecer verdadeiramente a Cristo, e permitir que esse conhecimento reja nossa maneira de pensar e viver.
Rodrigo Abarca
Colossenses nos fala da incomparável glória do Senhor Jesus Cristo. Nesta carta, o apóstolo reuniu os pensamentos mais sublimes sobre Cristo, a cabeça do corpo que é a igreja. A razão de sua ênfase parece ser a presença de certa heresia na igreja de Colossos, que colocava a Cristo como um intermediário de uma categoria angelical, antecipando possivelmente as especulações gnósticas do século II. De qualquer forma, tal posição, por mais elevada que fosse, fazia de Cristo uma mera criatura e não a encarnação do eterno Filho de Deus, que é a imagem do Deus invisível e o primogênito de toda criação.
Deste modo, em Colossenses achamos uma medida da cristologia mais elevada do Novo Testamento. Paulo não tem dúvida em declarar a identidade divina de Cristo e seu lugar hegemônico na economia divina; isto é, sua centralidade e supremacia tanto na criação como na redenção do mundo e da humanidade. Este lugar central é nada menos, que o mistério oculto dos séculos e gerações que agora foi revelado aos santos (Col. 1:26): Que Cristo tem a preeminência em tudo. Este é o grande tema da sua carta aos Colossenses.
Criador e Redentor
Quase como ecoando das palavras do evangelho, Paulo apresenta a Cristo como o amado Filho de Deus, em quem Deus sente prazer de maneira suprema. Por isso, Deus quis e estabeleceu no conselho soberano de sua vontade que todas as coisas sejam feitas por meio dele e para ele (Col. 1:17), e isto inclui todos os poderes e categorias angelicais. Tudo está subordinado a ele, porque é o seu criador e sustentador. O universo lhe pertence porque ele o fez. Deus criou todas as coisas por meio dele. Mas, além disso, lhe pertence, por assim dizer, em dobro; porque, por vontade de Deus, ele é também o seu redentor.
A queda do homem em Adão não só afetou à totalidade da raça humana, mas também a toda a criação visível, que caiu debaixo do domínio da corrupção, da decadência e da morte. Por isso, o sangue da sua cruz não só reconciliou o homem com Deus, como também a toda a criação. Não só a humanidade foi resgatada das garras do pecado e da morte, a criação também foi danificada pelos efeitos do pecado.
A grandeza de Cristo
Quem ou o que pode se comparar a Cristo? Esta parece ser a pergunta tácita que a carta aos Colossenses responde. Pois ele se encontra por cima de todas as ideias e conceitos que os homens possam imaginar ou sonhar sobre ele. Cristo é maior que os nossos pensamentos e doutrinas a respeito dele.
Aqui jaz um dos maiores perigos e tentações que a igreja enfrentou e enfrentará até o fim: fabricar um Cristo menor, ao nível da escala humana. Um ídolo de nossa própria criação que possamos acariciar e dirigir a vontade. Sem dúvida, esta é a fonte que emanam todos os males que afligem à cristandade. Não conhecemos a Cristo. Não como quem realmente é: a plenitude de Deus, que esconde todos as riquezas de graça, sabedoria, conhecimento e poder que a igreja necessita. Não existe nada que não tenha sido provido nele.
Por que, então, a nossa profunda pobreza e necessidade? A resposta é uma só: Não o conhecemos; não o suficiente. A maioria de nós se contenta com um conhecimento superficial de certas doutrinas extremamente básicas a respeito dele. Mas nada além disso. O que na verdade nos interessa, e monopoliza o nosso esforço e atenção, são as nossas necessidades e problemas. Cristo –é triste dizer– é interessante apenas na medida em que nos ajuda e socorre as nossas vidas. E se isso não ocorre, a nossa fé cambaleia e nos enchemos de dúvidas e ressentimentos. Porque não estamos interessados em conhecê-lo além desse ponto. Mas, por que agimos assim?
O triunfo de Cristo
O apóstolo começa dizendo aos colossenses que Deus nos transportou para o reino de seu amado Filho (Col. 1.13). Esta é uma afirmação de fundamental importância. Todos nós nascemos debaixo do domínio do pecado, e, portanto sob a tirania de nossa carne. Isto significa que estamos radicalmente inclinados para a satisfação dos nossos desejos. Os desejos e necessidades do nosso corpo nos tiranizam e demandam toda a nossa atenção: O que comeremos? O que vestiremos?, e etc..., são as perguntas que afligem a nossa existência. A humanidade inteira se organiza e se concentra em torno de si mesma. Este é o efeito do pecado sobre a nossa natureza. Nossa carne é o centro gravitacional da nossa vida. E por isso estamos debaixo da potestade das trevas.
Mas o evangelho nos traz vida e salvação. Somos libertos da escravidão do pecado e da servidão da carne e seus desejos. Somos transportados de um universo, onde reina o escuro sol do nosso eu carnal, para outro, cujo centro de gravidade é um sol imensamente maior e luminoso. É o reino do Filho do seu amor.
Nossa vida antiga foi substituída pela sua. Nosso centro de gravidade foi modificado. Um poder maior que o pecado e a morte estão nos regendo e governando do centro da nossa natureza, redimida e regenerada. Cristo em nós é a esperança da glória (Col. 1:27). Um poder incomensurável nos está atraindo para si.
Tudo isto foi realizado na cruz. A velha criação, com a sua sabedoria, leis e princípios, ficou para trás. O velho homem morreu, o corpo pecaminoso carnal foi lançado fora. Nossos pecados foram perdoados e os decretos que nos condenavam foram cancelados (Col. 3:14). E, visto que o velho homem morreu, os poderes das trevas perderam a sua base de operação. Também eles foram vencidos e reduzidos à impotência no triunfo do Crucificado. Como aquela longa fila de reis, generais e capitães que desfilavam acorrentados atrás do cortejo triunfal do conquistador romano, assim todos os poderes das trevas, com seu derrotado rei encabeçando, marcham acorrentados e reduzidos a total impotência depois do cortejo triunfal de Cristo. Este é o triunfo da cruz (Col. 3:15).
O velho homem carnal, submetido aos poderes das trevas foi tirado completamente na cruz. A ressurreição de Cristo é, em seguida, um novo começo. O princípio de uma nova criação. Uma nova humanidade foi levantada em união com Cristo. Este ponto torna-se vital para compreendermos a natureza da nossa salvação. Deus nos deu vida juntamente com Cristo, perdoando todos os nossos pecados (Col.1:13). Não obstante, qual é o seu significado?
As riquezas de Cristo
Para entender as palavras do apóstolo, é fundamental compreender primeiro que aqui ele não se refere a algum evento em nossa experiência pessoal. Não se trata de alguma espécie de experiência mística. O sentido é que, de maneira objetiva, os valores eternos da morte e ressurreição de Cristo foram postos à nossa disposição por meio do evangelho. Quando cremos e somos batizados nos incorporamos, por meio da fé, a Cristo. Somos unidos a ele. De maneira que somos incluídos de maneira legal e real em sua morte e ressurreição. Os valores da sua morte e ressurreição são postos, por assim dizer, em nossa conta.
A regeneração ou novo nascimento é a confirmação efetiva deste fato. Visto que fomos incluídos em sua morte e ressurreição, estamos eternamente unidos a ele. Desta forma nos participou da sua vida indestrutível. Sua vida é agora também a nossa. Nossa vida de escravidão sob o domínio do pecado terminou. Outra vida nos sustenta e cresce em nosso interior. Sua própria vida. Este é o segredo da igreja e de toda a vida cristã.
Por esta razão, conhecer a Cristo deve ser agora a principal meta da nossa vida. Uma vida centrada nos desejos da carne é uma vida separada de Deus e sua glória. Uma vida de servidão e derrota. Mas não temos que viver assim. Pois agora somos livres em Cristo. Portanto, nossa necessidade mais imperiosa é que a luz da palavra de Deus irrompa em nossos corações e renove totalmente nossa maneira de pensar. Nossa tragédia radica em nossa ignorância. Nosso fatal desconhecimento de Cristo.
Por que nos conformamos com tão pouco? Somos como aquele rei de Israel que, podendo atirar ao chão muitas vezes as suas flechas, apenas o fez três vezes. E o profeta Eliseu repreendeu duramente a sua falta de fé e ambição espiritual. Pois, a graça é tão abundante, que a nossa mesquinharia ou timidez se torna uma grave ofensa para o Doador. Não somos culpados, por acaso, do mesmo pecado?
Paulo exorta aos colossenses a não conformar-se com os pobres substitutos da religião, a tradição e as doutrinas humanas. Se ressuscitamos com Cristo, para que necessitamos dessas coisas? Os crentes de Colossos estavam tentados fazer da fé um assunto de regras e normas de comportamento exterior. Sempre que o conhecimento da grandeza de Cristo desaparece do horizonte da igreja, e esta o substitui por um Cristo diminuído e modelado por suas próprias mãos, escorrega para algum tipo de religião humana, feita de doutrinas, normas e costumes carentes de vida e realidade. Convertemo-nos em crentes rotineiros, de costumes religiosos repetitivos, centrados unicamente em nossos próprios interesses e desejos.
Colossenses é um grande chamado a nos apropriarmos de Cristo, de todas as riquezas que Deus depositou nele para nós (Col. 1:27; 2:3). Nossa cabeça possui riquezas ilimitadas, que são todas nossas por graça de Deus. O que podemos fazer para nos apropriar delas?
Cristo, nossa Vida
Graças a Deus, o apóstolo Paulo é um homem muito prático. Não deixa nada simplesmente no terreno das declarações doutrinárias ou teológicas. Pois o propósito de Deus é que Cristo viva e expresse a sua vida em seu povo. A grande verdade da nossa união com Cristo em sua morte e sua ressurreição, é que nos apropriemos dela por meio da fé, e vivamos governados por ela: «Se, pois ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas de cima» (Col. 3:1). Demo-nos conta do imenso significado desta verdade para a nossa vida prática? Pois existe uma conexão lógica inevitável. Se verdadeiramente morremos e ressuscitou com Cristo (e este é um fato necessariamente verdadeiro com respeito a nós se é que fomos salvos), então já não podemos viver mais sob os poderes e rudimentos do mundo. Visto que estamos vitalmente unidos a Cristo, os nossos interesses e desejos não podem ser mais os desta terra, mas os seus no céu.
Isto é o que significa estar em Cristo. Fomos separados do mundo, do pecado, da carne e dos poderes das trevas por meio de sua morte. Eles já não têm mais poder nem domínio sobre nós. Este fato faz parte da nossa experiência à medida que nos apropriamos de Cristo. E Paulo acrescenta aqui uma frase que é chave para entender como se realiza: «Ponham os olhos nas coisas que são de cima, não nas da terra». A expressão «ponham os olhos» significa, literalmente, «fixar a mente». Mas aqui se refere à disposição da mente; sobre aqueles pensamentos habituais e constantes que governam a nossa conduta e decisões.
Em outras palavras, trata-se da ocupação constante da nossa mente, que, de acordo com Paulo, deve agora focar-se em conhecer a Cristo como a sua ocupação principal e habitual. «As coisas de cima» não são algum tipo de vida futura no céu. São todas as coisas relativas a Cristo, aquele que está assentado à mão direita de Deus (Col. 2:1); isto é, em vitória e triunfo eternos. E nossa vida está escondida e segura nele! Nada desta terra pode tocá-lo e alcançá-lo. Está para sempre além dos poderes do pecado e da morte que imperam no mundo. Esta vida celestial e gloriosa é a que agora vivemos pelo poder e a presença do Espírito Santo.
A chave prática desta vida nova em Cristo está em aprender a estar ligado ao Cabeça (Col. 2:19). E isto se realiza quando nos despojamos de nossa mente carnal, e nos apropriamos da mente de Cristo, porque desta forma estaremos ligados ao nosso Cabeça. Só conhecemos a mente de outras pessoas através de suas palavras. Se não escutarmos as suas palavras não podemos conhecer suas mentes. De maneira que nos apropriamos da mente de Cristo através de suas palavras. Elas têm o poder de renovar a nossa mente e nos introduzir na poderosa corrente de vida do Espírito. Por isso o apóstolo Paulo nos exorta a possuir em abundância a palavra de Cristo em nossa vida de comunhão. É por meio dela que fazemos morrer o que é terreno em nós.
É por isso que o ministério da palavra se torna vital na igreja. Pois o seu propósito é apresentar todo homem perfeito em Cristo Jesus (Col. 1:28). O mistério de Deus é que Cristo se torne a vida plena e perfeita do seu povo. E para isso, ele deve ser formado nas mentes e nos corações dos seus. Nossa união com Cristo em Espírito será efetivada em nossa experiência quando as nossas mentes, e sentimentos e interesses fundamentais sejam totalmente conformados à mente, os sentimentos e os interesses de Cristo. Neste ponto as inescrutáveis riquezas de Cristo serão plenamente nossas. Este é o conhecimento pleno de Cristo, para o qual –é necessário reiterá-lo– o conhecimento da palavra de Deus é de capital importância.
Para que isto seja possível necessitamos uma reorientação total de nossas vidas. Não podemos continuar enfocados somente em nossos assuntos terrenos, nossas lutas e interesses neste mundo, como se neles radicasse o objeto de todas as nossas esperanças e desejos. Se as metas que governarem realmente a nossa vida for meramente mundanas e terrenas (trabalho, casa, bens materiais, etc.), estaremos muito longe do reino de Deus. As coisas celestiais nos parecerão insípidas e insubstanciais, e sua menção não conseguirá provocar mais que uma morna reação em nosso coração, muito fraco para nos apartar das atrações e diversões deste mundo caído.
Mas, quando os nossos olhos se abrem para ver a Cristo em toda a sua glória e grandeza, e conhecê-lo se converter em nossa principal meta, nossa vida será alterada de maneira radical. O céu deixará de ser uma esperança futura e nebulosa, para converter-se em algo mais próximo e substancial que algo desta terra. Cristo começará a crescer dia a dia em nossos afetos e pensamentos mais íntimos. Sua presença se tornará tão real como o ar que respiramos ou o chão que pisamos. Além disso, descobriremos, da mesma maneira que Jacó em Betel, que ele sempre esteve presente com toda a sua riqueza e esplendor, só que nós não sabíamos.