ÁGUAS VIVAS
Para a proclamação do Evangelho e a edificação do Corpo de Cristo
Os efeitos da justificação
A paz com Deus torna possível alcançar a paz de Deus.
Roberto Sáez
«Justificados, pois, pela fé, temos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo; por quem também temos acesso pela fé a esta graça na qual estamos firmes, e nos gloriamos na esperança da glória de Deus» (Rom. 5:1-2).
Paz com Deus
A paz com Deus é o primeiro resultado da justificação, pois éramos inimigos de Deus; a justificação nos reconciliou com Deus e o fruto disso é a paz com Deus. Isto é anterior a todas as benções de Deus para nós; sem isso, nada poderia ser nosso.
Paulo, na epístola aos Romanos, propõe expor a certeza total de nossa completa salvação por meio de Jesus Cristo. Para isto, nos recordará que não estamos tratando de ter paz com Deus, porque por meio de Jesus Cristo já a temos. Paulo usa com ênfase a palavra temos, visto que no seguinte texto nos diz que «também temos acesso pela fé a esta graça».
O homem de todos os tempos esteve desesperadamente em busca da paz, sem saber exatamente que tipo de paz é a que necessita. Não é a paz mental, nem a paz como mera ausência de problemas; tampouco é a paz do desarmamento, nem a paz dos acordos ou pactos das nações. Não! Trata-se da paz com Deus, o qual é um fato inteiramente objetivo, que nos vem pela gestão redentora de nosso Senhor Jesus Cristo na cruz do Calvário. Ali se levou a efeito uma ação judicial, de acordo com os requerimentos da justiça divina, onde o pecado devia ser castigado. Toda a condenação caiu sobre Jesus, o Cristo, quem morreu representando à humanidade de todos os tempos, à raça de Adão, a fim de sofrer por eles o castigo do pecado, transferindo-lhes a justificação ao aceitar para si o castigo deles.
O pecado nos separava de Deus e nos tornava seus inimigos, mas Cristo, ao nos substituir na cruz, possibilitou que Deus nos outorgasse a justificação, e por esse fato, glorioso, tem sido reconciliado com Deus todo aquele que tem respondido pela fé, para se apropriar desta graça. Este fato, a justificação, é o que permite que tenhamos paz com Deus.
Esta paz não se encontra em nenhum outro lugar além da pessoa e obra de nosso Senhor Jesus Cristo na cruz, porque Deus ficou absolutamente satisfeito na demanda de sua justiça, quanto ao castigo do pecado. Assim fica demonstrado o outro aspecto da virtude da natureza divina: o amor. Justiça e amor são os extremos do caráter de Deus e ambos os aspectos foram expressos na obra da cruz. É através do seu amor que nos outorga a justificação, que tem como primeiro efeito prático em nossas vidas a paz com Deus; a partir dela vêm todas as demais bênçãos do céu, e sem a qual não teríamos nenhuma outra.
Isto deveria nos fazer pensar que o que o apóstolo Paulo quer na epístola aos Romanos é nos fazer ver quão firme, completa e sólida é a nossa salvação. A santificação não é um tema à parte, desligado, mas a continuação de um mesmo tema: Os efeitos da justificação. Na realidade, o grande tema da epístola aos Romanos e em geral o de toda a Bíblia, é como Deus fez para nos reunir a ele; porque a queda tinha nos separado com um grande abismo dele. Mas a união com Deus passava pela justificação; daí a importância de ver a centralidade da obra de Cristo na cruz, cujo primeiro efeito, para nós, foi nos dar a paz com Deus.
Primeiro a justiça e em seguida, a paz. A partir deste ponto, desata-se a bênção de Deus abrangendo todas as suas riquezas, o que torna glorioso o evangelho da nossa salvação.
O ser salvos por Sua morte e por Sua vida, o ser transportado de Adão para Cristo; nossa união na morte e ressurreição juntamente com Cristo; que Deus nos tenha mudado da regência – da lei para a graça –; o viver uma vida triunfante pela lei do Espírito de vida em Cristo; e a multiforme graça de Deus nos diversos serviços no corpo de Cristo; todos estes temas, que abrangem o resto da epístola aos Romanos, são uma realidade a partir da justificação.
Por isso o grande tema de Romanos tem haver com «os efeitos da justificação» e este seria o tema que Paulo, de maneira tão sistemática, apresenta-nos nesta epístola, com o objetivo de assegurar aos crentes na contundente firmeza da salvação que Deus nos deu em Cristo.
Pelo que dissemos antes, o crente não deveria aceitar nenhuma acusação em sua mente, venha de onde vier, pois se Deus declarou a paz para todo aquele que crê quem poderá acusar ou condenar aos que Deus justificou?
Aquele que foi justificado começa sua vida cristã com fé e continua pela fé, permanecendo no dom gratuito com que Deus lhe favoreceu: o perdão dos pecados mediante a fé na obra justificadora. Pecados virão, mas nenhum deles poderá apartar ao cristão do amor de Deus, pois o que crê sabe o que tem: «acesso pela fé a esta graça» (Rom. 5:2).
Embora seja certo que o pecado nos separa de Deus, é muito certo que a justificação nos restaura à comunhão com Deus. Qualquer que não sabe o que Deus nos deu em Cristo, poderia tomar isto levianamente como licença para seguir pecando. Não obstante, os que conhecem de verdade a graça de Deus, sabem que o crente não só encontrou a ventura da paz com Deus, mas também a ventura da paz de Deus. Uma vez que o cristão experimentou esta ventura, não permitirá que nada o separe deste desfrute; se pecar, não encontrará deleite nisso, por muito prazeroso que se mostre o pecado; finalmente, se voltará para o único e perfeito prazer: o da paz com Deus e a paz de Deus.
Paz com Deus e paz de Deus
A paz com Deus é uma coisa e a paz de Deus é outra. A paz com Deus implica que havia uma inimizade que foi resolvida com a reconciliação efetuada por Cristo na cruz. A paz de Deus é algo completamente orgânico, e, portanto subjetivo. Enquanto a paz com Deus é algo objetivo e, portanto, algo que ocorreu em primeira instância fora de nós na cruz; a paz de Deus nos vem pela graça derramada; é o que Deus, por seu Espírito, pôs dentro de nós quando cremos. A paz com Deus é a graça do ponto de vista do legal; quanto a nossa relação com Deus. Antes de gozar da paz de Deus tinha que atender a causa pela qual estávamos desligados de Deus; dali parte tudo no que corresponde à obra de recuperação do que se perdeu. Fomos criados para ser um com Deus, para lhe contemplar face a face, para participar da sua natureza divina, para sermos semelhantes a ele tendo a sua imagem, sua glória, sua vida, e seu reino. Mas a queda afetou essa posição nos desvinculando de Deus ao ponto de nos lançar para uma destituição caótica, nos tornando inimigos de Deus, extraviados, ao ponto de não podermos fazer nada por nós mesmos para remediar tal fatalidade.
Fomos qualificados como «filhos de ira» (Ef. 2:3). Fomos entregues a «uma mente reprovada… lotados de toda injustiça, fornicação, perversidade, avareza, maldade; cheios de inveja, homicídios, lutas, enganos e malignidades, murmuradores, caluniadores, aborrecedores de Deus, injuriosos, soberbos, altivos, inventores de maus, desobedientes aos pais, néscios, desleais, sem afeição natural, implacáveis, sem misericórdia» (Rom. 1:28-31), e a esta lista terei que acrescentar muitas desqualificações mais para nos referir ao estado caído do homem que estava em inimizade com Deus. Era este homem que necessitava desesperadamente ter paz com Deus. Era esta a gravidade da distância abismal que havia entre Deus e o homem, distância que não se podia resolver de outro modo que não fosse por meio do preço pago por Cristo na cruz.
Tudo isso foi causado por um desacato, um só ato de desobediência, pelo primeiro homem Adão. Para um Deus perfeitíssimo, como o que nos revelou no macro e microcosmos de um modo natural, e de uma maneira especial em Jesus Cristo pelas Sagradas Escrituras; esse simples detalhe de um ato contra a vontade de Deus trouxe consigo a ruína de toda a humanidade. É que em Deus não há enganos, nenhum só; nele não há trevas nem pode haver, nem haverá jamais. Foi pela conduta irrepreensível do Segundo Homem, que se conseguiu retornar para sermos amigos de Deus. Foi «por meio de nosso Senhor Jesus Cristo», como diz Paulo, que temos paz para com Deus. Isto era imprescindível antes de gozar da paz de Deus.
Paulo se refere à paz de Deus como algo que «ultrapassa todo entendimento» (Fil. 4:7), é que Deus é a fonte de toda paz. Uma coisa é ter paz com Deus pela obra que ele fez em Cristo, e outra coisa é ter a paz de Deus que é ele mesmo, a paz que é inerente a sua pessoa e que foi infundida quando cremos. Jesus prometeu a seus discípulos: «A paz vos deixo, a minha paz vos dou», e «estas coisas vos falei para que em mim tenhais paz» (Jo. 14:27; 16:33). Ofereceu «descanso para as nossas almas» (Mat. 11:29); é o «príncipe da paz» prometido em Isaías 9:6. Chorou lamentando que Jerusalém desprezasse a sua paz: «Oh, se também tu conhecesses… o que é para tua paz» (Luc. 19:42). Paulo diz que Cristo «veio e anunciou as boas novas de paz a vós que estáveis longe, e aos que estavam perto» (Ef. 2:17). «Não há paz, disse meu Deus, para os ímpios» (Is. 57:21).
O pecado faz com que o homem fuja de Deus, mas aquele que se agarra a graça que Deus deu em Cristo, estando em paz com Deus, deleita-se na paz de Deus e permanece nela, sabendo que Deus recebe com agrado às pessoas justa guardadora de verdades. Tu guardarás em completa paz a aquele cujo pensamento em ti persevera…» (Is. 26:2-4). Pode ser que a um cristão imaturo nada mais importe que o perdão de Deus; se apenas consegue estar em paz com Deus e sua consciência, isso lhe seria suficiente. Mas o cristão maduro irá mais adiante, procurará não só a paz com Deus e consigo mesmo, mas a paz de Deus, pois esta realidade espiritual é o que nos permite ter contato com o próprio Deus e não apenas com uma de suas obras. A qual, sendo primeira e a mais importante, por ser esta obra a que nos abre a porta a todas as demais bênçãos, não obstante, uma coisa é desfrutar das bênçãos de Deus e outra muito mais rica é desfrutar a ele mesmo, porque ele é a fonte de toda bênção. Deus guardará em completa paz… quer dizer que há uma paz que, sendo verdadeira, não é completa; esta é a paz com Deus. A paz completa consiste em que, tendo a paz com Deus, desfrutemos da paz de Deus, para o qual é necessário permanecer nele com nosso pensamento.
A fé é a ferramenta que se apropria da paz com Deus; enquanto que para gozar da paz de Deus, requer-se a nossa confiança e obediência. Segundo Filipenses 4:9, «isto fazei; e o Deus de paz será convosco». É confiança no que Deus tem dito e tem feito em Cristo; é obediência à fé respaldada pela graça de Deus. Fé e obediência são duas categorias de palavras que vão juntas no aproximar-se e no caminhar com Deus. A fé nos aproxima de Deus e a obediência nos faz caminhar com ele; mas o denominador comum é a graça de Deus.
Todas as barreiras que impediam o acesso a Deus foram removidas com a obra de Cristo; toda inimizade ficou resolvida; os véus foram tirados e se deu o acesso à graça de Deus «na qual estamos firmes». Isto implica uma afirmação contundente em relação à segurança da completa salvação que temos em Cristo, e tudo isto faz que Deus se revele a nós mais glorioso, pela glória da salvação com que nos favoreceu.