ÁGUAS VIVAS
Para a proclamação do Evangelho e a edificação do Corpo de Cristo
O amor depois do amor
Marcelo Díaz
A união matrimonial
A união matrimonial possui características inigualáveis. Uma delas é o amor. A importância deste no matrimônio é vital. A partir dai a necessidade de preocupar-se para que o amor cresça e amadureça.
O amor faz que duas pessoas tão distintas se unam em uma por toda a vida. O amor que cresce nos maridos pode formar uma aliança tão profunda no matrimônio que é capaz de suportar absolutamente os embates da vida no mundo.
No matrimônio, espírito, alma e corpo se unem para consolidar uma nova ‘carne’, quer dizer, uma nova realidade. Esta união se diferencia de outras uniões em que tem a exclusiva união do corpo físico, visto que na prática podemos nos unir em um só espírito e também em uma só alma com os irmãos, mas não no corpo. Só podemos nos unir em um só corpo com o nosso cônjuge.
A união matrimonial é a única que tem profundidade nestas três grandes dimensões: a união do espírito, a alma e o corpo. A união do espírito é a união de propósitos; ali conflui a essência do por que e para que do matrimônio. A união da alma é a união em processo, onde se articula o como. E a união do corpo é a união que certifica e legaliza o anterior em um pacto exclusivo, transcendente, de fidelidade e amor.
No livro de Gênesis, uma das primeiras palavras em relação ao matrimônio diz: «portanto, deixará o homem a seu pai e a sua mãe, e se unirá a sua mulher, e serão uma só carne» (Gên. 2:24). Fixando a nossa atenção nos verbos, este versículo pode ser dividido em três partes.
União espiritual
«…deixará o homem a seu pai e a sua mãe». Esta é uma dimensão espiritual. O homem e a mulher devem abandonar a sua família de origem, para estabelecer o propósito divino em uma nova realidade. O sentido de uma nova família só alcançará a sua verdadeira dimensão espiritual ao deixar a paternidade individual, para estabelecer-se debaixo da cobertura de Deus Pai, quem por seu Espírito toma domínio real na família que começa. Nas Escrituras, só Deus é chamado de «Pai dos espíritos» (Heb.12:9).
O apóstolo Paulo, na carta aos Efésios, tendo explicado o propósito de Deus e seu mistério, conclui com uma oração muito importante e reveladora referente às famílias e ao Pai celestial: «Por esta causa dobro os meus joelhos perante o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, de quem toma nome toda a família nos céus e na terra…» (Ef. 3:14-15).
Ao iniciar este verso com a expressão «Por esta causa...», Paulo põe especial atenção em tudo o que foi dito anteriormente nos três primeiros capítulos de Efésios, onde se revela o sentido divino de todas as coisas criadas. De modo que os maridos cristãos encontrarão ali a fundamentação do matrimônio, que será aprofundada em seguida no capítulo 5 na sua plenitude em relação a Cristo e a igreja.
Em Abraão encontramos um exemplo do que estamos falando. A ele foi pedido que deixasse a sua terra (pátria), pais e parentela, para iniciar uma viagem de fé à Terra Prometida, a qual é figura de Cristo. «Vai-te da tua terra e da tua parentela, e da casa de teu pai, para a terra que te mostrarei. E farei de ti uma grande nação, e te abençoarei, e engrandecerei o teu nome, e serás bênção» (Gên. 12:1-2).
Desta forma então, concluímos que os maridos têm a sua finalidade em Cristo. Eles devem tomar a sério este chamado, procurando não danificar as relações familiares que por momentos são tão importantes e úteis, e deixar a vida caseira com os seus pais; e estabelecer limites claros para unir-se em um espírito como maridos, procurando a intenção mais prática do Pai na nova realidade familiar, a qual em estreita união ao Corpo de Cristo irá crescendo para a glória de Deus.
União da alma
«…e se unirá a sua mulher…». Os maridos se unirão. Esta união corresponde à alma. A alma é o que somos ou como somos, nossa personalidade, nossa consciência de nós mesmos. De maneira que esta é a união mais consciente e resistente. A alma está em constante crescimento e tratamento com Deus; portanto, esta união será um processo. Corresponde ao mais visível, o que chamamos ‘o ajuste’ do matrimônio.
O trabalho de unir os pensamentos, as emoções e a vontade é um processo complexo que requer uma firme decisão diante de Deus e um sólido amor capaz de suportar as provações. Uma vez que decidem deixar as seus origens, os maridos se estabelecem como uma nova realidade espiritual, para em seguida implementar uma base sólida de acordos. «Andarão dois juntos, se não estiverem de acordo?» (Amós 3:3). Aprofundar no conhecimento mútuo, interagir com as suas emoções, aceitarem-se mutuamente, planejar, decidirem juntos, irá progressivamente lhes unindo em uma mesma alma. Esta é a tarefa mais difícil de todas.
A alma deve ser pastoreada, conduzida, salva dia a dia. Por isso, Deus entrega aos maridos, no início, um sentimento tão poderoso, difícil de suportar; o que usualmente chamamos ‘amor’. Longe de ser uma distorção do amor, o amor é antes uma hipersensibilidade disso, que, bem conduzido, trará para os maridos, em seus primeiros anos de existência matrimonial, a capacidade de tolerar os difíceis momentos do ajuste.
Este sentimento tem como fim impulsionar aos maridos para a união da alma. Ali onde confluem duas personalidades tão diferentes, se ativa o amor para equipar o ânimo e encontrar o ‘como’ eles chegarão juntos a ser um em tudo.
União corporal
«…serão uma só carne». Por último, temos a união dos corpos, que confirma e legaliza o vínculo. A exclusividade, a santidade dos maridos, o compromisso de fidelidade mútua, sela a união. O desejo sexual é outra grande ajuda que Deus proporciona à união matrimonial. Agora a partir do sensorial, a necessidade de ver-se, tocar-se, estimular-se e unir-se genitalmente, dá força ao vínculo.
Desta forma, o amor tem uma dimensão sensual erótica, não que isso isenta do princípio da negação, da cruz, como ensina Paulo aos casais na igreja de Corinto: «O marido cumpra com a mulher o dever conjugal, e deste modo a mulher com o marido. A mulher não tem poder sobre o seu próprio corpo, mas o marido; nem tampouco tem o marido poder sobre o seu próprio corpo, mas a mulher. Não vos negueis um ao outro…» (1ª Cor. 7:3-5).
A sexualidade tem a força para fortalecer profundamente o vínculo matrimonial. No entanto, mal conduzida, esta pode separá-los com a mesma intensidade. Por isso, o amor erótico deve ser governado pelo princípio do amor pleno. O amor não busca o seu próprio interesse (1ª Cor. 13:5). A intenção de outorgar prazer, de desfrutar junto ao outro e a negação mútua, dará aos maridos, na união dos seus corpos, plenitude e gozo. Uma sexualidade com respeito e limites lhes garantirá dignidade, ratificando a força da união.
O amor na vida matrimonial é fundamental. O que começa de forma muito rudimentar com a paixão, deve crescer para a maturidade. Notemos que a paixão não é a meta, o sustento, nem o fim do matrimônio, como se costuma entender, mas o primeiro impulso de algo superior. Estudos psicológicos concluem que a paixão no casal dura em média cerca de três a quatro anos, tempo suficiente para que os maridos consigam estabelecer certas bases de relacionamento que será veículo para a sua futura relação.
Depois da paixão, vem a etapa que denominamos ‘amor depois do amor’. Ali, o amor deve começar a dar os seus primeiros passos sem a calidez e motivação da paixão. Cresce do egoísmo auto referencial à completa rendição por quem se ama. Na Bíblia temos exemplo disso. Em Cantar dos cantares, os maridos experimentam o progresso do amor. Como produto disso, a relação amadurece; as adversidades, as provações, as ausências, não são mais que abono para o crescimento.
De Cantar dos Cantares
Ela diz: «O meu amado é meu, e eu dela» (Cant. 2:16). Aqui encontramos um amor centrado no eu. Tudo o que ela declara por ele se centra nela. Ela o quer para si e só para si. Em primeira instância, parece louvável, mas é um amor ‘apaixonadiço’, possessivo e egoísta. Não pensa no outro, não há espaço para isso; só sabe o que ela sente por ele. Só é consciente do que é seu, e embora esteja disposta a render-se por ele em tudo, a sua base de amor e rendição segue sendo ela mesma.
Este tipo de amor pode sofrer uma devastadora desilusão, pois idealiza tanto ao outro, que nega o que ela não quer ver. Só pensa nas gratificações que o amado pode lhe dar; centra-se no receber. Mas este tipo de amor tem o seu final. A etapa natural de um desenvolvimento saudável a faz crescer. Ela se cansa deste tipo de amor possessivo, e inicia o caminho de sair de si, para ir em busca do outro.
«Eu sou do meu amado, e o meu amado é meu» (Cant.6:3). Aqui se observa com maior consciência que ela aprendeu o caminho da mutualidade. O amor cresceu e agora é mais consciente dele. A oração se inverte; agora ela começa a desfrutar da sua essência de ser, nele. O amor dá um passo a mais, dá e recebe. No entanto ainda tem a sua centralidade invertida. As provas farão que ela cresça para um amor ainda mais amadurecido dizendo: «Eu sou do meu amado, e comigo tem o seu contentamento» (Cant. 7:10). Outras versões dizem: «Eu sou do meu amado e o seu carinho é para mim... Eu pertenço ao meu amado, e ele me deseja!... Eu sou do meu amado, e para mim tende veemente o seu desejo… Eu sou do meu amado: os impulsos do seu amor o atraem para mim».
Notemos que ela terminou com o conflito da insegurança, que a levava a querer possui-lo. Agora não manda que ele seja dela; agora sabe o que ele sente por ela, e isto lhe dá confiança e descanso. O amor amadureceu além da mutualidade. Saiu de si mesma e se centrou nele, achou a paz. Agora tem absoluta segurança nele; já não pede provas, não precisa lembra-lo que ele é dela; agora vive e desfruta do desejo do seu amado. Ele a amou tão intensamente que ela se vê nele. Na conclusão, ao esquecer-se de si, ela se encontra a si mesmo no amado. Assim se completa o círculo perfeito do amor matrimonial amadurecido.
Arrependimento para a vida
Por último, queremos mencionar que o amor também pode morrer. Quando um do casal, ou ambos, deixarem de alimentar o amor, a união estará em sério perigo. Temos um exemplo disso no livro de Apocalipse, que contém uma das palavras mais tristes da Bíblia, a do amado que, vendo o perigo, faz um esforço enérgico por recuperar o que foi perdido. «Eu conheço as tuas obras, e o teu árduo trabalho e paciência; e que não podes suportar aos maus, e provastes aos que se dizem ser apóstolos, e não o são, e os achastes mentirosos; e sofrestes, e tiveste paciência, e trabalhaste arduamente, e não desfaleceste. Mas tenho contra ti, que deixaste o teu primeiro amor...»(Apoc. 2:2-4).
Aqui temos a prova mais fidedigna de uma mulher que se esqueceu de fazer amadurecer o amor pelo seu amado. As preocupações da vida e seu esmero no serviço têm feito que ele não seja o tudo para ela. Lentamente, o seu coração foi se deslizando; seu trabalho, ou os afazeres legítimos da casa, cegaram-na. Sem notar, o seu amor murchou. Como consequência, a união se enfraquece e corre perigo de morte.
No entanto, nem tudo está perdido se é consciente. Por esta razão, o amado enfrenta o problema e sem impor-se, chama-a para mudar, dizendo: «Lembra, portanto, de onde tens caído, e arrepende-te, e faz as primeiras obras...» (Apoc. 2:5). O arrependimento traz de volta o coração para quem obedece, garante-lhe voltar para o ponto onde se perdeu, para em seguida, na vida do Espírito, fazer o que é mais importante.
O sopro renovador do Espírito sempre trará vida ao matrimônio, pois o amor é como brasas, mesmo no ponto de extinguir-se, pode reacender-se. Assim testemunham os enamorados de Cantar dos cantares: «Porque o amor é forte como a morte… As suas brasas, brasas de fogo, forte chama. As muitas águas não poderão apagar o amor…»(Cant. 8:6).