As restrições de Cristo

Gonzalo Sepúlveda

«Haja, pois, em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, o qual, sendo em forma de Deus, não considerou o ser igual a Deus coisa a que se devia aferrar, mas despojou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, feito semelhante aos homens; e estando na condição de homem, humilhou-se a si mesmo, fazendo-se obediente até a morte, e morte de cruz» (Flp. 2:5-8).

Temos nos familiarizado com estas palavras. Creio que quase todos nós poderíamos repeti-las de cor. Proclamamo-las em nossas reuniões. Entretanto, há uma profundidade nelas que talvez nunca consigamos sondar. Tem-se dito muitas vezes que não bastará à eternidade para conhecer a glória e admirar a pessoa gloriosa do nosso bendito Salvador.

Do céu à terra

«…o qual, sendo em forma de Deus…», fala-nos da sua eternidade, da sua potência sem limite. A palavra do Senhor nos ensina que sem ele nada do que foi feito se fez. Por amor a nós, despoja-se daquela amplitude, liberdade e glória. Não se aferra a sua condição divina, toma a forma de servo e se faz semelhante aos homens. Como nós poderíamos imaginar, a partir da nossa pequenez, algo tão grande; que, sendo Deus, viria nascer em uma manjedoura? Como não iriam cantar os coros angelicais: «Gloria a Deus nas alturas, e paz na terra, boa vontade para com os homens!» (Luc. 2:14). «Eis que vos dou novas de grande alegria… que nasceu hoje, na cidade do Davi, um Salvador, que é Cristo o Senhor» (Luc. 2:10-11).

E, o que aqueles pastores testemunhas viram da anunciação celestial? Um pequeno menino envolto em panos! O eterno restringido no tempo, em um corpo humano! Em sua condição divina, o Senhor não dorme nem se fatiga com cansaço (Salmos 121: 2; Isaías 40:28). Entretanto, como homem, ele teve fome, e precisou comer. Teve sono, e precisou dormir. Restringiu-se ao tempo e ao espaço.

E, além disso, tomou a condição de servo. A tradução diz servo, mas na realidade é escravo, sem direito algum. E viveu a humilhação e injustiça maior; foi golpeado e desprezado, açoitado, cuspido, ferido, restringido, até dar a vida por nós na cruz. Sendo o Rei! Isto não cabe em nossa mente. O Senhor é digno de adoração!

Entretanto, em sua máxima restrição, pôde consolar muitos corações, libertar os cativos, e curar inúmeros doentes. Tais «limitações» não foi um impedimento para que pudesse nos servir e nos dar salvação e vida eterna.

O Senhor não reclamou, nem disse: ‘por que acontece tudo isto?’. Simplesmente, carregou a sua cruz e foi «obediente até a morte, e morte de cruz». Temos um glorioso Senhor!

Nos primeiros capítulos do evangelho de Lucas, fala-se do menino Jesus, crescendo sob o atento cuidado de Maria e José (Que admirável o serviço que prestou José protegendo ao Menino!). Transcorre um longo período de tempo em que não se sabe nada dele, não há um registro, como se nada tivesse feito durante esse tempo.

Aos doze anos, aparece um pequeno relato, quando Maria e José o buscam com angustia, entre os parentes da caravana que retornavam após adorar em Jerusalém. Finalmente o encontram no templo, sentado no meio dos principais doutores da lei (Lucas 2:41-52), e todos se maravilhavam da sua inteligência e das suas respostas.

Anos de silêncio

E passam dezoito anos, aproximadamente, (segundo Lucas 3:23), e só então foi batizado por João no Jordão. O que aconteceu esses dezoito anos? Recordemos que o seu ministério durou uns três anos e meio. Que pouco! Como é possível que uma pessoa de sua estatura dispusesse de um tempo tão reduzido para exercer o seu precioso ministério? E passam anos aparentemente perdidos, como se tivesse sido absolutamente ignorado. Não há um registro escrito onde se possa glorificar a Jesus pelo que tenha feito entre os doze e os vinte e nove anos.

Até onde nós conhecemos, na Escritura, antes do seu batismo público, ele não tinha feito um só milagre; entretanto, o Pai diz dos céus: «Este é o meu Filho amado, em quem tenho complacência» (Mateus 3:17). Eis aqui o Servo, preferido, amado! Oculto, sem manifestação pública, mas já agradava o Seu coração.

O que o Pai viu no coração de seu Filho? Olhou para ele e o examinou durante esses dezoito anos, e não encontrou falta nele. Viu-o na intimidade, oculto. Não visível para nós. Só vemos o menino envolto em panos, e a Maria, guardando todas as coisas em seu coração. Mais algumas passagens da sua infância, mas depois deixamos de vê-lo, até os trinta anos, aproximadamente.

Nós não podemos ler nada dele; mas, nesse agrado do Pai, podemos ver algo – se agradou dele na intimidade, na solidão. Nós gostamos de vê-lo fazendo milagres. Nós gostamos de vê-lo vitorioso, expulsando os demônios com tanta autoridade, e como lhe obedecem! Impressiona ler sobre ele nos evangelhos, nunca um problema ficou sem solução em sua presença!  Nenhuma restrição foi um obstáculo para que ele pudesse dar os melhores frutos e obter as maiores vitórias.

Reclamações vs. soberania

Oh, irmãos, em nossa fraqueza humana, nós temos a tendência de reclamar por nossa condição, e protestamos: ‘Oh, se tivesse mais liberdade para servir ao Senhor! Falta-me o tempo, minha saúde esta fraca, necessito de mais recursos para servir; os problemas me agoniam, etc.’, se tivesse liberdade, então eu serviria ao Senhor’.

 Em tudo vemos que estamos restringidos. Entretanto, irmãos, nesse sentido, é possível que não tenhamos muito boas notícias. O Senhor não nos assegura uma liberdade externa, visível; a liberdade é um assunto do coração. O Senhor necessita que, estando em nossa condição, possamos ser obedientes, apesar de tudo o que nos comprime ou limita.

O Senhor, em sua soberania, (quem é soberano não precisa pedir opinião), simplesmente preparou um determinado ambiente para cada um de nós. Ele nos conhece muito bem e não é injusto; ele sabe qual é a nossa necessidade, e também a nossa capacidade, e a sua provisão é abundante para todos.

Os frutos de Cristo

Estando nessa condição de máxima restrição, o Senhor Jesus deu os maiores frutos. E nós devemos olhar para ele e aprender dele. Ele não pôs condições para servir, simplesmente foi fiel, quando aparentemente, nada fazia. E essa obediência íntima, essa fidelidade íntima o capacitou para em seguida fazer as maiores obra.

Irmão, temos duas opções diante dEle: lhe agradar ou não lhe agradar. E cada um de nós sabe que, quando o Senhor está agradado, como se abrem as portas, há bênção e paz no coração, e ele permite que os seus servos deem fruto para a Sua glória!

Mas, também, quando não lhe agradamos, sentimos uma frustração muito grande, e lhe pedimos perdão, porque nos notamos, pelo Espírito que habita em nós, que restringimos a sua obra. Irmãos, pensemos nesses dezoito anos de obediência oculta, íntima, do Senhor. E o Pai diz de seu Filho: «Este é o meu Filho amado, em quem tenho complacência» (Mat. 3:17), antes que tivesse feito um só milagre.

Fiéis na intimidade

O que está acontecendo conosco? Como nós estamos investindo? O que estamos fazendo? O Senhor nos vê, ocultos. Na realidade, não podemos nos ocultar dele. O que está acontecendo dentro de nós? Estou falando dos nossos pensamentos, das nossas intenções, dos nossos julgamentos.

Da intimidade, onde ninguém nos vê, nós podemos bendizer os nossos irmãos, podemos bendizer o nosso Senhor e lhe dar graças, e esperar nele e adorá-lo e nos entregar a ele, e orar por outros e interceder, procurando sempre o bem da sua casa e da sua obra.

Irmãos, a obra não é ir ao fim do mundo. A obra é vivermos diariamente. Todos somos servos, e cada dia estamos servindo, ou não estamos servindo, ao Senhor. Às vezes pensamos que um servo é um missionário que vai a um lugar hostil, a pregar e a dar a sua vida pelo Senhor.

Com frequência nós pomos obstáculos ao Espírito Santo, toda vez que não lhe permitimos expressar a sua vida, a sua potência. Se não for possível que a vida do Senhor se manifeste, menos ainda se manifestará a potência do Senhor. A vida está, mas ela se limita por nossa vontade, porque não há obediência no íntimo, porque o Senhor nos está enviando a abençoar e não a amaldiçoar, está-nos enviando a amar e não a julgar. O Senhor espera nos ver fiéis e santos.

Deus não renuncia

Irmãos, o Senhor nos ama tanto! Quão paciente tem sido conosco! Um irmão entre nós compôs esta canção: «Senhor, eu sei que tu me amas, apesar de mim». Compreendamos a inspiração do Espírito. Não podemos dizer levianamente: ‘Não importa, irmão; apesar de tudo, o Senhor segue me amando’. «Eu sei que tu me amas apesar de mim» é uma canção para cantá-la chorando, chorando os nossos fracassos, enquanto celebramos a Sua misericórdia.

Entretanto, o Senhor não renuncia os seus servos. Ele te diz: ‘Eu não renunciei a ti, nem a teu serviço, nem à expressão da minha vida e da minha graça e do meu poder através de ti’. O Senhor não renunciou. E nos espera, e nos fala uma vez, duas e três vezes, e nos torna a falar.

A sua palavra nos enche de esperança. «Sempre nos torna a levantar e celebramos, Senhor, a tua paciência, a tua misericórdia. E temos que julgar a nós mesmos uma e outra vez: ‘Senhor, restringi-te; perdi um dia inteiro, perdi horas preciosas, esbanjei este tempo. Dentro da minha alma, dava lugar a amarguras, a ressentimentos, a coisas passadas que as trago para o presente, e que me matam’. O Senhor não renuncia, e segue nos amando, nos esperando, nos seduzindo. Como o Senhor nos ama, irmãos!

Exemplos de Paulo e João

Agora citemos ao apóstolo Paulo: «Lembra-te de Jesus Cristo, da linhagem de Davi, ressuscitado dos mortos conforme o meu evangelho, no qual sofro penalidades, até prisões como de malfeitor; mas a palavra de Deus não está presa» (2ª Tim. 2:8-9). Um homem com um chamado como o dele, não devia ter tido a máxima liberdade, todos os recursos disponíveis, todos os irmãos apoiando-o? E tinha complicações grandes, às vezes com os próprios irmãos. E sofreu penalidades e prisões, e açoite e naufrágios.

Recordam esse relato ao final do livro de Atos? Um naufrágio! Mas, se é um apóstolo, por que perde o seu tempo naufragando no mar? Como se o próprio Deus tivesse se esquecido dele. Chegam a uma ilha, salvam-se todos os tripulantes. E estando nessa restrição, semidesnudos, golpeados, cansados, Paulo ora pelo pai doente de um homem chamado Publio, principal da ilha, o homem é curado. E lhe trazem o resto dos doentes da ilha, e todos são curados. Esse fracasso aparente no exterior, não foi obstáculo para que a graça do Senhor fluísse, e o Espírito Santo o usasse poderosamente.

Quantas coisas temos por restrições e complicações? E o Senhor preparou, em sua soberania, que vivamos com essas pressões, para que nesse ponto, ou nesse ambiente, de alguma forma, possa manifestar a Sua glória. Talvez aquilo que nos desagrada, será usado pelo Senhor, para que a sua vida e poder se expressem, se tão somente formos obedientes na intimidade.

O apóstolo João, segundo Apocalipse, estava na ilha de Patmos, por causa da tribulação. Estava restringido, os irmãos estavam sendo perseguidos. Parece ser o ambiente mais adverso, exilado, certamente sofrendo frio e fome. Não sabemos, mas tal foi o ambiente escolhido por Deus. Ele não precisou estar em um escritório, com ar condicionado, com o melhor computador. Nessas limitações, deu-nos o livro de Apocalipse, com que glória, irmãos!

Ao ler Apocalipse, quem pensa em João? Quando vemos o Senhor Jesus com «os seus olhos como chamas de fogo», você se esquece de João. Esse «estrondo de muitas águas», o «trono estabelecido no céu», quando vemos «a esposa ataviada», «as bodas do Cordeiro»… Quem se lembra de João?  E essa glória tão grande foi escrita no pior momento da vida deste servo que foi obediente na intimidade, no meio das suas restrições.

Elias, próximo a nós

Consideramos os exemplos de Paulo e João; entretanto, eles ainda nos parecem quase inalcançáveis; veem-se tão santos, quase sem defeitos. Assim, para aproximar um pouco o tema da nossa condição, pensemos no profeta Elias.

Quão grande era Elias? (1 Reis 17). Elias orou, e não choveu, houve seca. Viveu em uma caverna, e bebia água de um arroio, e os corvos lhe traziam pão e carne, na manhã e na tarde. Esteve oculto; o servo, oculto. E o Senhor lhe fala e lhe diz: «Levanta-te». (Chega um momento em que não está mais oculto, e o Senhor te levanta). E o envia a Sarepta de Sidom, e vai onde tinha uma viúva. E a viúva estava juntando duas lascas de lenha, com a última medida de farinha, para preparar um pãozinho para o seu filho, e depois deixar morrer.

A condição não pode ser mais triste. A restrição é sobremaneira grande; mas chega o servo do Senhor. E enquanto o servo do Senhor esteve ali, não faltou a farinha, nem faltou o azeite. As limitações, não foram problemas para que o poder de Deus se manifestasse. Mas, na intimidade, Elias foi fiel, foi obediente ao seu Deus.

E depois, pior ainda. O menino ficou doente, o filho da viúva, e morre. Ou seja, não bastava a seca que havia em Israel, além disso, vem esta crise maior ainda? O profeta volta a estar restringido, e o Senhor se glorifica uma vez mais; a vida volta a vencer a morte.

Vida que vence

A vida vence a morte! Não importa quanta morte você esteja rodeado, irmão; a vida sempre vencerá a morte, e essa vida nos foi dada de graça! A vida de Cristo nos foi dada de graça. Lancemos fora a incredulidade, resistamos ao maligno, resistamos até os pensamentos da nossa própria mente, essa análise maligna que às vezes fazemos, onde parece que são maiores os problemas, e sofremos pelo que aconteceu, pelo que passou. Irmãos, a vida que temos é maior, o Cristo que nos foi dado é mais poderoso, que está trabalhando dentro de nós, e acendendo-se dentro de nós.

O que diz a Escritura, irmãos? «Confessai as vossas culpas uns aos outros, e orai uns pelos outros, para que sejais curados. A oração eficaz do justo pode muito» (Tg. 5:16). Irmãos, que as pequenas coisas não perturbem o coração, e estas coisas, na intimidade, entorpeçam o fluir de Sua vida.

«Elias era homem sujeito a paixões semelhantes às nossas…» (Tg. 5:17). Como esta palavra nos consola! Porque temos a tendência de olhar para qualquer outro servo da bíblia, e vê-lo tão elevado. Mas Elias, «era homem…». Não era anjo, mas homem. Somos homens. «…sujeito…». De novo, está aí as restrições, a pressão que há sobre nós.

Este «era homem sujeito a paixões semelhantes às nossas». E Deus o usou. E de que maneira o usou! Irmã, o Senhor quer usar a ti, e não espere que para lhe usar envie a China, ou à selva amazônica. Não digo que aquilo não seja uma gloriosa opção. Graças ao Senhor por todos os missionários que há no mundo inteiro. Mas, irmã, irmão, você é um servo do Senhor, agora mesmo, esta noite, amanhã, todo o dia. Em sua casa, você é um servo, uma serva.

Somos servos uns dos outros, para abençoar-nos uns aos outros, para ser uma benção na obra do Senhor, para sermos generosos com a obra do Senhor, para santificar o nome do Senhor, para interceder pela sociedade inteira; para que o Senhor, de alguma forma, use-nos para abençoar a um vizinho, a um amigo, a um companheiro.

Como o Senhor te usará? Não sei. Mas nessa restrição, o Senhor é poderoso para te usar.

Olhemos para o Senhor Jesus, irmãos. A sua maior restrição significou vida para nós. Será que esse teu problema maior vai terminar em vida de ressurreição? Irmão, deve ser assim, tem que ser assim, porque a vida sempre triunfa sobre a morte! Gloria ao Senhor!

Síntese de uma mensagem compartilhada em Temuco, em setembro de 2010.

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