A filha de Jefté

A relação que através do tempo é gerada entre os pais e os filhos é a mais importante para definir, entre outras coisas, o caráter de um filho.

Marcelo Díaz

No livro dos Juízes encontramos alguns dos episódios mais incompreensíveis e violentos de toda a Escritura. Isto se deve em parte a que o conhecimento do Senhor foi perdido nesse tempo em Israel. É um período no qual reinava o parecer individual do ser humano acima da palavra de Deus. O último versículo do livro nos mostra tal decadência. «Nestes dias não havia rei em Israel; cada um fazia o que bem lhe parecia».

A anarquia era absoluta e o povo de Deus seguia rituais pagãos dos povos vizinhos, adotando suas práticas de culto. Neste contexto ocorrem vários episódios dramáticos, por isso Deus se viu na obrigação de fazer uso de homens e mulheres para expressar a sua vontade e trazer paz ao povo, e que tivessem um mínimo de espiritualidade e interesse em cumprir os desejos divinos. A fé que sustentava tais pessoas e o conhecimento nas coisas de Deus era muito rudimentar, pelo qual, em suas ações, houve uma mistura de paganismo e ignorância. Estes foram chamados juízes de Israel, que esporadicamente se levantavam entre os seus para guiar o povo.

Jefté foi um deles. Filho de uma prostituta, e em um contexto familiar deplorável, foi escolhido pelo povo para dirigir a batalha contra os amonitas.

A história nos conta que Jefté fez uma promessa a Deus antes de ir à guerra, a qual consistia em oferecer em sacrifício o primeiro que lhe recebesse se Deus lhe desse a vitória. A Bíblia diz: «E Jefté fez um voto ao Senhor, e disse: Se na verdade entregares em minhas mãos os amonitas, acontecerá que qualquer que saia das portas de minha casa para me receber quando eu voltar em paz dos amonitas, será do Senhor, eu o oferecerei como holocausto» (V. 30-31).

Os fatos que se narram depois desta promessa são arrepiantes, e foi de toda suposição, pois quem saiu ao seu encontro foi a sua única e jovem filha. E a Bíblia continua dizendo:

«Quando Jefté chegou a sua casa em Mizpá, eis que, sua filha saiu para recebê-lo com pandeiros e com danças. Ela era a sua única filha; fora dela não tinha filho nem filha. E quando a viu, ele rasgou as suas vestes e disse: Ai, minha filha! Abateste-me e está entre os que me afligem; porque dei minha palavra ao Senhor, e não posso me retratar. Então lhe disse: meu pai, deste a tua palavra ao Senhor; faz comigo conforme ao que tem dito, já que o Senhor te vingou dos teus inimigos, os amonitas. E ela disse a seu pai: Que se faça isto por mim; deixe-me só por dois meses, para que eu vá aos montes e chore por minha virgindade, eu e minhas companheiras. E ele disse: Vai, e a deixou ir por dois meses; e ela se foi com as suas companheiras, e chorou a sua virgindade pelos montes. Ao cabo de dois meses ela retornou a seu pai, que fez com ela conforme o voto que tinha feito; e ela não teve relações com nenhum homem. Daí veio o costume em Israel, que de ano em ano as filhas de Israel irem quatro dias no ano para comemorar a filha de Jefté, o gileadita» (Juízes 11: 34-40).

Tudo parece indicar que efetivamente a promessa feita por Jefté foi um sacrifício humano, pois diz o verso que após isto, as mulheres tiveram por costume sair cada ano para chorar a donzela.

Mesmo sendo este acontecimento tão inusitado e aborrecível, podemos tirar lições ao contemplar a virtude e ternura desta jovem. Se nos livrarmos do espantoso feito e nos centrarmos apenas na jovem, veremos a atitude generosa do filho que quer agradar a seu pai. Ela, da qual não se menciona nem mesmo o seu nome, voluntariamente aceita cumprir a vontade de seu pai, tão somente pedindo que lhe deixe chorar a sua virgindade, sendo que não tinha tido o privilégio de deixar descendência.

Quão amorosa e doce é a aceitação do seu destino! Isto nos faz lembrar a inocência de Isaque no caminho para o sacrifício, que não opôs resistência diante de seu pai Abraão. Diante do iminente sacrifício pergunta pelo cordeiro para o holocausto, e diante da sua apelação a resposta foi: «O Senhor proverá» (Gên. 22:8).

No entanto, com esta jovem, não houve provisão para o holocausto, pois a morte era o seu caminho. E, como o servo de Jeová que apresenta o profeta Isaías, ela foi levada para o sacrifício: «Como cordeiro foi levado para o matadouro; e como ovelha diante dos seus tosquiadores, emudeceu, e não abriu a sua boca» (Is. 53:7).

Assim terminou a sua vida, com as palavras mais doces que um filho pode oferecer a seu pai. Generosa e complacente, ela diz: «meu pai, deste a tua palavra ao Senhor; faz comigo conforme o que tem dito». Necessariamente estas palavras remontam a Jesus, o Filho perfeito, quem diante da entristecedora dor da cruz, com humildade ora ao Pai, em aflição, dizendo: «Pai, se for possível passe de mim este cálice, mas não se faça a minha vontade, mas a tua» (Mar. 14:36).

A relação que através do tempo é gerada entre os pais e os filhos é a mais importante para definir, entre outras coisas, o caráter de um filho. No entanto, passa por momentos violentos de prova e tensão, visto que os filhos, ao entrar em certa transição para a maturidade, muitas vezes se sentem superiores aos seus pais e caprichosamente com direito de decidir sobre os seus assuntos. E, por outro lado, os pais cristãos sentem a obrigação de guardar as promessas feitas a Deus em relação aos seus filhos. Então a relação se vê enfrentando um conflito de desgaste de vontades.

Os jovens adolescentes têm, na história da filha de Jefté, uma inspiração para o amor prático e a obediência. Visto que a sua inexperiência e o seu critério em formação não lhes permitem o suficiente espectro para decidir o melhor, os pais são as melhores pessoas para decidir junto com eles; pelo qual, assumir o valor do amor e da submissão, honra a Deus e a seus pais.

A filha de Jefté renunciou ao direito dos direitos: viver. A revelação de tomar a cruz foi outorgada e com humildade agradou a seu pai, como tipo do exemplo supremo em Jesus Cristo. Pelo qual os filhos devem honrar os seus pais obedecendo. Este é o princípio intrínseco do evangelho, que traz paz e longa vida sobre a terra.

Inapelavelmente, nenhum filho deve entregar-se à morte física diante de um mandado de um pai desenquadrado, porque isto não é vontade de Deus, mas diante da sensatez dos pais cristãos, a morte do eu é o melhor dos sacrifícios. «Filhos obedecei a vossos pais no Senhor, porque isto é justo» (Efésios 6:1).

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