Pescadores de homens

Rodrigo Abarca

Mateus 4:17-20.

No relato que acabamos de ler, encontramos, em traços bem fortes, o momento em que o Senhor Jesus Cristo chamou definitivamente a alguns dos seus discípulos para lhe seguir. Segundo o relato de João, esta chamada poderia ter ocorrido mais ou menos um ano depois do momento em que eles conheceram pela primeira vez o Senhor Jesus.

No evangelho de João nos relata o momento preciso em que João Batista apresentou o Senhor Jesus Cristo como o Cordeiro de Deus. E, foi então quando João e André, irmão de Pedro, e em seguida também Tiago, irmão de João, conheceram o Senhor Jesus. Houve em seguida um período, talvez um ano, em que ele esteve relacionando-se com eles, aonde eles provavelmente iam e voltavam no seu trabalho de pescadores.

Mas esta passagem relata o momento preciso em que o Senhor os chama para abandonar o seu trabalho, sua labuta e seus esforços, para segui-lo de maneira completa e definitiva pelo resto das suas vidas. É um momento transcendental na vida dos discípulos.

Há um momento em que nós conhecemos o Senhor; um momento inicial em que o Senhor chega à nossa vida. Mas há um momento tão importante como este mais adiante, em que ele, definitivamente, nos chama para abandonar tudo e nos consagrar totalmente para lhe seguir e para lhe servir. Foi então quando o Senhor disse aos seus discípulos: «Venham após mim, e vos farei pescadores de homens».

Chamada de pescadores

A chamada consta de duas partes: «Venham após mim», a primeira parte; «...e vos farei –o próprio Senhor–, pescadores de homens». É claro que o Senhor está contrastando a sua chamada com o ofício que eles tinham.

Os discípulos estavam retirando os seus barcos depois de ter tentado pescar durante a noite; outros estavam concertando as redes. Mas, então, o Senhor aparece na praia. Ele chega até esse monte de barcos, redes e noites sem dormir. Aproxima-se da praia, e lhes faz a chamada definitiva. E então utiliza esta expressão: «...vos farei pescadores de homens».

É claro que eles entendiam muito bem estas palavras. O que significava ser um pescador? Eles eram pescadores de ofício. Mas, de repente, na beira da praia, aparece um homem que não é um pescador de ofício. Ou melhor, é um carpinteiro. Mas, agora, chama-lhes, lhes dizendo algo surpreendente: «Venham após mim, e vos farei pescadores de homens». Quer dizer, «vou lhes ensinar um novo ofício, algo que vocês não sabem; totalmente diferente do que vocês são. Vos farei pescadores de homens».

Nesta chamada do Senhor pulsa o desejo do coração do Pai. O Senhor Jesus diz em Hebreus, citando o Salmo: «Eis aqui, venho, Oh Deus, para fazer a tua vontade, como no rolo do livro está escrito a meu respeito» (Hebreus 10:5-7). «Venho para fazer a tua vontade». Ele desceu do céu para fazer a vontade do Pai, trazendo consigo a plenitude do mistério da vontade de Deus. Ele era a encarnação, a manifestação da plenitude dos pensamentos divinos com respeito ao homem.

O que veio com Jesus Cristo era o todo, o definitivo; os pensamentos eternos de Deus estavam encarnados em Jesus homem, parado na beira da praia desses pescadores, lhes chamando para deixar tudo, para ir atrás dele. «Venham após mim». E eles entenderam claramente o significado da chamada.

Quando o Senhor diz: «Venham após mim», ele não quer dizer que venham de vez em quando. Pois, eles iam e voltavam; ficavam alguns dias com o Senhor, e em seguida retornavam para o seu trabalho. As pessoas podem chegar a pensar que este foi o primeiro encontro e que foi algo muito espontâneo. Mas, a verdade é que, se lermos com atenção os evangelhos, vamos descobrir que eles já tinham um relacionamento com o Senhor fazia um tempo. Iam e vinham, ficava um tempo e voltavam para o seu trabalho.

Portanto, quando o Senhor lhes falou estas palavras, eles compreenderam que a chamada agora era definitiva; que o Senhor estava agora os chamando para uma nova maneira de caminhar com ele, mais alta e de muito maior compromisso. Na realidade, absoluta. Estava pedindo nada menos que uma completa e total consagração de suas vidas a ele. E eles entenderam claramente a mensagem, pois sabiam que se tratava disso.

Para todos nós, há um momento em nossa vida cristã, quando estamos indo e vindo nessa relação com o Senhor, em que chega o chamado, o mandado divino, para nos render total e absolutamente a ele, ao seu propósito e ao serviço da sua obra.

Um chamado para a igreja

Deus tem um propósito eterno, que é igual para todos nós. Todos são chamados para fazer parte desse seu propósito. Mas, dentro desse propósito, há vocações, que emanam da única vocação celestial. Dessa vocação eterna, soberana, de Deus, emanam tarefas particulares, específicas, para cada um de nós. E, então, chegou o momento da vocação para estes discípulos; do serviço específico ao qual o Senhor os estava chamando e destinando.

Note que o chamado –como sempre, e em todo lugar– não é, em primeiro lugar, para servir. O serviço sempre deriva do chamado supremo. O chamado primeiro é para lhe conhecer, para seguir a ele, para viver com ele, para participar dele. Mas em seguida, o Senhor nos encomenda uma tarefa específica; quer dizer, um serviço.

O trabalho que o Senhor encomenda aqui aos seus discípulos é uma tarefa específica, com algumas conotações claramente particulares. No entanto, no outro sentido, é geral e para toda a igreja. Porque estes são os primeiros discípulos do Senhor; o núcleo original de discípulos de Cristo, e, portanto, a matriz e o embrião da igreja.

A partir deles, o Senhor vai estabelecer a sua igreja de maneira prática; vai estabelecer os princípios que vão reger a vida e o funcionamento, o ministério, a vocação e o serviço da sua igreja. Neles podemos ver, a igreja, de maneira embrionária. Durante três anos e meio, nessa comunhão dos discípulos com Cristo, gerou-se a igreja. Assim como um bebê é gestado no ventre da sua mãe, gerou-se a igreja, e no Pentecostes, quando o Espírito Santo veio do céu, se deu à luz a igreja.

É claro, a igreja nasceu de Cristo, da sua morte e sua ressurreição. Mas, estou me referindo aos aspectos práticos da vida da igreja, aos princípios da vida da igreja. Foram gerados nesses anos de comunhão e relacionamento entre Cristo e seus discípulos.

E o Senhor disse aos seus discípulos algo que não é apenas para eles; porque eles representavam a todos neste momento. Não se trata de uma comissão específica, só para os apóstolos. O que os apóstolos receberam é o encargo de Cristo, através deles, para toda a igreja. Em seguida, eles teriam que passar para a igreja, e deveria ser conhecido na história da igreja como «a doutrina dos apóstolos».

«A doutrina dos apóstolos» é a palavra, o ensino, o que os apóstolos viram, tocaram, escutaram com Cristo, a respeito de Cristo, em comunhão com Cristo. Tudo o que ele fez, tudo o que o Senhor falou, se tornou «a doutrina dos apóstolos», e foi passada por meio deles à igreja. De maneira que o conhecimento do Senhor nos chegou através do testemunho dos apóstolos, e por isso temos os evangelhos, que são o testemunho do que eles viram e ouviram. Isso é o que diz a primeira carta de João no capítulo 1; como uma linha de transmissão da revelação, que vem de Cristo aos apóstolos, e deles até nós.

Então, o que o Senhor Jesus fez com os apóstolos foi estabelecer os princípios fundamentais. E o que ele lhes diz aqui tem haver então com o propósito mais básico de sua vinda ao mundo. Para que o Senhor veio, em primeiro lugar, ao mundo? Em Mateus 16, encontramos o propósito mais amplo do Senhor, a expressão do eterno propósito divino, nas palavras do Senhor: «Edificarei a minha igreja».

O amor de Deus para o mundo

Nós podemos responder claramente que o Senhor veio para edificar a sua igreja. Mas, o que é necessário em primeiro lugar, para que haja a igreja, é que o evangelho seja pregado. Se não houver pregação, se os homens não forem salvos, como que a igreja poderia existir sobre a terra?

Quando meditamos no propósito eterno de Deus, devemos recordar estas coisas. Devemos recordar sempre que esse propósito foi estabelecido originalmente por Deus para cada homem e mulher deste mundo. Antes que o homem caísse, antes que tivesse pecado, Deus disse: «Façamos o homem à nossa imagem, conforme à nossa semelhança».

De modo que o homem foi criado com o propósito eterno de Deus em vista; o mesmo propósito que, em seguida, vai ser redefinido no Novo Testamento, uma vez que o Senhor Jesus Cristo já veio: que Deus quer nos fazer conforme a imagem de seu Filho. Pois, a imagem de Deus é seu Filho.

Então, irmãos amados, todos os homens deste mundo foram criados com este mesmo propósito, e Deus nunca se esquece disso. Quando Deus contempla este mundo, ele vê a todos aqueles homens e mulheres a quem ele um dia, na eternidade, considerou em seu propósito, para que fossem feitos conforme à imagem de seu Filho. É por isso que Cristo veio ao mundo.

E é por isso que ele veio até a praia de João, Pedro e Tiago, e lhes disse: «Venham após mim, e vos farei pescadores de homens». O Filho do Homem veio buscar e salvar o que se havia perdido. Nós estávamos perdidos; João, Pedro e Tiago também estavam perdidos. Estavam ali pescando, como todos nós, em sua vida diária; uma vida sem muitas expectativas, e ainda sob o domínio do pecado e da morte. E o Senhor chegou.

Este é o coração do evangelho. Por isso o Senhor Jesus Cristo disse a Nicodemos no capítulo 3 de João: «Porque de tal maneira...». O Senhor fala com Nicodemos da necessidade de nascer de novo. «O que é nascido da carne –Nicodemos–, é carne; e o que é nascido do Espírito, é espírito. Não te maravilhes de te haver dito: Necessário vos é nascer de novo». Fala-lhe da salvação. «Nicodemos, a menos que nasça de novo...». Fala-lhe da essência do evangelho.

E então, recorda-lhe as palavras de Moisés, porque Nicodemos não pode entender do que se trata a salvação. «Como pode fazer-se isto?». «Bom», diz-lhe o Senhor, «como Moisés levantou a serpente no deserto...». Lhe relembra aquela história que os judeus conheciam muito bem. «...assim é necessário que o Filho do Homem seja levantado, para que todo aquele que nele crê, não se perca...».

O que está acontecendo com os homens deste mundo? Como Deus os vê? Ah, nós vemos a Nicodemos; vemos suas roupas, sua cultura, sua educação. Mas Deus não se impressiona com nada disso; ele vê por detrás de tudo. Apesar de todas as roupagens com que os homens possam se vestir, e a importância que eles possam ter aos olhos dos outros, Deus sabe que estão perdidos. Nicodemos também estava perdido.

«...para que todo aquele que nele crê...». «É como a serpente no deserto, diz o Senhor a Nicodemos». Lembra da história: Os israelitas se rebelaram e murmuraram contra Deus, e então Deus enviou umas serpentes venenosas que os mordiam. E esse veneno entrava em seus corpos. Eram presas por uma dor terrível, caíam ao chão e começavam a morrer. E não havia nada que pudessem fazer.

Isso é o que o pecado fez a cada homem deste mundo. O veneno da serpente não entrou em nosso ser? Ali estavam esses homens agonizantes; tudo estava perdido para eles. Então, Moisés orou ao Senhor, e Deus lhe disse: «Moisés, faça uma serpente de bronze, e ponha no alto, no meio dos filhos de Israel. E todo aquele que olhar para a serpente, viverá». É disso que o evangelho trata. Deus quer que todos os homens sejam salvos; ele não quer que morram eternamente. Só precisaram olhar para a serpente, e viverão.

Um dia, não mais como uma sombra, nem como tipologia, o Senhor disse: «Como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que o Filho do Homem seja levantado». Onde? Na cruz. E quando o Filho do Homem fosse levantado na cruz, todo que olhar para ele e crer nele, viverá. «...para que todo aquele...». Essa é a palavra chave, que expressa o coração de Deus. «...todo aquele...». Não importa quem seja, não importa quão pecador seja. Se olhar, viverá. Esse é o coração de Deus para o mundo.

Assim também disse o Senhor a Nicodemos: «Quando o Filho do Homem for levantado, todo aquele que puser os seus olhos nele, viverá e será salvo». E então vêm essas palavras: «Porque Deus amou o mundo de tal maneira...». Esta é a explicação final. Por que o evangelho é pregado? Nestes dias nos tem dito razões pelas quais devemos pregar o evangelho. Mas, permitam-me lhes dizer algo: Para o Senhor Jesus Cristo, pregar o evangelho não era um dever, não era nenhuma obrigação.

As palavras do Senhor explicam tudo. Por quê? «Porque Deus amou o mundo de tal maneira...». É porque Deus ama o mundo. Será que entendemos o coração de Deus? Podemos dar milhares de razões pelas quais pregar o evangelho; mas, qual é a razão suprema, a razão divina, a razão que moveu o Senhor Jesus Cristo a pregar o evangelho? A sua razão foi uma só e se descreve com uma só palavra: amor. Porque ele ama o mundo. E quando você ama, você não está em um dever.

Paulo diz em 2ª Coríntios 5:14: «Porque o amor de Cristo...». O que aconteceu com Paulo com o amor de Cristo? «Em meu coração –diz Paulo– estava pulsando forte o amor de Cristo. Estou sentindo em mim o que Cristo sente». E o que Cristo sente? «...o amor de Cristo nos constrange». Sabe o que é constranger? É um aperto no coração; o coração se espreme.

Você tem sentido alguma vez esse amor por alguém? Quando você ama a alguém, não é necessário que lhe digam: ‘Vai visitá-lo, chama-o, se aproxime dele’. Alguma vez você esteve apaixonado ou apaixonada? Tinham que te lembrar de chamar a sua noiva, o seu noivo, ir vê-lo, caminhar debaixo da chuva ou enfrentar o frio para chegar até ele ou ela? Quando amamos, nada pode nos separar de quem amamos. Ninguém nos obriga; o coração nos impulsiona, constrange-nos a fazer o que o amor nos manda.

Assim é Deus conosco, assim é que Deus vê o mundo. Notem nas palavras do Senhor, a maneira extraordinária em que ele diz estas palavras: «Porque de tal maneira...». Não de certa maneira, não de uma maneira específica, mas «de tal maneira», extraordinária, superior, «Deus amou o mundo», que cruzou todas as barreiras, passou por cima de todas as dificuldades, atravessou todas as distâncias e todos os abismos que nos separavam dele, para um dia chegar até nós e nos trazer salvação.

Às vezes, os crentes vão se habituando à vida cristã, à comunhão com os irmãos, à palavra de Deus e aos cânticos. E é bom; tudo isso tem que ocorrer. Vamos sendo renovados de glória em glória, vendo cada vez mais o Senhor e sendo transformados em sua própria imagem. Mas, nesse processo, alguns de nós nos esquecemos de onde saímos, e que estávamos perdidos.

Sabe o que significa estar perdido? Paulo diz: «...sem esperança e sem Deus no mundo». O que é estar sem Deus e sem esperança? A tua esperança não é esperança; o que você espera é a incerteza, a escuridão, a morte. Todos os teus sonhos vão morrer, todas as tuas esperanças vão fracassar. Tudo o que você amou e realizou um dia vai desaparecer e ninguém mais vai se lembrar disso.

Você já leu alguma vez Eclesiastes? Ali está – não há esperança para o homem. «Sem Deus»… embora seja claro, os homens estão cheios de deuses e os buscam. Mas, são deuses que não podem fazer nada por eles. São falsos deuses impotentes para ajudar os homens. Por isso, estão sem Deus. Ninguém que vele por eles, que os proteja, que os ame, que tenha um propósito para eles. Sem Deus no mundo, e ao mesmo tempo, perdidos. E quando morrerem, sabe o que acontecerá a eles? O inferno abrirá a sua boca para recebê-los e irão descer para lá. Isto é estar perdido, e assim estávamos todos nós.

Por isso disse o Senhor: «Porque Deus amou o mundo de tal maneira». E por isso, disse também aos seus discípulos: «Venham após mim, e vos farei pescadores de homens». Pois, o reino dos céus é como uma rede que se joga no mar, e quando a recolhem, tiram toda classe de peixes. Isso nos mostra o objetivo da pregação do evangelho. O Senhor veio ao mundo para pescar homens. (Continua...).

Síntese de uma mensagem compartilhada em Rucacura 2010.

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