ÁGUAS VIVAS
Para a proclamação do Evangelho e a edificação do Corpo de Cristo
Vagabunda de Cristo
Biografia de Corrie ten Boom, de prisioneira dos nazistas a pregadora de Cristo.
Águas Vivas
Corrie ten Boom nasceu em 1982 no seio de uma família holandesa profundamente cristã.
O avô de Corrie, Willem, era ancião da Igreja Reformada e foi um dos fundadores da Sociedade Pró Israel, junto a Isaque Da Costa. Relojoeiro de profissão estabeleceu uma oficina familiar em 1837, na parte inferior do edifício localizado no número 19 da Barteljorisstraat, no Haarlem. Nos pisos superiores instalou a família.
O negócio foi herdado em seguida por Casper, filho de Willem, e finalmente por Corrie, quem se converteu em 1924 na primeira mulher holandesa com licença de relojoeiro.
Tendo apenas 5 anos de idade, Corrie pediu ao Senhor Jesus que entrasse em seu coração. Mais tarde, com 30 anos de idade a sua fé começou a dar fruto, quando Corrie começou a ministrar classes bíblicas em escolas públicas, em escolas dominicais, em grupos de meninos mentalmente impedidos, e organizou e dirigiu uma rede de clubes, em primeiro lugar para meninas, e em seguida para meninas e meninos, sob o patrocínio da União des Amies da Jeune Fille. Os clubes de meninas se converteram em clubes de girl guides, com Corrie como uma das líderes do movimento na Holanda. Mais tarde, quando sentiu que os clubes estavam perdendo a sua ênfase cristã, formou ‘De Nederlandse Meisjesclub’ (Clube Holandês de Meninas), e continuou como cabeça deste até a ocupação nazista, quando os alemães proibiram reuniões de grupo.
Quando veio a Segunda Guerra Mundial, a família ten Boom estava composta pelo pai (Casper) –sua esposa, Cornelia «Cor» Luitingh, havia falecido em 1921–, seus quatro filhos, já maiores, Elizabeth «Betsie», Willem, Arnolda Johanna «Nollie», e Cornelia «Corrie». Willem se formou na escola de teologia e foi ordenado pastor em 1916, e Nollie era professora, estava casada e tinha seis filhos. Betsie e Corrie tinham permanecido solteiras.
A família ten Boom fazia parte da Igreja Reformada, de tradição calvinista, e era costume em casa começar e acabar o dia com uma leitura bíblica, cantos e orações. Em 1940, quando os nazistas invadiram a Holanda, rapidamente foram organizados comitês de resistência, alguns nas próprias igrejas.
Na Alemanha a propaganda anti-semita usou textos antigos de Lutero, muito violentos contra os judeus. Isso fez que muitos luteranos seguissem as tese de Hitler, pensando que era por fidelidade a Lutero, fundador da Igreja nacional Alemã. Ao contrário disso, a tradição calvinista sempre reconheceu o peso do Antigo Testamento, como o que conduz ao Novo, que por sua vez, é reflexo e cumprimento daquele. Por ser também uma fé muitas vezes perseguida, sentiu-se muito identificada com o povo judeu durante a segunda guerra mundial, e tentou salvar o maior número possível de judeus.
A Holanda tinha desde muitos séculos uma tradição religiosa liberal, e eram autorizados cultos não protestantes: católico, judeu, etc. Muitos judeus da Espanha e Portugal encontraram ali uma terra acolhedora, assim como a muitos judeus perseguidos na Alemanha. Por exemplo, a família de Anne Frank. Corrie ten Boom e a sua família entraram naturalmente, por sua fé e seu compromisso com o povo de Deus, nesse movimento clandestino de solidariedade e resistência ao invasor e as leis racistas que se impuseram à população judia da Holanda. De fato, cem anos antes, o avô de Corrie tinha estabelecido uma reunião de oração a favor dos judeus.
A chegada dos nazistas a Holanda trouxe consigo mudanças radicais nas aprazíveis formas de vida dos holandeses. Quando ocuparam Haarlem aplicaram estritas normas de controle da população. Aos cidadãos não lhes era permitido abandonar os seus lares depois do toque de recolher, às 6 da tarde. O hino nacional holandês, «Wilhemus», foi proibido. A Gestapo recrutava a todos os homens entre 17 e 30 anos para trabalhar em fábricas ou no exército.
A casa como refúgio
Em maio de 1942, uma mulher judia, elegantemente vestida e com uma mala na mão, bateu na porta dos ten Boom. Muito nervosa, explicou à família que o seu marido tinha sido detido vários meses antes e que o seu filho tinha conseguido fugir. Os nazistas a buscavam, por isso ela tinha muito medo de retornar para a sua casa. Sabia que os ten Boom tinham ajudado a outra família judia, os Weils, e perguntava se poderia permanecer com eles um tempo.
Casper acolheu a esta mulher, e não só isso, continuou oferecendo o seu lar a outros como um lugar seguro, até que os refugiados pudessem sair do país. Estas pessoas podiam permanecer uns dias ou, inclusive, meses na casa dos ten Boom. Mas era necessário construir um esconderijo que pudessem se esconder no caso dos nazistas vigiarem o bairro.
Em uma reunião clandestina de obreiros, Corrie conheceu um arquiteto idoso, de apelido Smit, que se ofereceu para construir-lhe um quarto secreto. Como se tratava de uma casa antiga, havia todo tipo de cantos inesperados e espaços nela. Foi assim que foi criada na casa dos ten Boom um esconderijo impossível de detectar, localizado na parte alta da casa, para dar assim tempo para os moradores no caso de uma blitz.
No dormitório de Corrie foi levantada uma parede falsa de tijolos que ocultava uma pequena habitação de 2 metros de comprimento por 0,70 de largura, onde cabiam seis pessoas, duas sentadas e quatro de pé. Este espaço podia ser acessado através de um estreito corredor feito na parte inferior de um armário, levantando um falso painel. Colocava-se uma cesta com roupa de cama para encher esse lugar e se fechava a porta do armário. Do exterior, era quase impossível descobrir o acesso à habitação secreta.
A família obteve, depois de numerosas práticas, que as pessoas que estivessem escondidas em sua casa fossem introduzidas naquele esconderijo em apenas 70 segundos, a partir do som do alarme (que eram operados de vários interruptores distribuídos por toda a casa). Durante esse tempo, não só tinham que chegar até o refúgio, mas também deveriam ocultar qualquer objeto que os delatassem, por exemplo, colchões, travesseiros e mantas se fosse de noite, ou copos, pratos e outros utensílios, se estivessem comendo. As pessoas que viviam na clandestinidade com os ten Boom compartilhavam com os membros da família as diferentes tarefas do lar. Todos tentavam colaborar e apoiar-se naquela situação tão difícil.
A obtenção de mantimentos era outro grande problema que os ten Boom tinham que solucionar. Os holandeses não-judeus tinham recebido um cartão de racionamento para comprar mantimentos. Estes mantimentos eram escassos, de modo que era necessário conseguir mais cartões de racionamento.
Corrie conhecia muito bem a muitas famílias do Haarlem. Recordou que um casal tinha uma filha com incapacidade que ela tinha ajudado. O pai, Fred Koornstra, era um funcionário que estava a cargo do escritório dos cartões de racionamento. Uma noite, Corrie se apresentou na casa dele sem prévio aviso. Ele parecia saber qual era o motivo. Quando lhe perguntou quantos cartões necessitava, Corrie, que tinha ido por cinco, surpreendentemente, atreveu-se a lhe pedir cem.
A idéia dos ten Boom foi prontamente imitada por outras famílias piedosas, que dispuseram as suas casas para albergar e proteger a judeus e perseguidos. Assim, pouco a pouco, Corrie se encontrou à frente de uma rede formada por umas oitenta pessoas, o grupo «Beje» (esse era o nome comercial da relojoaria). A maior parte do seu tempo, ela investia em cuidar dos refugiados, uma vez que lhes dava albergue.
Estima-se que desta forma salvou a vida de 800 judeus, além de numerosos integrantes da resistência holandesa e estudantes que eram perseguidos porque recusavam colaborar com os nazistas.
A captura
A Gestapo (polícia segreda nazista), com a ajuda de um delator, deteve seis membros da família em 28 de fevereiro de 1944. Um indivíduo bateu na porta dos ten Boom pedindo ajuda. Tinham detido a sua mulher por ocultar a judeus e necessitava de dinheiro para subornar a polícia e obter a sua libertação. Corrie e Betsie não o tinham visto nenhuma vez e pressentiam que aquele indivíduo não era sincero, mas e se fosse verdade o que dizia? Depois de um momento de dúvida, decidiram ajudá-lo.
Realmente, o homem era um espião e, em poucos minutos, oficiais nazistas invadiram a casa. Sabiam que algo comprometedor encontrariam nela. Mas, além disso, Betsie teve um descuido que confirmou as suspeitas. Os ten Boom colocavam em uma janela um sinal para que as pessoas que precisassem refugiar-se em sua casa soubessem que não havia perigo e que era um bom momento. Se a situação mudasse, o sinal era retirado. Um membro da Gestapo, que vigiava a casa do exterior, viu como Betsie retirou o sinal da janela no momento em que a moradia era invadida. Os alemães, ao descobrir que aquele símbolo era um sinal de aviso, voltaram-no a colocar em seu lugar e detiveram os que foram chegando depois, crendo que a casa era segura. Umas trinta pessoas foram detidas e levadas para a prisão.
No entanto, as pessoas que se encontravam refugiadas no lar dos ten Boom puderam ficar a salvo. Naquele momento se encontravam na casa quatro judeus (dois homens e duas mulheres) e dois trabalhadores do metrô, que conseguiram esconder-se rapidamente na habitação secreta. A senhora mais velha, Mary Italle, tinha asma e teve muitas dificuldades para entrar na habitação secreta. Corrie a ajudou e fechou o armário só uns segundos antes que um policial nazista aparecesse em sua casa. Os refugiados permaneceram neste pequeno espaço dois dias e meio, sem comer nem beber. Posteriormente, os quatro judeus foram levados para outro refúgio e três deles sobreviveram à guerra. Com respeito aos dois membros da resistência, um morreu pouco depois e o outro conseguiu sobreviver.
Corrie e Betsie foram interrogadas por membros da Gestapo, que lhes perguntaram uma e outra vez onde escondiam aos judeus. Mesmo brutalmente açoitadas, as duas mulheres se negaram a falar.
A Gestapo inspecionou a casa minuciosamente, mas não encontrou a habitação secreta. Os alemães localizaram um lugar na escada onde se escondiam os cartões de racionamento e os passaportes falsos.
A família ten Boom foi imediatamente detida, quer dizer, Corrie, seu pai Casper, seus irmãos Willem, Nollie e Betsie e seu sobrinho Peter van Woerden, filho de Nollie. Um oficial teve piedade de Casper, que tinha 84 anos, e ofereceu deixá-lo livre se lhe assegurasse que não ia causar mais problemas no futuro. Casper respondeu que não podia prometer-lhe de modo que também o levaram.
Já na prisão, quando Casper foi informado que podia ser condenado à morte por salvar judeus, declarou: «Seria uma honra dar minha vida pelo povo eleito de Deus». E de certa forma assim foi, já que morreu dez dias depois de ser detido.
Cárceres e campos de concentração
Por ajudar aos judeus a família ten Boom foi enviada a diferentes prisões e campos de concentração. A polícia nazista subiu todos os detidos em caminhonetes e os levou à prisão da cidade, um antigo ginásio. Depois foram enviados para a prisão de Scheveningen. Corrie e Betsie foram separadas de seu pai e não tornaram a vê-lo nunca mais. Corrie tinha a gripe, por isso foi posta em regime de isolamento.
Na prisão, Corrie chegou a inteirar-se de que seu pai havia falecido. Também seu irmão Willem, e o filho dele, Christian, de 24 anos, e outros membros da sua família morreram como conseqüência de seu encarceramento, mas destas tristes notícias foi inteirada muito depois.
Durante os quatro meses que Corrie esteve sozinha em sua cela, passou muito tempo lendo os Evangelhos. A vida e sofrimentos de Jesus se tornaram mais reais do que nunca. Inclusive começou a ver que todo o seu sofrimento podia ter um propósito. A morte de Jesus havia trazido perdão à humanidade. Da mesma maneira, ela sentia que Deus pode tirar algo bom dos problemas pelos que passamos. Este pensamento lhe deu coragem e fortaleza renovada.
Quando se restabeleceu da sua enfermidade, Corrie assistiu a sua primeira audiência. O oficial Rhams chegou a apreciar a esta valorosa mulher e a ter certa cumplicidade com ela. Gostava de ouvir detalhes de sua vida familiar e, conforme afirmou a própria Corrie, as conversações que os dois mantiveram trouxeram um pouco de felicidade naquela etapa tão dura da sua vida.
Mas esta sorte durou pouco tempo. Corrie, Betsie e outras reclusas foram deslocadas para Vught, um campo de concentração na Holanda. As condições eram terríveis, muito mais severas que na de Scheveningen. Se alguma norma fosse infringida, todo o acampamento era castigado. Às vezes, os prisioneiros eram enviados para um armário onde permaneciam presos com as mãos amarradas por cima das suas cabeças.
Durante o dia tinham que trabalhar. Corrie foi posta em uma seção da fábrica Philips, que fazia rádios para os aviões alemães. Ela tomou cuidado para cometer vários enganos!
Depois de uns meses em Vught, que pareceram uma eternidade, Betsie, Corrie e outros prisioneiros foram deslocados, de novo, para outro acampamento. Desta vez, para a terra mais temida: a Alemanha.
Depois de quatro longos dias de viagem, os prisioneiros chegaram a Ravensbrück, próximo a Berlim, o lugar mais horrível em que Betsie e Corrie tinham estado. Ao menos em Vught e Scheveningen, os presos eram chamados por seus nomes, mas em Ravensbrück só eram um número.
As condições de vida neste campo de concentração eram desumanas. Provavelmente mais de 90.000 mulheres e crianças morreram em Ravensbrück.
Os primeiros dois dias tiveram que dormir à intempérie. Com a chuva, a terra se tornou em um mar de barro. Então foram apertadas em uma barraca. Tinha sido construída para alojar 400 pessoas, mas agora havia ali 1400 prisioneiros. Tinham que dormir em colchões de palha cheios de pulgas. Os guardas não gostavam nem sequer de entrar ali devido às pulgas.
A primeira chamada era às quatro da manhã. Havia 35.000 mulheres no acampamento, e se alguma faltasse, eram contadas uma e outra vez. Assim, freqüentemente isto durava horas. Se as prisioneiras não ficassem de pé, eram chicoteadas.
O trabalho era extremamente duro. Corrie e Betsie tinham que carregar pesadas folhas de aço em carretas, empurrá-las a certa distância e em seguida descarregá-las. Todo o tempo os guardas as incitavam a trabalhar mais rapidamente. No almoço, lhes dava só uma batata e um pouco de sopa, e pela tarde um pouco de sopa de nabo com um pedaço de pão preto. Os prisioneiros que não faziam o trabalho mais ligeiro não recebiam almoço.
Se as prisioneiras adoeciam, os guardas não se incomodavam a menos que a sua temperatura fosse de mais de 40C, o que significava que estavam gravemente doentes. Então tinham que fazer uma longa fila para o hospital do campo. Mas nada se fazia por elas quando chegavam ali. Se o hospital estivesse cheio, os prisioneiros mais fracos eram postos em caminhões e levados para as câmaras de gás. Em seguida os seus corpos eram queimados. A chaminé alta sobre os fornos no centro do campo sempre estavam lançando fumaça cinza.
Este era «o inferno na terra» o que Corrie e Betsie tinham vindo. No entanto, quando chegaram a Ravensbruck, Deus lhes mostrou que Ele ainda podia lhes ajudar, até em um lugar tão terrível como este.
Quando foram deixadas na barraca, as condições do lugar tornaram as mulheres dali enfadadas e egoístas. Havia discórdias e brigas. Todas sofriam tanto que gastavam toda a sua energia em cuidar-se.
Quando Betsie notou isto, começou a orar para que Deus pusesse paz nesse ambiente. Muito em breve a atmosfera mudou. As mulheres se tornaram um pouco mais pacientes umas com as outras. Inclusive começaram a fazer piadas sobre os seus problemas.
De noite, depois do duro dia de trabalho e de um jantar miserável, Corrie e Betsie tiravam a pequena Bíblia holandesa. No princípio um grupo pequeno se reunia ao seu redor para escutar, e logo cada vez mais mulheres se uniram. Os guardas nunca entraram para detê-las, devido às pulgas. De maneira que Corrie e Betsie agradeciam a Deus pelas pulgas!
As mulheres vinham de muitos países, inclusive da Polônia, França, Alemanha e Rússia. Corrie traduzia a Bíblia do holandês para o alemão, alguém mais traduzia do alemão para o polonês, e assim sucessivamente.
Debaixo daquelas terríveis condições, a bondade nas palavras da Bíblia resplandecia e a sua mensagem do amor de Deus trazia consolo. Com a morte ao seu redor, a promessa de vida eterna e a glória do céu davam às mulheres esperanças para o futuro.
Uma noite quando descansavam em seus beliches, Betsie sussurrou a Corrie: «Posso ver uma casa, em alguma parte na Holanda. É uma casa bonita com um grande jardim. Há um amplo vestíbulo com uma escada de madeira esculpida. Nós vamos cuidar das pessoas que foram feridas na guerra, até que elas possam viver uma vida normal novamente. Corrie, eu creio que Deus vai nos dar uma casa assim».
Outro dia, Betsie lhe disse: «Corrie, quando chegar o ano novo ambas seremos libertadas. Deus me deu uma visão. Devemos ir por todo mundo e dizer a todos que não há cova tão profunda que o amor de Deus não possa alcançar».
As suas palavras se tornaram proféticas. No ano seguinte, ambas alcançaram liberdade: Betsie faleceu e Corrie abandonou o campo de concentração.
Com efeito, Betsie, nunca tinha gozado de boa saúde, assim logo caiu doente. Corrie suplicou a um dos trabalhadores da prisão que levassem a sua irmã para o hospital, mas aquele indivíduo se negou a fazê-lo. Finalmente, quando Betsie foi levada para o hospital já era muito tarde. Corrie descobriu, dias depois, na parte traseira do hospital vários cadáveres amontoados, um deles era o de sua irmã.
Só uns poucos dias mais tarde, chamaram a Corrie por seu nome. Ela se surpreendeu porque estava acostumada a ser só a prisioneira 66730. Deveria permanecer no hospital por um tempo e depois ficaria livre. Como conseqüência de um engano administrativo, Corrie conseguiu sobreviver! Existia uma lista com as mulheres, maiores de 50 anos, que deveriam ser exterminadas. Corrie, que já tinha 53, não figurava nessa lista, de modo que não foi conduzida para a câmara de gás, em que morreram uma semana depois as milhares de mulheres que apareciam na lista. Foi posta em liberdade em 25 de dezembro de 1944.
Retornou para a Holanda e pôde recuperar-se dos problemas de saúde contraídos na prisão. Esteve um tempo na casa do Willem, em Hilversum, e logo foi para a sua própria casa de Haarlem no último inverno da guerra. Mas não permaneceu inativa; ela começou a contar a pequenos grupos o que tinha visto no cárcere e como Deus tinha respondido à oração.
Em 1945, foi publicado seu livro «Gevangene em toch ... herrinneringen uit Scheveningen, Vught, en Ravensbruck», sobre suas experiências durante a guerra, pela editora «Ten Have Jaar», de Amsterdã. Este foi o primeiro de muitos livros sobre o amor de Deus, o seu trabalho no mundo e a sua própria vida de fé. A partir de então, a escritura seria uma parte importante do seu ministério.
Libertação e ministério posterior
Aos 53 anos de idade, Corrie começou um ministério mundial para difundir a sua fé e as suas experiências em igrejas, universidades, escolas, cárceres, etc., que a levou a viajar por mais de 60 países nos 33 seguintes anos da sua vida.
A sua pregação se centrou no evangelho de Cristo, pondo especial ênfase no perdão. Em seu livro Tramp for the Lorde (Vagabunda para o Senhor, 1974), conta como, depois de ter estado pregando na Alemanha em 1947, um dos guardas mais cruéis do campo de Ravensbrück se aproximou. Naturalmente, ela resistia a lhe perdoar, mas disse a si mesmo que seria capaz de fazê-lo. Escreveu que foi capaz depois de perdoar, e que «durante um momento longo nos demos às mãos, o antigo guarda e a antiga prisioneira. Nunca havia sentido tão intensamente o amor de Deus como o senti então». Também escreveu (na mesma passagem) que em sua experiência do pós-guerra com outras vítimas da brutalidade nazista, aqueles que foram capazes de perdoar são os que melhor puderam reconstruir as suas vidas.
Pouco depois, fundou uma casa de convalescença em Bloemendal, destinada a recuperação e o repouso dos sobreviventes. Sentiu que a sua vida era um presente de Deus e que precisava compartilhar o que ela e sua irmã Betsie tinham aprendido no campo de concentração: «Não há cova tão profunda que o amor de Deus não possa chegar a ele».
Em 1968, o Museu do Holocausto em Jerusalém (Yad Vashem) pediu-lhe que plantasse uma árvore em memória das muitas vidas de judeus que ela e sua família salvaram. Assim o fez e essa árvore ainda cresce ali.
No princípio da década de 70, Corrie contou a história de sua família e seu trabalho durante a Segunda guerra mundial em outro livro, O Refúgio Secreto (1971), que foi levado ao cinema em 1975, com o mesmo título, pela World Wide Pictures, o ramo de cinema da Associação Evangelística Billy Graham. O livro e o filme, que chegaram a ser muito populares entre os cristãos nos Estados Unidos, deram contexto à história da Anne Frank, que também se ocultou na Holanda durante a guerra.
Posteriormente, foram publicados outros livros deles. Em espanhol foi publicado «Amor, assombroso amor» (CLC); «Cada novo dia» (EMH); «Missão inevitável» (Vida); «Cartas do cárcere» (Vida); «Reflexões sobre a Glória de Deus» (Kregel); «Casper ten Boom, varão de Deus» (Vida).
Em 1978 sofreu um acidente cerebrovascular que a deixou paralisada. Morreu na Placentina (Califórnia, EUA), em 15 de abril de 1983, no dia em que fazia 91 anos. É notável que haja partido deste mundo nessa data em particular. Segundo a tradição judaica, só às pessoas muito abençoadas por Deus é concedida o privilégio especial de morrer no mesmo dia do seu aniversário.
Pouco antes da sua partida, a World Wide Pictures lançou um filme sobre sua vida, intitulado «Corrie: The Lleve She Has Touched» (Corrie: As vidas que ela tem tocado). Ela própria apareceu no filme.
A sabedoria de uma mulher madura
Corrie encontrou o segredo para enfrentar a velhice: extrair diretamente de Deus a provisão espiritual para cada dia: «Queria poder dizer que depois de uma longa e frutífera vida, viajando pelo mundo, já tinha aprendido a perdoar a todos os meus inimigos. E queria também poder dizer que pensamentos de misericórdia e caridade são os que na forma natural fluem de mim para os outros. Mas não é assim. Se houver algo que tenha aprendido desde quando completei meus oitenta anos de idade, é de que não posso armazenar os bons sentimentos e as atitudes corretas, mas cada dia tenho que extraí-los frescos da realidade de Deus».
As experiências de sua vida lhe tinham ensinado uma valiosa lição sobre a soberania de Deus. A sua acompanhante em seus últimos anos, Pam Rosewell, comenta: «Ela parecia atuar com uma certeza absoluta, com a convicção de que os seus dias já estavam ordenados e que só devia receber as instruções do Senhor e limitar-se a segui-las».
Uma das chaves para manter a sua vitalidade se encontra em uma frase que ela estava acostumada a repetir: «Aprendi a ver as coisas grandes com a amplitude devida e as pequenas com a restrição apropriada».
Corrie, rodeada de muitas atividades, orava por sua cuidadora desta maneira: «Senhor, espero que ajude a Pam a ver as coisas como tu as vê e que a sua vida seja menos tensa para que muitos cheguem a te conhecer».
Paradoxalmente, a filha do relojoeiro aprendeu sobre o tempo na idade madura. Compreendeu que Deus tinha desejado levar a Betsie e deixá-la. Entendeu que lhe tinha encomendado uma missão de saúde e perdão. Não permitiu que o tempo a escravizasse, mas aceitou a vontade divina.
Pam Rosewell, que esteve com Corrie em seu leito de morte, descreve o seguinte: «As três (suas amigas e cuidadoras) permanecemos de pé ao lado da tia Corrie enquanto ela soltava o seu último suspiro e ia com toda serenidade para a presença do Senhor Jesus Cristo. Pouco antes da Corrie nos deixar, a habitação estava silenciosa e tranqüila e, quando voou para o céu, seguiu reinando a mesma quietude e a mesma calma. Voltei-me para ver o pequeno relógio café. Faltavam três minutos para as onze do dia do seu aniversário, 15 de abril de 1983, noventa e um anos depois do dia do seu nascimento, com toda pontualidade».
Depois de uma relojoaria na Holanda, as atrocidades de um campo de concentração e uma cama de inválida, como visitante das prisões, palácios e detrás da cortina de ferro, como escritora, atriz e conferencista, noventa e um anos mais tarde, Corrie por fim chegou a sua casa. E chegou a tempo.
A posteridade fala
O edifício localizado no número 19 de Barteljorisstraat, no Haarlem, não mudou muito dos anos 40. Atualmente é mais fácil e rápido chegar até lá, pois está a apenas quinze minutos de trem de Amsterdã.
Em 1987, a «Fundação Corrie ten Boom» a comprou e no ano seguinte a abriu para o público como museu. O «refúgio» é uma exibição permanente do Movimento de Resistência Holandês. Na realidade, tornou a ser «a casa de portas abertas» para todo mundo, tal e como a concebeu a família ten Boom segundo os seus princípios e a sua fé.
A história de Corrie ten Boom não é nada mais (nem nada menos) que a de uma mulher comum que fez coisas extraordinárias. Ela, junto com muitas outras pessoas, como o pastor Etienne Trocmé, na França, e Dietrich Bonhoeffer, na Alemanha, não se calaram no tempo da infelicidade, da perseguição, e, sobretudo no momento de hesitar em falar a Palavra de Deus.
Nos anos recentes, o estado de Israel condecorou postumamente a Casper e a Betsie Ten Boom. O embaixador de Israel na Holanda, Harry Kney-Tal, outorgou a título póstumo o prêmio «Righteous Among the Nations», em lembrança a pessoas que durante o genocídio judeu se comprometeram com as vítimas e fizeram frente ao regime nazista. O ato solene foi realizado no Haarlem, a cidade dos Ten Boom.