ÁGUAS VIVAS
Para a proclamação do Evangelho e a edificação do Corpo de Cristo
Crescendo no amor fraternal
Os afetos foram postos por Deus para vivermos de forma ampla e generosamente a sua vontade.
Marcelo Díaz
Quando lemos os evangelhos podemos notar que Jesus era o homem perfeito, um homem que era capaz de perceber a vida com todas as suas matizes, capaz de sentir e expressar os seus afetos de maneira nítida e espontânea, sem por isso se exceder e machucar a quem rodeava. Ele foi capaz de irar-se sem perder o controle, capaz de perceber a sensibilidade das pessoas, mesmo dos mais pequeninos, sensibilidade que muitos de nós passamos por cima.
Uma família em particular
Nos Evangelhos vemos o Senhor com um interesse muito especial por uma família, um interesse de amor para uns amigos muito íntimos, que não eram exatamente os discípulos que nós conhecemos – me refiro aos apóstolos –, mas uma pequena família na qual ele era acolhido e com quem estabeleceu um vínculo de amor muito estreito. Eles eram Marta, Maria e seu irmão Lázaro.
João capítulo 11 mostra a ressurreição de Lázaro. Vou citar só alguns versículos, para vermos as expressões afetivas do Senhor por estas pessoas.
João 11:1 diz. «...estava doente um homem chamado Lázaro, de Betânia, a aldeia de Maria e de Marta sua irmã… Enviaram, pois, as irmãs para dizer a Jesus. Senhor, eis que aquele que amas está doente». Notem com que propriedade Marta e Maria manda dizer ao Senhor: «aquele que amas está doente…». Que atitude teria tido o Senhor com Lázaro para que as irmãs com tanta propriedade mandassem lhe dizer: «Olha Senhor, aquele que amas está doente». Há alguma coisa escondida nestas expressões. Será que é porque Marta e Maria sabiam que o Senhor lhes amava? Estavam convencidas do seu afeto, especialmente para com Lázaro, que aparentemente era o mais novo dos irmãos. Elas eram testemunhas do seu amor, isto foi o que as moveu na aflição para chamar Jesus com tanto direito.
Marta, Maria e Lázaro eram uma família muito amada. Viviam em uma aldeia perto de Jerusalém, escondida atrás do ribeiro de Cedrom, perto do jardim do Getsêmani. Nesta casa o Senhor tinha um lugar onde descansar, neste ambiente o Senhor era recebido e atendido. Um prato de comida lhe esperava depois de uma fatigante travessia por Jerusalém. Neste ambiente havia comunhão, talvez houvesse um mate, pão amassado, uma sopa quente ou uma simples comunhão fraternal. Mas seguramente havia amor, afeto, reciprocidade.
Há um provérbio que diz: «Melhor é a comida de legumes onde há amor, do que um boi gordo onde há ódio» (15:17). Eu creio que este é o princípio que regia a comunhão nesta casa.
Note no versículo 5: «E Jesus amava a Marta, a sua irmã e a Lázaro». De poucas pessoas é dito isto em relação ao Senhor. «O Senhor os amava». A Escritura os individualiza, e deixa escrito. Como quando também diz em relação aos discípulos no capítulo 13: «Antes da festa da páscoa, sabendo Jesus que a sua hora havia chegado para que passasse deste mundo para o Pai, como tinha amado aos seus que estavam no mundo, amou-os, até o fim».
Havia uma intencionalidade física, emocional e espiritual do Senhor para expressar algo para os outros. Há algo que se via no Senhor, pelo qual as pessoas diziam: «Este homem ama as pessoas». Jesus amava a Marta, Maria e Lázaro, considerava-lhes seus amigos. De fato, assim está escrito. Notem o versículo 11: «Dito isto, disse-lhes depois –aos discípulos–: Nosso amigo Lázaro dorme; mas vou despertá-lo ». «Nosso amigo». A quem você poderia chamar de «amigo»? As pessoas são muito seletas com seus amigos. Notem, o Senhor diz ali: «Nosso amigo Lázaro». Que afeto, que consideração para lhe chamar seu amigo!
No versículo 32, e no 35 se observa uma evidente comoção dos afetos de Jesus. «Maria, quando chegou onde estava Jesus, ao lhe ver, prostrou-se aos seus pés, dizendo-lhe: Senhor, se houvesse estado aqui, meu irmão não teria morrido. Jesus então, ao vê-la chorando, e aos judeus que a acompanhavam, também chorando, estremeceu-se em espírito e se comoveu, e disse: Onde o puseram? Disseram-lhe: Senhor, vêm e vê. Jesus chorou». Jesus se estremeceu profundamente. A sua alma compassiva percebeu a angústia dos seus amigos, e muito internamente, dentro do seu ser, das suas vísceras, ecoou a dor da perda. Comovido, chorou. Todo o seu ser sentiu, mesmo sabendo que aquilo era circunstancial.
Notem o que diz depois. Versículo 36: «Disseram então os judeus: Olhem como o amava». O amor se faz visível através dos afetos. Jesus chorou, não teve medo em mostrar afeição pelas pessoas, e em especial por alguns, quando o seu coração se uniu a eles. Certamente, nas reuniões que tinha o Senhor com a família de Lázaro, conversando até altas horas da noite, o seu coração foi se ligando, foi se entregando, foi se alargando. Assim como as relações que se dão aqui entre nós, quando conversamos, compartilhamos, rimos, nos alegramos, cantamos, oramos, nos buscamos e nos abraçamos. Que maravilhoso! Isto se dá na igreja viva do Senhor.
Irmão, irmã, não tenha medo de expressar os seus afetos; não tenham medo de necessitar do outro. Os afetos foram postos por Deus para vivermos ampla e generosamente a sua vontade. São para o serviço do coração do Pai. Notem que nós os homens fomos mal ensinados, quando desde pequenos fomos instruídos a não chorar, a desconfiar, a evitar sofrer por outro; fomos tremendamente mal educados, porque quando somos meninos nos dizem: ‘Os homens não choram’. Você já escutou isto alguma vez? Que grande equívoco! Em conseqüência, vivemos em uma sociedade reprimida, apertada, desconfiada, que não nos permite dar sem esperar receber. Oh, Jesus dava e se entregava uma e outra vez sem descansar!
A delicadeza do Senhor
Nos Evangelhos pode-se ver muitas vezes o afeto delicado do Senhor em coisas que nós passamos por cima, mas que sem sombra de duvidas são detalhes muito importantes quando avaliamos a prática do amor. Notem em João capítulo 21. É uma das aparições do Senhor depois da sua ressurreição. Versículo 3 «Simão Pedro lhes disse: vou pescar. Eles lhe disseram: Nós vamos também contigo. Foram, e entraram em um barco; e aquela noite não pescaram nada. Quando já ia amanhecendo, apresentou-se Jesus na praia; mas os discípulos não sabiam que era Jesus. E lhes disse: Filhinhos, têm algo de comer? Responderam-lhe: Não…». Versículo 9: «Ao descerem para a terra –os discípulos– viram brasas postas, e um peixe em cima delas, e pão». Que amor mais prático, que afeto, que delicadeza, que atenção, que preocupação! Chegaram os discípulos fatigados de ter pescado toda a noite, e o Senhor o que fez? Tinha café da manhã com peixe nas brasas, e pão.
Vejamos outra passagem. João capítulo 2. Versículo 13: «Estava próximo a páscoa dos judeus; e subiu Jesus para Jerusalém, e achou no templo aos que vendiam bois, ovelhas e pombas, e aos cambistas ali sentados. E fazendo um açoite de cordas, lançou fora do templo a todos, e as ovelhas e os bois; e espalhou as moedas dos cambistas, e derrubou as mesas; e disse aos que vendiam pombas: Tirem isto daqui… ». Se observarmos a cena com atenção, Jesus até no meio do seu zelo, não perdeu o controle. Notem, não derrubou as mesas das pombas. Todo o resto sofreu a sua ira, mas ao ver as pombas só mandou tirá-las; preservou-as, talvez porque as pombas são um símbolo de paz, e sobretudo do Espírito Santo. Uma delicadeza, uma sensibilidade a mais para destacar.
Vocês se lembram da passagem quando vinha de volta a comissão dos setenta? Todos contentes lhe dizem: «Senhor, até os demônios nos submetem em seu nome». Diz a palavra, que o Senhor se regozijou em espírito, e disse: «Te louvo Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultastes estas coisas dos sábios e entendidos, e as revelastes aos pequeninos». Essa palavra, «regozijou-se», no original grego, é como que bateu as asas, levantou-se e elevou o seu corpo. Corporalmente, manifestou o seu regozijo. Teve um êxtase de alegria ao ver a boa vontade de Deus para os homens.
Também no evangelho de Marcos vemos outra conduta admirável do Senhor. Esta vez de misericórdia 1:40 «Veio a ele um leproso, lhe rogando; e caindo sobre os seus joelhos, disse-lhe: Se quiseres, pode me limpar. E Jesus, tendo misericórdia dele, estendeu a mão…». O que fez? Tocou-lhe; o Senhor satisfez o coração do leproso não só curando o seu corpo, mas também a sua alma danificada pela exclusão. Teve a sensibilidade e valentia de lhe tocar. E o que lhe disse? «Quero, se limpo». Você já pensou que o Senhor pode interpretar as situações, conhecê-las, ver o que há no coração das pessoas e saciá-la? Ele vê o que há além das palavras. Tocou ao leproso lhe dizendo. «Quero, se limpo».
Cristo está na igreja. Cristo está em ti e está em mim! Nós somos o corpo de Cristo. «Já não vivo eu, mas Cristo vive em mim». Nossa salvação é uma troca, uma troca de vida; Deus tira minha vida e põe a do seu Filho. Agora, Outro vive em mim, de maneira que agora eu devo me deixar levar por sua vida, me entregar a ela, conhecê-la, deixar que ela brote e surja em mim. Para expressar assim os afetos de Deus na comunhão uns com os outros.
Amor íntimo
Por isso, 1ª Pedro, falando da salvação, diz no capítulo 1 versículo 22: «Tendo purificado as vossas almas pela obediência à verdade, mediante o Espírito, para o amor fraternal não fingido, amai-vos entranhavelmente uns aos outros, de coração puro».
Em certa ocasião quando os meus filhos eram muito pequenos, fiz-lhes uma perguntei: «Onde o Senhor vive?». Sinceramente esperava que me dissessem que em seus corações ou talvez no céu. No entanto, um dos mais pequeninhos me surpreendeu com a sua resposta dizendo: “Na barriga”. Claro, todos nós rimos. Mas o pequeno de certa forma estava dizendo uma verdade inquestionável, pois o amor nasce das entranhas. O amor é como cólicas que sentimos no íntimo, como os dores de parto, no profundo.
Por que amar-se entranhavelmente? Primeiro, porque deve ser uma experiência real e próxima do interior do homem. E segundo, porque às vezes amar é doloroso. Porque às vezes, amar a outro que não merece, causa-nos dor. Não é em vão que a Escritura diz: «O amor é sofredor», vai para o outro sem esperar receber. Não busca o que é seu. Quer dizer, é como uma dor abdominal, como uma cólica. Amar é um mandamento, o mesmo que nos deu o Senhor Jesus Cristo, em João capítulo 13. «Um mandamento novo vos dou: Que vos ameis uns aos outros; como eu vos amei, que também vos ameis uns aos outros».
Em Jesus, o amor era aparente. As pessoas diziam: «Olhem como lhe amava». Ou seja, as pessoas eram capazes de observar que Jesus amava aos tais. Como se quantifica esse amor? Se tivéssemos que medir o amor em relação uns aos outros, como posso medi-lo? Esta é uma pergunta que deveríamos fazer a todos nós, cada um de nós: Como eu interpreto que você me ama? Como você interpreta que eu te amo? Como podemos nos ajudar nisto de amar? Diz a palavra em Hebreus 10:24: «E consideremo-nos uns aos outros para nos estimularmos ao amor e às boas obras».
O que eu quero que fique no coração da igreja hoje é ver que o amor é algo além de um conceito; o amor é mais que um princípio, que um valor; o amor é a vida do Filho em nós. É prático, é medível, é observável. Bendito seja o Senhor! Consideremo-nos uns aos outros para nos estimularmos ao amor e às boas obras.
1ª João 3:13: «Meus irmãos, não estranheis se o mundo vos aborrece. Nós sabemos que passamos da morte para a vida – no que?– em que amamos os irmãos». João não diz que o testemunho de passar para a vida é que vivemos uma experiência de conversão extraordinária, que temos uma confissão de fé incomovível, nem um amontoado de doutrinas sólidas, mas: «…em que amamos aos irmãos». Ou seja, isto é observável. Acrescenta: «…aquele que não ama a seu irmão permanece na morte. Todo aquele que aborrece a seu irmão é homicida». «E sabeis que nenhum homicida tem vida eterna permanentemente nele. Nisto conhecemos o amor, em que ele deu a sua vida por nós; nós também devemos dar as nossas vidas –por quem?– pelos irmãos».
Que prático João é, tremendamente prático. Também diz: «Mas aquele que tem bens neste mundo e vê o seu irmão ter necessidade, e fecha contra ele o seu coração, como habita o amor de Deus nele? Meus filhinhos, não amemos de palavra nem de língua, mas de fato e em verdade». Você nota que o amor pode ser medido?
O amor se expressa através por atos. O amor ágape fundamenta o amor entre os irmãos, evidenciando-se em atos, em ações, em atitudes, em cuidados, em serviço, em dedicação. Isto é o amor fraternal.
Paulo adverte à igreja em 2ª Timóteo, e em Romanos sobre a mudança do caráter dos homens nos últimos tempos. Diz que eles serão «sem afeto natural». É como se fossem perdendo esta sensibilidade, a atenção, o apego natural aos seus. Quando nasce um bebezinho, há um apego natural ao peito de sua mãe, ao seio familiar. É uma atração emocional de subsistência, uma força que os une. Muito bem, Paulo diz: os homens irão perder isto cada vez mais. Nas grandes cidades as pessoas se ensimesmam, rodeiam-se de grades, de muralhas e vivem vidas separadas e independentes. As civilizações estão sendo construídas assim, a modernidade vai fazendo com que as pessoas não tenham nenhuma relação com nada nem com ninguém, só consigo mesmas, nem ainda com seus próprios filhos. Sem afeto, vão perdendo a capacidade de amar.
Amor no meio do conflito
Vou terminar com umas passagens na epístola aos Coríntios. O apóstolo Paulo teve tensões com algumas igrejas, e especialmente com os irmãos em Corinto. Ele amava entranhavelmente os irmãos. Mas havia certa dificuldade na relação.
Como Paulo resolve o conflito? Vejamos 2ª Coríntios 7. Decidido, apresenta uma recriminação de amor. Confronta-lhes para recebê-lo, dando testemunho com os seus atos. Diz «Recebei-nos; a ninguém ofendemos, a ninguém corrompemos, a ninguém enganamos». «Não o digo para vos condenar; pois já tenho dito antes que estão em nosso coração, para juntamente morrer e para viver». Isto é uma declaração de amor. A aqueles que não desejavam lhe ver e a quem questionava, diz-lhes: tenho-vos em meu coração para vida ou para morte. Entenderam! Paulo não teve medo em expressar o seu afeto. Correu o risco daquele que ama.
Continua lhes falando: «Muita franqueza tenho convosco; muito me glorio com respeito a vós; cheio estou de consolação; superabundo de gozo em todas as nossas tribulações. Porque de certo, quando viemos a Macedônia, nenhum repouso teve o nosso corpo, antes em tudo fomos afligidos; de fora, conflitos; de dentro, temores. Mas Deus, que consola aos humildes, consolou-nos com a vinda de Tito; e não só com a sua vinda, mas também com a consolação com que ele tinha sido consolado quanto a vós, nos fazendo saber do seu grande afeto, seu pranto, sua solicitude por mim, de maneira que me regozijei ainda mais» (V. 4, 5, 7).
Nesses momentos de tensão, que bem fazem aqueles que levam boas notícias. Tito se fez de intermediário entre ele e a igreja, desta maneira consolou o coração cansado e aflito do apóstolo. Paulo se regozijou com o relatório de Tito.
Necessitamos de Titos na igreja; irmãos que levem boas notícias. Que venham e te diga as coisas boas dos irmãos. Que tragam comentários que ajudam à afetividade, ao amor mútuo, à estima. Que ruim que haja aqueles que levam más notícias, falações, intrigas etc., que só causa divisão e desamor. Pratiquemos boas obras que estimulem ao amor!
Notem no último versículo, 6:11: «Nossa boca está aberta para vós, Oh Coríntios; o nosso coração se alargou. Não estão estreitos em nós, mas estais estreitados em vosso próprio coração. Pois, para corresponder do mesmo modo (como a filhos falo), alargai-vos também vós» (V. 11-13). Irmãos, alarguemos o coração.
Por último, na mesma carta, no versículo 2:12, Paulo dá amostra de uma incrível dependência espiritual de seus companheiros na obra. A necessidade de ver Tito ultrapassar as suas múltiplas atividades, ficando demonstrado que a relação de amor entre os irmãos é uma necessidade espiritual. «Quando cheguei a Trôade para pregar o evangelho de Cristo, e abrindo-se me uma porta no Senhor, não tive repouso em meu espírito, por não ter achado a meu irmão Tito; assim, me despedindo deles, parti para a Macedônia».
Irmãos, necessitemo-nos, busquemo-nos, chamemo-nos, falemos bem uns dos outros. Tenhamos atividades juntos, nos convidemos, relacionemos os nossos filhos, comamos juntos, sirvamos uns aos outros. Somos a família de Deus. Deus nos pôs com irmãos e irmãs preciosos, com famílias preciosas, para cuidarmos uns dos outros, para nos querer. Deus nos pôs aqui; Deus te semeou ali onde está. Que bom é que não nos deixou sozinhos! Eu gostaria que valorizassem isto; de verdade o valorizemos. Eu tenho, com alguns irmãos, mais de vinte e cinco anos de comunhão e de serviço juntos no Senhor. Não desprezemos estas relações que Deus tem promovido. Olhe ao seu redor, olhe para aqueles que lhe acompanharam por tanto tempo, tenha-os em grande estima, pois Deus os pôs ali. Deus nos pôs para lhes amar e para nos amar.
«Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos, se tiveres amor uns para com os outros» (João 13:35).
(Síntese de uma mensagem ministrada no Retiro de Rucacura, em janeiro de 2009).