ÁGUAS VIVAS
Para a proclamação do Evangelho e a edificação do Corpo de Cristo
Os fariseus, melhores ‘cristãos’ que nós
Revisando a espiritualidade do movimento farisaico nos dias de Jesus.
Rubén Chacón
Como? Que os fariseus foram melhores ‘cristãos’ do que nós? Impossível. Certamente isto é o que você está pensando. O que acontece é que como resultado das fortes, categóricas e contundentes palavras de Jesus contra os fariseus –e também contra os escribas–, formamos uma imagem tão distorcida deles que se torna inverossímil e até escandalizadora uma afirmação como a que serve de título a este artigo.
Com efeito, segundo o testemunho do Novo Testamento, os fariseus –junto com os escribas- se fizeram credores das mais robustas e lapidárias palavras que jamais Jesus pronunciou contra pessoa alguma. Devido a isto, a maioria de nós tem satanizado até tal ponto a imagem dos fariseus, que não seria estranho encontrar irmãos que –devido a essa dura crítica de Jesus– pensem que os fariseus, no mínimo, eram uns bêbados, ladrões e adúlteros. Nada mais longe da verdade. Os fariseus eram melhores ‘cristãos’ que nós – ou, ao menos, que muitos de nós.
Os fariseus eram um movimento laico que se formou na primeira metade do século II A. C. na luta contra a helenização. Os seus membros procediam de todos os setores e camadas da população. Somente os seus dirigentes eram escribas. A meta do movimento farisaico aparece muito claro em um dos preceitos de pureza imposto a todos os membros: o de lavar as mãos antes de comer (Mr. 7:1-5). Isto não era só uma medida higiênica, mas originalmente era uma obrigação ritualista que só correspondia aos sacerdotes. Os fariseus, apesar de serem laicos, eram obrigados a observar estas prescrições sacerdotais de pureza. Com isso davam a entender (seguindo Êx. 19:6), que eles representavam o povo sacerdotal da salvação, no final dos tempos.
A isto faz menção também os nomes que os fariseus se aplicavam a si mesmos. Chamam-se a si mesmos de os piedosos, os justos, os temerosos de Deus, os pobres e, com preferência, ‘os separados’. Por conseguinte, os fariseus pretendiam ser os santos, o verdadeiro Israel, o povo sacerdotal de Deus.
Deste zelo santo por constituir-se no verdadeiro Israel de Deus em meio à apostasia do povo, o próprio Senhor Jesus Cristo nota algo: «Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Porque dizimam a hortelã e o endro e o cominho, e deixam o mais importante da lei: a justiça, a misericórdia e a fé. Isto era necessário fazer, sem deixar de fazer aquilo».
Sempre que citamos esta Escritura nos fixamos naquilo de que os fariseus careciam. Mas por um momento vamos por a nossa atenção naquilo que estavam corretos. O que você acha? Os fariseus dizimavam até da hortelã, o endro e o cominho. Quem de nós dizima até dos temperos da despensa? Ninguém não é verdade? Você pode notar que os fariseus eram melhores «cristãos» do que nós?
«A uns que confiavam em si mesmos como justos, e desprezavam aos outros, disse também esta parábola: Dois homens subiram ao templo para orar: um era fariseu, e o outro publicano. O fariseu, posto em pé, orava consigo mesmo desta maneira: Deus, graças te dou porque não sou como os demais homens, ladrões, injustos, adúlteros, nem mesmo como este publicano; jejuo duas vezes na semana, dou dízimos de tudo o que ganho. Mas o publicano, estando longe, não queria nem mesmo elevar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: Deus, sê propício a mim, pecador. Digo-lhes que este desceu para a sua casa justificado antes que o outro; porque qualquer que se exalta, será humilhado; e o que se humilha será exaltado».
Nesta parábola, Jesus tem uma conta exata da espiritualidade farisaica. Embora seja uma parábola, o perfil apresentado corresponde perfeitamente à realidade. Se a parábola tivesse sido uma ‘invenção’ de Jesus, ela não teria sentido para os ouvintes.
Mas o que Jesus diz da espiritualidade dos fariseus? Em primeiro lugar, ele confirma que os fariseus não são ladrões, nem injustos nem adúlteros. Poder-se-ia dizer o mesmo de todos os cristãos? Em segundo lugar, jejuavam duas vezes na semana. Quantos cristãos jejuam assim? Em terceiro lugar, os fariseus davam os dízimos de tudo o que ganhavam. Em outras palavras, dizimavam de todos os ganhos. Quantos cristãos fazem assim? Por último, eles oravam três vezes ao dia. Definitivamente eram melhores que nós. Como se explica então que Jesus tenha sido tão duro e firme com eles?
Segundo Lucas, o jovem rico que veio a Jesus era um homem importante. Era fariseu? Suponhamos que sim. Ele pergunta ao Mestre: «o que farei para herdar a vida eterna?». Jesus lhe responde: «Sabe os mandamentos?». Então este homem declara algo que se torna assombroso para nós: «Tudo isto tenho guardado desde a minha juventude». Jesus lhe responde: «Ainda te falta uma coisa», confirma que é verdade o que o jovem rico tem dito. Marcos diz que Jesus: «... o olhando, lhe amou». Assombroso não? Quantos de nossos jovens cristãos poderiam dizer o mesmo? Embora não sabemos exatamente se o jovem era ou não fariseu, não cabe dúvida que o jovem Saulo –que sabemos ter sido fariseu– cumpria um perfil semelhante. Em seu próprio testemunho Saulo reconhece que em sua vida de fariseu, «vivi», diz ele, «conforme a mais rigorosa seita de nossa religião... instruído aos pés de Gamaliel, estritamente conforme à lei de nossos pais, zeloso de Deus».
Os fariseus, pois, –longe do que imaginávamos– eram pessoas honestas, que sinceramente procuravam agradar a Deus, e que, em meio de tanta apostasia reinante, aspiravam ser o remanescente santo do qual falaram os profetas. Ao escrever estas coisas não posso evitar me identificar com as boas intenções deles. A você ocorre o mesmo? Por que Jesus foi, então, tão duro com eles? Vejamos.
Três coisas graves
No julgamento de Jesus tem no mínimo três coisas graves que desqualificavam os fariseus apesar de sua admirável espiritualidade.
A primeira delas é que a espiritualidade dos fariseus passava por cima das coisas mais importantes da vontade de Deus. Nas palavras de Jesus: «Coais o mosquito, e tragais o camelo». Assim, por exemplo, eles eram rigorosos em seus dízimos e orações, mas tinham deixado de lado a justiça, a misericórdia e a fé (Mateus 23: 23, 24). Certamente quando Jesus disse estas palavras estava pensando nas palavras do profeta Miquéias: «Com o que me apresentarei diante de Jehová, e adorarei ao Deus altíssimo? Me apresentarei diante dele com holocaustos, com bezerros de um ano? Agradar-se-á Jehová de milhares de carneiros, ou de dez mil arroios de azeite? Darei o meu primogênito por minha rebelião, o fruto de minhas entranhas pelo pecado da minha alma? Oh homem, ele tem te declarado o que é bom, e o que Jehová pede de ti: somente fazer justiça, e amar a misericórdia, e te humilhares diante do teu Deus».
A segunda grande falência da espiritualidade dos fariseus consistia em estar centrada nas coisas externas. Com razão tinham esquecido o mais importante! Era uma espiritualidade externa que evitava o que tinha de mais valor para Deus: O interior, o coração. «Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Porque limpais o exterior do copo e do prato, mas por dentro estão cheios de roubo e de injustiça. Fariseu cego! Primeiro limpa o interior do copo e do prato, para que também o de fora seja limpo. Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Porque são semelhantes a sepulcros caiados, que por fora, na verdade, mostram-se formosos, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos e de toda imundície. Assim também vós por fora, na verdade, vos mostrais justos aos homens, mas por dentro estão cheios de hipocrisia e iniqüidade».
E nestas palavras de Jesus está implícita a terceira grande carência da espiritualidade dos fariseus: Estava centrada em mostrarem-se justos diante dos homens mais do que em agradar a Deus. Era uma espiritualidade mais para os homens do que para Deus. Com razão passavam por cima do mais importante! Com razão estavam centrados nas coisas externas! Que engano! A espiritualidade é primeiro para Deus e diante de Deus, não diante dos homens. Cuidado, irmãos! A necessidade de coerência na vida cristã é tão grande que sempre estamos em perigo de cair em uma desenfreada corrida por alcançar ‘a como dou lugar’ a um bom testemunho, que, finalmente, faz-nos apartar os olhos do Senhor e pô-los nos homens. A necessidade de coerência termina por nos fazer valorizar mais a aprovação dos homens do que a de Deus, e terminar assim, esquecendo o que realmente é espiritual: A justiça, a misericórdia e a fé.
O perigo está em que a aprovação de Deus não necessariamente coincide com a aprovação dos homens: «E ouviam também todas estas coisas os fariseus, que eram avarentos, e zombavam dele. Então lhes disse: Vós sois os que vos justificais a vós mesmos diante dos homens; mas Deus conhece os vossos corações; porque o que os homens têm por elevado, diante de Deus é abominação».
Os fariseus –com sua espiritualidade externa– eram irrepreensíveis diante dos homens e isso era elevado para eles. Mas Deus conhecia os seus corações e o que via? Via avareza e, por causa dela, a espiritualidade –que era louvada pelos homens– diante de Deus era considerada abominação. Como dissera Paulo: «Pois não é judeu o que o é exteriormente, nem é circuncisão a que se faz exteriormente na carne; mas é judeu o que o é no interior, e circuncisão é a do coração, no espírito, não na letra; o louvor do qual não vem dos homens, mas de Deus».
Mas o mais grave da espiritualidade farisaica estava, ainda, em uma quarta coisa que Lucas destaca em seu evangelho. Nele, Lucas registra uma parábola de Jesus, chamada «Parábola do fariseu e do publicano». Mais acima, já comentamos esta parábola. Não obstante, agora vamos nos fixar no propósito que Jesus teve na hora de ensiná-la.
Lucas diz: «A uns que confiavam em si mesmos como justos, e desprezavam aos outros, disse também esta parábola». A quem estava se referindo? Aos fariseus, sem dúvida. O que diz deles? «Confiavam em si mesmos como justos». Em outras palavras, a espiritualidade que exibiam não era mérito de Deus e de sua graça, mas sim deles. A «justiça» que mostravam se devia ao fato de que eles criam que eram justos. E foi esta ignorância -e mais que ignorância, um pecado- que os deixou finalmente fora da salvação. Que terrível, irmãos! As palavras mais duras de Jesus não foram para os pecadores, mas para esta gente boa que cria ser justa! Nada nos afasta mais de Deus que a confiança em nossa piedade!
Mas a introdução à parábola diz algo mais dos fariseus: «Desprezavam os outros». Claro, é a conseqüência natural do anterior. Se a espiritualidade que alguém manifesta for mérito seu, inevitavelmente terminará acreditando ser melhor do que outros e acabará desprezando a outros. Sim, os fariseus eram provavelmente melhores ‘cristãos’ que nós. Mas foi por crer serem melhores que ficaram de fora. A sua espiritualidade era exclusiva, não inclusiva. Eles não se juntavam com os pecadores, desprezavam os publicanos, evitavam os doentes, olhavam com desdém para os pobres, excluíam os meninos e consideravam as mulheres de segunda classe. E tudo isto em nome da santidade.
É muito fácil saber se entendemos a espiritualidade que possuímos –consciente ou inconscientemente– como nosso mérito ou não. Se ela te separar dos pecadores, tornando-te imisericordioso, duro, inflexível, legalista e implacável, então, sem lugar para dúvidas, no fundo do seu coração você crê que a sua espiritualidade é êxito seu. Porque se não fosse assim, você se levantaria como juiz do seu irmão? É obvio que não. Você se colocaria ao seu lado a fim de ajudá-lo até tirá-lo dali para que siga adiante. Revise os evangelhos e você notará que Jesus não fez recriminações aos pecadores; para eles trouxe as boas novas de salvação. Entrou nas suas casas, comeu com eles, foi às suas festas, e se fez amigo dos publicanos e pecadores. Ele sim é que foi santo. O Santo dos Santos!