ÁGUAS VIVAS
Para a proclamação do Evangelho e a edificação do Corpo de Cristo
Julgamento da serpente
A vitória da Cruz é um julgamento da serpente.
Marcelo Díaz
O pecado é a maior tragédia do homem. A palavra usada no Novo Testamento que se traduz como pecado é hamartia, e é de suma importância. Somente Paulo a utiliza em suas epístolas mais de 60 vezes. No grego clássico significa somente ‘erro’, ou algum tipo de ato negativo. Entretanto, para os cristãos, é de suma gravidade.
Se pensarmos um momento e nos detivermos para ver historicamente os estragos que o pecado fez, dar-nos-emos conta da magnitude de seu poder e a tragédia que pode chegar a ocasionar. Sua ação é devastadora. As seqüelas são lamentáveis e dolorosas. É como a passagem de um furacão que só deixa destruição, aniquila tudo o que se interpõe a sua passagem. Tira a vida. É verdadeiramente uma tragédia.
Ao escutar a sincera confissão de um coração arrependido que foi infectado por seu veneno, fica a impressão de que enfrentamos um poder de tal magnitude que é impossível superar. Mesmo a mente mais brilhante fica submetida quando o pecado dá a sua mordida.
O apóstolo Paulo, em sua mais profunda exposição sobre o pecado, conclui com um grito pungente. Grito que ainda se escuta na consciência de todo homem quando enfrenta a sua realidade. «Miserável de mim! Quem me livrará deste corpo de morte?» (Romanos 7:24).
Alguns ensinam que o apóstolo fazia referência a uma das torturas prediletas sob o domínio do imperador Diocleciano, a qual consistia em amarrar um cadáver ao corpo vivo de um homem, de modo que a putrefação do cadáver transpassava lentamente à vida do torturado.
A serpente
Assim é a infecção do pecado. Como a mordida de uma serpente, figura do pecado. Pois sendo Satanás a antiga serpente, o pecado é de sua própria natureza.
A serpente, em quase todas as civilizações, aparece como símbolo da morte, de poder e senhorio. O seu aspecto é repulsivo; é associada geralmente com as trevas, com a terra.
A serpente é um animal sigiloso, ardiloso, que aparece e desaparece, que troca de pele na primavera, que renasce depois de um longo inverno de frio. Ambivalente, silenciosa, perigosa, mortal. Os mesmos atributos que encontramos no pecado.
Agora, estranhamente, Jesus no evangelho de João se identifica com uma serpente, dizendo: «E como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que o Filho do Homem seja levantado, para que todo aquele que nele crê não se perca, mas tenha a vida eterna» (João 3:14-15).
Por que o Senhor se identifica com uma figura tão detestável? Porque Jesus bem sabia que em sua morte Deus pretendia tratar com o pecado. Ele seria levantado em uma cruz e com isto condenaria o pecado.
Em Números 21:4-9, encontramos a referência direta que o Senhor faz de um caso ocorrido nos tempos de Moisés, no qual o povo de Deus morria por causa da mordida de serpentes. Deus proveu a solução, mandando a Moisés fazer uma serpente de bronze, a qual devia ser posta em uma haste para que todo aquele que tinha sido mordido, levantasse o seu olhar para que recebesse vida.
Isto é, efetivamente, o que ocorreu quando Cristo foi levantado na cruz. Deus definitivamente exerceu o seu juízo sobre a mordida da serpente tratando com o pecado na morte de seu Filho. «Aquele que não conheceu pecado, por nós o fez pecado, para que nós fôssemos feitos justiça de Deus nele» (2ª Coríntios 5:21).«Deus, enviando a seu Filho em semelhança da carne de pecado e por causa do pecado, condenou o pecado na carne, para que a justiça da lei se cumprisse em nós...» (Romanos 8:3-4).
Isto significa que Cristo em sua carne assumiu o pecado para condenar em sua morte o próprio pecado.
Assim, então, a serpente de bronze levantada na haste é figura da crucificação de Cristo, que também é o Cordeiro imolado.
O julgamento de Deus sobre a serpente
Então vemos que a cruz contém uma dupla figura: por um lado, a de um cordeiro sem mancha, sacrificado para obter a nossa redenção; e por outro lado, a de uma serpente levantada sobre uma haste, exibida publicamente para testificar a condenação do pecado.
O mandato a Moisés era fazer uma serpente de bronze e pô-la sobre uma haste à vista de todos.
Na Bíblia o bronze representa o julgamento de Deus; portanto, significa o julgamento sobre a serpente. O bronze aparece no tabernáculo, precisamente no altar onde se sacrificavam as vítimas. No Novo Testamento, na visão de Apocalipse, o Senhor se revela com os pés de bronze brunido, o que representa o seu caminhar no julgamento de Deus. Em conseqüência, o pecado foi julgado em Cristo, na cruz.
Moisés devia levantar a serpente de bronze em uma haste. Esta exibição era uma manifestação que devia ser descoberta pelo olhar. Se alguém não olhava, não descobria a cura que ela outorgava. Simplesmente era assim, o ato objetivo fora dado por Deus, mas o ato subjetivo de vê-la devia ser daqueles que desfaleciam.
Que glorioso! Uma vez mais vemos nas Escrituras a participação da graça divina e da responsabilidade humana, que, unidas em um mesmo ato, trazem para o presente a realidade celestial. Assim também agora: todo aquele que põe os seus olhos na obra objetiva de Cristo, traz para o presente a bendita realidade divina.
O papel da fé
Entretanto, sendo a cruz a exibição da condenação do pecado, por que vemos tanta fraqueza diante do pecado? Acaso Deus reservou esta verdade só para alguns? Não, definitivamente não. Pois está escrito: «Para que todo aquele que nele crê não se perca, mas receba vida eterna».
É necessário crer na ação salvadora de Deus. Obrigatoriamente, a fé é o caminho para a realidade divina, a Palavra não pode operar onde não há fé. Mas falamos da fé, não em termos de uma ação natural do homem, mas ao contrário, onde não existe mais esforço humano senão só crer.
Infelizmente, muitas vezes chamamos fé a um esforço anímico da carne, confundimos 'nossas forças' com 'fé'. Então Deus não pode operar, e pacientemente permite nosso fracasso para nos debilitar, e nessa condição espera que a única pulsação que saia do coração seja crer.
Assim, a fé purificada é achada em louvor e recebe vida. Vida indestrutível, vida do próprio Filho de Deus que opera no crente, a qual vence o pecado julgado na cruz. Por isso João escreve desta maneira à igreja dizendo: «Todo aquele que é nascido de Deus não pratica o pecado, porque a semente de Deus permanece nele; e não pode pecar, porque é nascido de Deus» (1ª João 3:9). «Porque todo o que é nascido de Deus vence ao mundo; e esta é a vitória que venceu o mundo, a nossa fé» (1ª João 5:4).
Também diz: «meus filhinhos, estas coisas vos tenho escrito para que não pequeis. E se alguém tiver pecado temos um advogado para com o Pai, a Jesus Cristo o justo» (1ª João 2:1).
Que sensação de prazer é agora olhar essa cruz e pensar que, sendo um ato tão repudiável, para nós crentes é tão atrativo! Que bendito paradoxo; essa cruz ensangüentada de morte nos traz vida eterna e paz! Deus resolve o conflito dos séculos fazendo a paz pelo sangue da cruz. O pecado foi julgado e seu poder cessou frente à Vida. Agora podemos nos considerar, pela mesma cruz, mortos para o pecado, mas vivos para com Deus em Cristo Jesus.
Por isso a cruz será sempre a nossa esperança; nela encontramos a condenação do pecado, e até a libertação de nós mesmos. O veneno da serpente não pode contra a cruz e contra aquele que a contempla. Todo aquele que olha pela fé, recebe a Vida e será sustentado por ela.