O processo de discipulado

O processo de discipulado é um processo de demolição.

Rubén Chacón

O Senhor Jesus Cristo passou três anos e meio de ministério formando a doze homens. Foi um tempo de verdadeiro e autêntico discipulado. O Senhor Jesus caminhou, comeu, ensinou, fez milagres, dormiu e se manifestou diante deles. Ele se revelou em toda a sua glória e procurou que os seus discípulos o conhecessem. Revelou-lhes o Pai, a sua Palavra e especialmente o evangelho do reino de Deus. Mas, os discípulos do Senhor, depositários de sua Palavra e objetos de sua formação, que possibilidade concreta tinha de assumir e viver o evangelho do Reino? Sabemos que os discípulos não receberam o Espírito Santo, a não ser no dia do Pentecostes (Atos 2) ou, ao menos, como registra João em seu evangelho, somente depois de sua ressurreição, quando lhes disse: "Recebei o Espírito Santo" (Jo. 20: 22).

Com efeito, o Espírito Santo habitava com os discípulos, mas como testifica o próprio Senhor, o Espírito não habitava neles. O Espírito Santo habitava nesse momento só em Jesus Cristo. Ele era o único templo do Espírito. No entanto, como Jesus habitava com os discípulos, o Espírito, que habitava nele, também habitava com eles. Mas, com certeza, o Espírito não habitava neles, todavia Jesus prometera, que no futuro, sim estaria neles (João 14: 17). Portanto, reiteramos a pergunta: Que viabilidade real os discípulos tinham de encarnar a Palavra que recebiam de Jesus? Segundo vários comentaristas, os discípulos, nesse período, nem sequer eram convertidos ou salvos, dado que, por não terem o Espírito, não poderiam ter a experiência de regeneração ou novo nascimento. Não sei se é necessário ir até tal extremo, mas, não há dúvida que a habitação do Espírito não era, até então, a experiência deles.

Por outro lado, entendemos que o Senhor Jesus Cristo devia estabelecer o reino de Deus, independentemente das aptidões dos discípulos para encarná-lo. Deus não pode mudar as suas determinações em virtude da condição humana, toda vez que a realidade do pecado, própria da natureza humana caída, não é responsabilidade dele. Não obstante, que sentido teria para que Jesus revelasse o evangelho do Reino de Deus a pessoas que estavam impossibilitadas de vivê-lo? É difícil pensar que Jesus Cristo somente pretendia estabelecer a verdade, já que como diz o apóstolo João, a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo (João 1:17).

O Cristo trazia não só a verdade, mas também especialmente a graça. É obvio que a verdade devia ser estabelecida entre os homens e não apenas para ser conhecida, mas também para ser vivida. O problema, no entanto, era que as demandas do Reino de Deus eram demandas divinas, celestiais; os discípulos, ao contrário, viviam em condições humanas e terrenas. Para a natureza humana caída, as demandas do Reino não são inatas. Em definitivo, a exposição das verdades do Reino de Deus poderia dar aos discípulos a visão do que tinham que viver e encarnar, mas não o poder para fazê-las.

Tinha sentido então que o Senhor pedisse, exigisse e demandasse de seus discípulos o cumprimento do sermão do monte, por exemplo? Para nos aproximar de uma possível resposta, devemos nos perguntar se, enquanto os discípulos ouviam o seu Mestre, estariam conscientes de sua total incapacidade para cumprir o que escutavam?

Como veremos mais adiante, os discípulos não estavam conscientes de sua verdadeira condição. Para falar a verdade, nunca o homem esteve consciente de seu verdadeiro estado. O homem está cego e a única possibilidade de conhecer a si mesmo, está em que o próprio Deus lhe revele a sua condição. Descobrir nossa total impotência é toda uma revelação. Até que não chegue esse momento, todos nós respondemos frente às demandas divinas, tal como o fez o povo de Israel quando lhe foi entregue a lei: "Faremos todas as coisas que o Senhor tem dito, e obedeceremos" (Êxodo 24: 7). É verdade que Paulo diz "que pela lei ninguém se justifica para com Deus" (Gálatas 3: 11). Mas esse juízo é espiritual e não significa que os homens o tenham entendido desde o começo. Justamente o contrário, muitos não só criam que podiam guardar a lei, mas também o presumiam. Efetivamente, não só homens como Saulo de Tarso ou como o jovem rico presumia guardar a lei, mas os fariseus, os essênios e outros também o faziam.

A confusão anterior se agrava ainda mais com a idéia tão lógica, da mesma maneira, tão prevalecente na mentalidade cristã, que se Deus exige algo do homem, é porque este pode cumpri-lo. De outra maneira, como Deus pediria algo que o homem não poderia cumprir? Mas, precisamente, é nesta suposta incoerência divina onde podemos encontrar a resposta à pergunta inicial que nos temos feito: Tinha sentido que Jesus exigisse uma conduta celestial a homens pecadores? A resposta é sim, definitivamente sim. Mas, não porque o Senhor esperasse que os seus discípulos cumprissem as suas demandas, mas porque o seu primeiro objetivo era que os discípulos chocassem uma e outra vez com os seus mandamentos, até que experimentassem sua total incapacidade de cumpri-los.

Sua pedagogia seria permitir um fracasso atrás do outro até que os seus discípulos ficassem vazios de si mesmos, para então ser cheios com a vida do Ressuscitado. E aqui está o ponto. Jesus Cristo, efetivamente, trazia a graça de Deus aos homens, mas, por alguma razão que se torna difícil para nós de entender, ele não começou lhes falando da graça, mas sim da verdade. Jesus Cristo sabia melhor que ninguém, que a única maneira de preparar o coração do homem para receber a graça de Deus, era precisamente fazer que os homens experimentassem primeiro a sua absoluta impotência de guardar a verdade.

Muitos de nós, em um total desconhecimento da realidade, invejamos a oportunidade privilegiada que tiveram os primeiros discípulos do Senhor: Serem discipulados diretamente por Jesus. Quando imaginamos essa situação, envolvemo-la de tanto romantismo e misticismo, que é difícil não manifestar um: Ooohhh! Mas, nada mais longe da realidade. Para os discípulos seguir a Jesus foi uma experiência terrível. Uma e outra vez sentiram que não davam conta. Foram muitos os papelões e as vergonhas que passaram. Ele era tão distinto a eles, que foram pouco a pouco se enchendo de medo e confusão. O tratamento de Jesus muitas vezes foi severo.

Definitivamente, o processo de discipulado foi todo um processo de demolição dos discípulos. O único que os sustentou e os manteve sem desistir do processo foi o inegável e glorioso feito de que Jesus Cristo "tinha amado aos seus que estavam no mundo… até o fim" (João 13:1). "Até o fim" não apenas significa que os amou até o último dia, mas também até o extremo, isto é, até dar a vida por eles.

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