ÁGUAS VIVAS
Para a proclamação do Evangelho e a edificação do Corpo de Cristo
O reino de Deus
O sentido da autoridade e da obediência.
Roberto Sáez
O reino de Deus ou o reino dos céus são expressões que apontam para uma mesma realidade. Mateus fala do reino dos céus porque assim evita usar o nome de Deus, coisa que era muito delicada para os judeus - a quem Mateus escreve o seu evangelho. Por outro lado, Marcos e Lucas falam do reino de Deus. Mas não há diferença entre ambas as expressões.
O reino dos céus na pregação de João Batista
O reino dos céus é anunciado primeiramente por João Batista e em seguida pelo próprio Jesus (Mateus 3:2 e 4:17). O batismo de João foi o selo ou a resposta dos que obedeciam a sua mensagem de arrependimento; isto equivalia a dizer: "Deus tem razão; ele não se equivocou em seus intuitos com respeito a nós; devemos nos batizar em sinal de arrependimento para com Deus. Eu sou pecador, vivi separado de Deus, não fazendo a sua vontade; devo mudar de atitude para com Deus e viver como se vive no reino dos céus, onde todos obedecem a Deus; vivendo para mim estou mal; na água, ali submerso, direi a Deus, a meu povo e à minha própria consciência, que vou morrer para o passado pecaminoso e que vou começar uma nova vida junto a Deus, considerando-o em todos os meus caminhos. Agora que se aproxima o reino no Messias. Que vergonha dá, ter vivido em desobediência a Deus! A partir de agora quero concertar o meu caminho sendo obediente à Palavra de Deus". Em síntese, esta deveria ser a resposta do povo que creu na mensagem de João Batista: "Arrependei-vos, porque o reino dos céus está próximo".
Este anúncio implicava na vinda do Messias. Esta esperança em Israel estava implicada com a política contingente: A necessidade de serem livres do jugo romano e se estabelecerem como cabeça das nações. Isto estava na mente do povo, mas, não em Deus, nem no Messias. As pessoas em Israel estavam cheias de orgulho, insensível ao pecado, vivendo longe de Deus; João Batista vem como o precursor do Messias para "preparar o caminho do Senhor e para endireitar as suas veredas" (Mateus 3:3). Antes de reinar politicamente sobre a terra, era necessário reinar espiritualmente no coração dos homens, para o qual, primeiro teria que efetuar a redenção pelo sacrifício de Cristo e a renovação do coração pelo Espírito Santo. Os discípulos não entenderam assim. Por isso, até o último momento estavam perguntando: "Quando restaurarás o reino?" (Atos 1:6).
Pode ser que João tenha encontrado tropeço no Senhor Jesus, para crer que era verdadeiramente o Messias, já que quando estava no cárcere, enviou mensageiros para Jesus, para lhe perguntar: "Éres tu aquele que havia de vir ou esperaremos a outro?". Jesus respondeu: "Bem-aventurado é aquele que não ache tropeço em mim" (Mateus 11:3, 6). Podemos compreender a fraqueza de João; ele não entende como é que o Messias sendo O Salvador e libertador de Israel, não faça algo por ele que está preso. Jesus dá um excelente testemunho de João convidando os israelitas para receberem a João como "o Elias que havia de vir" (Mateus 11:14). João foi o homem mais austero, fiel, e conseqüente com o seu ministério, mas ele sabia que "é necessário que ele cresça e que eu diminua" (João 3:30).
Pregação do reino de Deus pelo Senhor Jesus Cristo
O Senhor Jesus Cristo ratificou a mensagem de João Batista, colocando a ênfase em um reino espiritual, sobre o coração do homem, pois o maior de todos os males é a rebeldia do coração contra Deus, essa independência da alma do homem, para viver sem Deus, 'pelas suas', ensimesmado, alienado do céu.
O machado que tinha posto João à raiz das árvores, era o que Jesus continuou fazendo pela Palavra do Evangelho, a qual põe em descoberto a necessidade de apartar-se do pecado e experimentar uma mudança de vida. O viver com Cristo nos torna submissos, obedientes, humildes e mansos; se isto for assim, é porque o Senhor do reino dos céus desceu para a terra, está aqui e trouxe para o coração dos homens, o estilo de vida do reino dos céus, onde todos obedecem.
O machado, por um lado, foi a sua doutrina, a que o Pai lhe deu para que a repartisse. A sua palavra punha em evidência a escuridão da alma dos homens, desarticulava as tradições em que estava presa a sociedade, rompia a tirania das injustiças; a sua justiça era maior do que a dos escribas e fariseus; o vinho novo da palavra do reino quebrava os odres velhos da religião de Israel.
Por outro lado, o machado é a obra da cruz, onde a raça de Adão foi crucificada; ali terminou o velho homem e a antiga criação; ali foi destruída a raça de Adão.
O reino dos céus antes da criação do mundo
No reino, lá nos céus, um ser angelical, o chefe daquelas hostes havia se rebelado criando um motim contra a autoridade de Deus; querendo este, ser superior ao próprio Deus (Isaías 14:12-15; Ezequiel 28:12-19). Uma grande parte dos anjos o seguiu na sua rebelião, abandonando o seu lar celestial.
O mais provável é que Judas 6-7 se refiram a eles. "E aos anjos que não guardaram o seu principado, mas abandonaram a sua própria habitação... como Sodoma e Gomorra... as quais da mesma maneira que aqueles, tendo fornicado e indo após os vícios contra a natureza". Estes são conhecidos como: "Os anjos caídos" (2ª Pedro 2:4; 1ª Coríntios 6:3). Estão reservados para serem condenados eternamente por seu pecado e rebelião. "Vícios contra a natureza: Isto é, contrário à natureza do reino". Viverem centrados no ego, atuar independente da autoridade de Deus, rebelar-se contra os desígnios de Deus, é contra a natureza; para cujo propósito foram criados os anjos. Foram criados para obedecer, e é contra a sua própria natureza que desobedeçam.
O reino dos céus é um reino de autoridade. Deus está sentado em seu trono. Ele reina de eternidade até a eternidade. Ele é o Princípio e o Fim. Ele é soberano, suficiente, onipotente, onisciente e onipresente. Ele é Santo. A sua santidade não é uma virtude, mas a soma de todas as suas virtudes. A criatura mais próxima a Deus era Lúcifer, o anjo principal, e com ele toda a hoste angelicais, rendendo um serviço de louvor diante do trono de Deus. Ainda que Deus seja autoridade, não a impõe; ele espera que todos obedeçam a ele, voluntariamente e por amor. Os anjos, da mesma forma que os homens, não são máquinas predeterminadas por Deus para renderem um serviço mecânico. Deus é Espírito e os que o adoram têm que fazê-lo em Espírito. Os seus intuitos expressam a sua vontade e ele espera que todos estejam de acordo com ele e obedeçam, porque fazem o que Deus pensa e deseja. Deus ia fazer uma obra mestra no futuro e comunica isto à sua criação. Mas as suas criaturas se rebelam contra Deus, apresentando resistência ao que Deus deseja realizar.
A obra mestra de Deus é a criação do homem. A Divindade decidiu-se realizar o projeto mais grandioso que mente alguma jamais havia concebido, exceto Deus. Deus encarnado, Emanuel, Deus conosco, Deus contido no homem e o homem sendo a expressão de Deus. O Deus invisível se faria visível; levaria a imagem do Homem pelo resto da eternidade; criaria a imagem e semelhança de Deus na criatura humana, compartilharia com o homem o seu reino, a sua vida, a sua glória e a expansão do universo.
Deus convidou os anjos para alegrarem-se neste projeto, mas o que aconteceu? O anjo principal não se portou bem; achou-se maldade em seu coração, e aqui começa o mal, aqui se origina o mal. Deus não é autor do mal, a criatura que Deus tinha feito para o seu louvor e serviço se rebela contra o que Deus quer fazer. Julga que o que Deus fará é injusto; pensa que ele só deve servir a Deus, a um que é superior, mas servir aos homens no futuro? Entende como uma oferta insuportável, e se enche de inveja e ciúmes.
Considera que servir é algo de pouco valor, e com isto menospreza uma qualidade do caráter de Deus, pois Cristo -que é a imagem de Deus- nos mostrou esta qualidade de servir como uma das virtudes constituintes de Deus. O próprio Jesus, sendo Deus, lavou os pés dos seus discípulos. O serviço é um atributo do caráter de Deus e ele quer que os homens e os anjos tenham este atributo do seu caráter.
Lúcifer se rebela contra Deus, menosprezando esta qualidade. Então decide amotinar os que eram os seus companheiros de serviço. Um terço da hoste angelical o seguiu em sua loucura, o resto, permaneceram fiéis a Deus até o dia de hoje.
Satanás, Diabo, Adversário, Inimigo de Deus, Belzebú (rei das moscas) Dragão, Antiga Serpente, são alguns dos nomes com que se conhece o anjo caído. Não contente em rebelar-se e arrastar a alguns dos seus congêneres, este se rebela contra Deus e o seu trono, querendo ser superior a Deus para ficar com o reino.
Pretende subir acima de Deus, tomar o poder, fazer-se igual a Deus, despojá-lo e lhe roubar, e matar-lhe. Deus, que é a cabeça do universo, desde o seu trono, não faz nada por defender-se, porque o criador não disputa com a criatura. Deus tem poder para fazer desaparecer o rebelde, mas a sua ética, a sua natureza ética não o permite. Então deixa que outro o defenda, neste caso, Cristo, a quem confere e delega toda autoridade no céu e na terra, para que execute todo juízo da mão de Deus, para que reivindique, restaure e ordene o caos produzido pela criatura. Constitui-o cabeça do céu e da terra, e ordena que todas as coisas se resumam nele.
Destituído do reino, Satanás, é enviado para a terra, onde Deus tem pensado em realizar a sua obra mestra: A criação do homem a sua imagem e semelhança. Tudo se decide naquele conselho antecipado e determinado pela Divindade.
Em Gênesis 1:2, temos que "a terra se tornou desordenada e vazia". Se se tornou assim, é porque primeiro estava ordenada. De acordo a uma antiga tradição judaica, Satanás era o encarregado da terra; este era o lugar da sua jurisdição; assim, depois da queda no reino dos céus, faz estragos aqui na terra, indignado e frustrado, desordena tudo o que foi criado por Deus. A criação dos seis dias de Gênesis é uma restauração daquela primeira criação de Deus. Quando o homem é criado, Satanás já estava aqui.
O Adversário provoca um caos na terra, então aquela criação se desordena. O tamanho das criaturas é desproporcionado, meteoritos caem na terra provocando o extermínio daquela criação. São juízos de Deus que caem sobre aquela criação das grandes bestas, as que também, certamente foram contaminadas com a queda do anjo principal.
O plano de Deus para reivindicar a sua autoridade
É neste cenário, a terra, onde Deus põe o primeiro Adão para reinar sobre tudo o que foi criado, incluindo o "...animal que se arrasta" (Gênesis 1:25). Deus quer utilizar o homem, para proporcionar a Satanás o juízo e o castigo por sua rebelião. Sabemos que o homem falhou para com Deus, caindo no engano do diabo, quando este caluniou a Deus, dizendo a Eva: "Não morrereis... porque Deus sabe que no dia que dele comerdes, serão abertos os teus olhos, e sereis como Deus , conhecendo o bem e o mal" (Gênesis 3:5). O pecado do homem foi admitir a palavra do diabo em desmerecer a Palavra de Deus. Isto foi um adultério "espiritual", uma concomitância da alma humana com Satanás. O inimigo está atento; ele sabe alguma coisa do que Deus pretende fazer, sabe que este projeto o deixará fora. O seu zelo e ódio são tão grandes que quer destruir tudo o que venha de Deus.
Conseguiu estorvar a obra de Deus, mas não sabe todos os detalhes do plano, só algumas coisas gerais. Pensa que venceu, que derrotou a Deus, que se interpôs entre Deus e a sua obra, mas não sabe que Deus tem um plano com que restaurará todas as coisas. O plano é o último Adão, Cristo o Senhor, o segundo homem. O primeiro falhou, mas Cristo veio para recuperar o reino para Deus e Pai.
A respeito disso, Paulo diz: "Mas falamos sabedoria de Deus em mistério, a sabedoria oculta, a qual Deus predestinou antes dos séculos para a nossa glória, a que nenhum dos príncipes deste século conheceu; porque se a tivessem conhecido, nunca teriam crucificado o Senhor da glória" (1ª Coríntios 2:7-8). Se Satanás e seus emissários tivessem conhecido completamente o plano de Deus, nunca teriam crucificado a Cristo. Deus reservou este plano nos termos de um mistério.
O homem foi posto para reinar sobre toda a terra: "Tudo puseste debaixo de seus pés" (Salmo 8). O Salmo 8 não se refere a queda do homem -não diz nada com respeito a pecado algum- e isto é porque revela o homem criado segundo o propósito de Deus, para que reinasse sobre toda a criação.
Como o homem pecou, converteu-se em escravo de Satanás e assim perdeu o reino sobre a criação. Mas o Filho de Deus veio desfazer as obras do diabo. Agora ele é o homem do salmo 8, sem queda, perfeito, sem mancha, no qual se cumpre o propósito de Deus. É por isso que o Filho de Deus se chama a si mesmo como o Filho do Homem, pois tinha suma importância no plano de Deus que a obra encomendada pelo Pai a realizasse como homem e não como Deus. Neste ponto devia submeter-se a Deus em obediência e ser provado nela, pois o Filho sempre havia obedecido ao Pai participando da Divindade; mas agora, como homem, tem que aprender a obediência (Hebreus 5:8), já que precisamente a obra do diabo se caracterizou pela desobediência.
Jesus: Vencedor pela obediência como Homem
No reino dos céus, todos obedecem e fazem a vontade do nosso Pai (Mateus 6:10). É por isso que Jesus, como homem, mostrou-se obediente em tudo. Podemos ver isto na tentação no deserto, onde Jesus foi tentado pelo diabo para reagir como Deus, mas as três vezes que foi tentado pelo diabo, Jesus respondeu como homem. O diabo diz: "Se tu és o Filho de Deus.."; Jesus diz: "Não só de pão vive o homem...". O diabo diz a segunda vez: "dar-te-ei todos os reinos do mundo se prostrado me adorares..."; Jesus diz: "Ao Senhor teu Deus adorarás...". Com isto está lhe dizendo: "Eu estou aqui como homem, e como tal, prostro-me só diante de Deus".
Pela terceira vez o diabo prova para provocar a natureza divina do Filho de Deus: "Se tu és Filho de Deus..."; Jesus diz: "Não tentarás ao Senhor teu Deus..."; quer dizer, "Estou aqui como homem e, como tal, não vou tentar ao Senhor meu Deus (Lucas 4:1-13); está claro, Satanás, que tu és apenas uma criatura". Era vital que o diabo fosse vencido por uma criatura (não que Jesus seja uma criatura, mas sim como homem nascido de mulher), e não como Deus, o criador. O primeiro homem falhou, mas o Segundo Homem venceu e recobrou toda a humanidade, sendo nosso representante na gestão de governo sobre a criatura rebelde. Toda a obra que Cristo fez, levou-a a cabo como homem pelo poder do Espírito Santo, desde o seu nascimento até a ressurreição e exaltação aos céus.
A tentação de Satanás ao Senhor Jesus, consistiu em fazer que este respondesse com a sua natureza divina. A tentação que hoje Satanás faz aos crentes consiste em nos fazer reagir como homens, só com as nossas forças e habilidades. A vitória de Jesus foi lhe responder sempre como homem; mas nós temos que responder-lhe como filhos de Deus, revestidos da graça divina.