Os Anabatistas e as raízes do Evangelho (2)

A parte da história da igreja que não foi devidamente contada.

Rodrigo Abarca

Michael Sattler

Outro irmão destacado entre os anabatistas foi Michael Sattler. A sua trágica carreira acabou em 1527, depois da conferência dos irmãos em Baden, onde ajudou a redigir os sete pontos em comum da prática anabatista. Não se tratava de um credo ou confissão de fé vinculante, pois os irmãos criam que a igreja está unida somente em Cristo:

* Só deveriam ser batizados aqueles que experimentaram a obra regeneradora de Cristo.
* A expressão local da igreja é uma companhia de pessoas regeneradas, cuja vida diária é vivida de acordo com a fé que professam. A sua devoção está simbolizada em sua participação conjunta na ceia do Senhor, por meio da qual relembram a obra redentora de Cristo.
* A disciplina deve ser exercitada dentro das igrejas, e a disciplina final é a excomunhão.
* O povo de Deus deveria viver uma vida de separação do pecado, do mundo, e da submissão à carne, ou algo que pudesse comprometer a sua fé. Isto inclui uma separação dos ritos das facções romana, luterana e zuingliana.
* Os ofícios de uma igreja local devem ser apartados pela igreja e é sua responsabilidade a edificação dos crentes por meio do ensino da Palavra de Deus.
* Os crentes não deveriam recorrer à força, seja em defesa própria ou em uma guerra ordenada pelo estado.
* Os crentes não deveriam prestar nenhum juramento, nem tampouco recorrer à lei.

Parece incrível que estas idéias fossem consideradas como heréticas entre os protestantes e despertassem uma cruel e amarga perseguição. Em 1527 Sattler foi detido em Rotenberg e sentenciado a sofrer uma morte 'exemplar' por seus captores católicos: "Michael Sattler será entregue ao verdugo, o qual lhe cortará na praça primeiro a língua, logo o atará ao poste dos hereges e ali com umas tenazes em brasa viva lhe rasgará o corpo duas vezes, fazendo o mesmo indo até o lugar da execução durante cinco vezes. No lugar designado, queimarão o seu corpo até reduzi-lo a cinzas, por ser um archiherege". A sentença foi cumprida fielmente, enquanto que a sua esposa foi afogada junto com outros irmãos.

A Tragédia de Münster

Possivelmente o episódio que mais contribuiu para desprestigiar a causa anabatista foi a chamada "tragédia de Münster". Como foi mencionado antes, durante o século XVI diferentes grupos de pessoas foram chamadas anabatistas. No meio deles existiam alguns líderes exaltados, que propunham métodos violentos de ação, completamente opostos aos ensinos pacíficos dos irmãos, e que, além disso, anunciavam o estabelecimento iminente e material do reino de Deus na terra.

A difícil condição em que viviam as pessoas mais pobres e a grande quantidade de abusos cometidos pelos capitalistas e os príncipes contra eles atraíram a muitas destas pessoas simples e crédulas para aqueles profetas exaltados. Por outro lado, alguns irmãos, que tinham sofrido enormemente nas mãos dos seus captores e perseguidores, foram arrastados atrás das suas promessas de justiça e reivindicação. Assim foi preparado o cenário para a tragédia de Münster.

Em 1537, dois destes pregadores exaltados, Jan Mattys e John de Leyden, chegaram até a cidade de Münster, proclamando que a Nova Jerusalém seria estabelecida naquele lugar. Ali já existia uma congregação protestante que estava sob a condução de Bernard Rothmann, um pastor amável e pacífico, que, no entanto, caiu rapidamente debaixo da influência dos novos profetas. Além disso, também tinha chegado a Münster, muitos refugiados, pois o príncipe governante, Felipe, tinha-a declarado uma cidade de refúgio. E entre eles haviam verdadeiros crentes e outros tantos descontentes e fanáticos.

Em meio a essa multidão heterogênea, ambos os pregadores exerceram a sua influência, exaltando os ânimos contra os magistrados da cidade, a quem logo depuseram para colocar outros completamente controlados por Matthys. Dali em diante dedicaram-se a decretar leis extremas sob a influência de algumas supostas 'inspirações proféticas'. Assim, ordenou-se limpar a cidade de incrédulos e batizar a todos os seus habitantes pela força. Enquanto isso, o bispo de Münster tinha sitiado a cidade com as suas tropas.

Então, Matthys, crendo ser guiado por uma 'revelação' atacou subitamente as tropas do bispo e foi morto. Leyden foi o seu sucessor, que reforçou o controle e o extremismo, obrigando a todos a viver em comunhão de bens e instituindo a poligamia. Tomou como esposa a viúva de Matthys e, com a qual se fez coroar como rei e rainha da cidade. No entanto, e finalmente, as tropas do bispo romperam a dura resistência dos defensores e penetraram na cidade assassinando a todos os seus oponentes. Leyden foi torturado e executado no mesmo lugar onde havia se coroado rei.

Na verdade, os exaltados de Münster tinham muito pouco a ver com os pacíficos irmãos representados por Hubmeyer, Manz, Grebel, Denck, Sattler e outros. Não obstante, os acontecimentos que protagonizaram contribuíram para criar, entre as pessoas do seu tempo, uma imagem negativa dos irmãos anabatistas, pois criam que todos faziam parte do mesmo movimento. Isto deu motivo para que os seus perseguidores aproveitassem o episódio, justificando ainda mais a repressão dos irmãos e aumentando a 'propaganda' contra eles.

Crescimento e perseguições

Os irmãos se espalharam rapidamente pela Europa, sempre perseguidos e obrigados a fugir de um lado para outro. Através de toda a Áustria foram levantadas inúmeras congregações, como também na Alemanha, Holanda e Moravia. Em Tirol e Gorz, centenas de irmãos foram queimados na fogueira, decapitados ou afogados. Em Salzburgo, onde uma congregação completa de setenta pessoas, foi condenada a morte, uma jovem crente provocou um grande sentimento de compaixão entre a multidão reunida para presenciar a execução, devido a sua juventude e beleza. Todos pediram aos gritos que fosse perdoada, no entanto não foi feito exceção. Os executores a colocaram debaixo do peso de um imenso bebedouro para cavalos até que morreu. Em seguida retiraram o seu corpo e o jogaram nas chamas. Assim selou o seu heróico testemunho por Cristo.

Mas, ela foi só uma a mais entre os milhares de mártires anabatistas. Enquanto isso, muitos irmãos encontraram refúgio na Moravia, onde fundaram várias comunidades que mantinham um regime de comunhão de bens, forma de vida que foi adotada devido, em parte, a grande quantidade de viúvas e órfãos que deveriam cuidar por causa do seu elevado número de mártires; mas também, porque desejavam sinceramente seguir o exemplo da igreja em Jerusalém, registrado no livro dos Atos.

Menno Simons

Como conseqüência, o episódio de Münster exacerbou por toda parte a perseguição contra os irmãos. Muitas congregações foram acusadas, sem prova alguma, de estar em cumplicidade com os líderes de Münster, e foram perseguidas com maior violência e crueldade ainda. A tal ponto que, na Alemanha, Holanda e outros lugares, o movimento quase foi extinto. Então surgiu a figura de Menno Simons, que ajudou às minguadas e espalhadas congregações a reorganizarem-se e a enfrentarem a adversidade.

Menno, que viajou incansavelmente, animando e fortalecendo os irmãos por toda parte, tinha sido previamente um sacerdote católico. Depois de um tempo estudando as Escrituras, assistiu ao heróico martírio de um crente anabatista chamado Sicke Snyder, que foi decapitado por negar o batismo de crianças. Ficou tão comovido com a sua integridade e fé, que decidiu unir-se à causa anabatista.

Desde esse momento trabalhou infatigavelmente entre os irmãos. E combateu ardentemente contra a errônea identificação dos irmãos com a "seita de Münster" Em sua autobiografia nos diz que, "Logo irrompeu a seita de Münster, com a que muitos corações piedosos, também entre nós, foram enganados. A minha alma estava em uma grande inquietação, porque notava que eram zelosos, mas doutrinalmente errados. Com o meu pequeno dom, através da pregação e o ensino, opus-me ao engano, tanto quanto pude...".

E depois, em outro escrito, "Ninguém pode de verdade me acusar de concordar com o ensino de Münster; pelo contrário, durante dezessete anos, até o dia presente, tenho me oposto e lutado contra, privada e publicamente, com a voz ou a caneta. Nunca reconheceremos como irmãos e irmãs a aqueles que, como o povo de Münster, rejeitam a cruz de Cristo, desprezam a palavra de Deus e praticam as paixões terrestres".

Trabalhou estabelecendo e confortando as igrejas na Holanda com tanto êxito que, em 1543 o Imperador o declarou fora da lei e pôs um preço à sua cabeça. Obrigado, deixou o país, e deu um jeito de escapar dos seus captores durante os próximos vinte e cinco anos sem ser preso, ensinando e ajudando às igrejas. Finalmente se estabeleceu em Fresenburg, onde continuou trabalhando e escrevendo em defesa das crenças anabatistas até que alguns dos seus escritos chegaram às mãos das autoridades de vários países. Isto ajudou a aliviar um pouco a perseguição e a aversão contra os irmãos, e conseguiu um certo grau de liberdade de culto.

Menno Simons morreu de morte natural em 1559. Não obstante, devido a sua grande influencia entre os irmãos anabatistas, as congregações nas que trabalhou começaram a chamar-se, posteriormente, 'menonitas', algo com o que, provavelmente, ele mesmo não tivesse estado de acordo.

Legado

O valente testemunho dos irmãos anabatistas deixou uma herança sem possibilidade de ser avaliada para os crentes que vieram depois. A eles se devem a recuperação da verdade da igreja como constituída por assembléias formadas exclusivamente por crentes regenerados, separadas do mundo e independentes do estado, participativas e abertas à comunhão com todos os que são de Cristo, na simplicidade do ensino do evangelho. Regaram a semente da liberdade cristã com o sangue dos seus mártires. Nos séculos posteriores outros crentes tomariam a bandeira da causa anabatista e a levariam mais adiante, nas assim chamadas igrejas 'não conformistas' e 'independentes'.

Além disso, o seu determinado pacifismo se levantou em meio da intolerância e fanatismo do seu tempo, como um imperecível testemunho de qual pode e deve ser sempre o verdadeiro espírito do evangelho, quaisquer que sejam os tempos, as épocas e as circunstâncias.

Por último, ao enfatizar a necessidade de uma vida de santificação prática e real, ajudaram a equilibrar os excessos do ensino da "justificação pela fé" entre os protestantes, que em muitos casos tendia a fazer desta o único elemento da salvação, esquecendo a regeneração e os frutos de santificação como parte de uma vida verdadeiramente salva.

É difícil não ver na amarga e cruel perseguição que tingiu de sangue a sua história, o ódio e a hostilidade do príncipe deste mundo, que está determinado a estorvar o testemunho de Cristo nesta terra; mas também, a persistente fidelidade de Deus, que sempre reservou um testemunho fiel e conduziu o seu povo mesmo que através das noites mais longas e escuras. Como está escrito: "Sê fiel até a morte, e dar-te-ei a coroa da vida".

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