ÁGUAS VIVAS
Para a proclamação do Evangelho e a edificação do Corpo de Cristo
O Príncipe dos Pregadores (2)
Precoce, fértil, polêmico, eloqüente, Charles Haddon Spurgeon, um homem que maravilhosamente fez brilhar o evangelho na penumbra da Inglaterra do século XIX.
Águas Vivas
Procedente de uma antiga família cristã inglesa, Charles H. Spurgeon mostrou muito cedo uma inclinação pelas coisas espirituais. Convertido aos 15 anos, aos 17 já era pastor. Aos 20 anos se encarregou de uma das igrejas mais antigas e prestigiosas de Londres. Muito rapidamente começou a atrair multidões por sua pregação. Fora da Inglaterra o seu nome também se fez conhecido graças à publicação dos seus sermões, que eram lidos com devoção em todo mundo. Sua popularidade cresceu até o ponto de converter-se em um verdadeiro fenômeno religioso. No entanto, também houve uma forte hostilidade para com a sua pessoa, por causa da sua juventude, sua intrepidez, e suas firmes convicções doutrinais. As dificuldades alcançaram o seu ponto mais alto quando ocorreu um acidente em uma das suas reuniões, que causou a morte a 7 pessoas, e deixou outras 28 feridas. Esta terrível tragédia deixou uma marca muito profunda no jovem pregador. Não obstante se repôs, e continuou o seu ministério.
Colégio de Pastores
A fim de ajudar os jovens que tinham o chamado para a pregação, Spurgeon criou em 1856, com recursos próprios, o Colégio de Pastores, que começou com apenas um aluno e um professor. Em pouco tempo, foi construído um edifício para o Colégio. No fim de 1872, em razão da alta demanda dos estudantes, construiu-se um lar para o Colégio. Em seu discurso anual de 1890, Spurgeon informava que nos 34 anos do Colégio, tinham sido recebidos nele 828 postulantes, dos quais 673 exerciam na obra.
O Colégio de Pastores foi a obra favorita de Spurgeon. "Aquele que converte uma alma tira água de uma fonte; mas o que prepara um ganhador de almas, está cavando um poço do qual milhares podem beber a água da vida eterna. Por isso cremos que a nossa obra entre os estudantes é a maior responsabilidade de todas aquelas nas quais pusemos as mãos...".
A partir do ano de 1865 foi organizada a "Conferência Anual" do Colégio de Pastores. A estes encontros vinham todos os que tinham passado por suas salas de aulas, para ter uma semana de refrigério espiritual, no abraço dos companheiros, na comunhão, no estudo aos pés do Mestre. Spurgeon sempre tinha para eles palavras de carinho e ânimo, de exortação e conselho.
No final de 1857 foi publicado o seu primeiro livro, o primeiro de muitos que haveriam de serem publicados: O Santo e o Seu Salvador, escrito principalmente "para a família do Senhor," embora contenha muitas passagens destinadas ao leitor não convertido.
Da mesma forma que Wesley e Whitefield, Spurgeon costumava pregar ao ar livre. Certa vez pregou debaixo de uma grande árvore onde a pouco tempo tinha morrido um homem partido por um raio. Dessa maneira, ele enfatizava o inesperado da morte. Em outra ocasião, 10.000 pessoas o escutaram pregar junto a uma grande rocha e cantar com todo ardor "Rocha da Eternidade". Pregou também em estábulos, abrigos, e uma vez, inclusive, pregou em cima de uma carroça.
No fim de 1858, os sentimentos de Spurgeon contra a escravidão se tornaram amplamente conhecidos, pois em uma reunião noturna, Spurgeon convidou a John A. Jackson, um escravo fugitivo originário da Carolina do Sul, USA, que subisse ao púlpito com ele. Isto fez que perdesse muito do apoio que recebia dos Estados Unidos, e afetou a venda dos seus sermões naquele país. Talvez por isso, face aos inúmeros convites que teria que receber posteriormente, Spurgeon nunca concordou em visitar os Estados Unidos. Mais tarde recebeu também convites para visitar a Austrália e Canadá, mas ele respondia que não tinha permissão do seu Senhor para abandonar o seu posto.
Enquanto era levantado o Tabernáculo Metropolitano, Spurgeon, os diáconos e alguns membros da igreja, costumavam reunir-se para orar no meio dos trabalhos da construção. Por fim, em 1° de março de 1861, terminou o Tabernáculo Metropolitano. Tinha capacidade para 6.000 pessoas; além disso, havia um salão para a Escola Dominical, com capacidade para 1.000 pessoas; e outras dependências.
Dias de êxito e reconhecimento
O primeiro serviço que foi celebrado no Tabernáculo Metropolitano foi de oração, dirigido por Spurgeon, no dia 18 do mesmo mês, com mais de mil pessoas assistindo. As celebrações de abertura tiveram uma duração de 5 semanas. Várias pregações sobre a graça foram expostas pelo próprio Spurgeon e por outros pregadores convidados.
Neste tempo Spurgeon tinha 26 anos de idade, e só fazia 6 que se encontrava em Londres. Apesar da sua juventude, e o tempo relativamente curto em que se achava à frente deste trabalho, tinha efetuado um trabalho verdadeiramente brilhante. A fama de Spurgeon não cessou, nem diminuiu com a edificação do Tabernáculo Metropolitano. Ao contrário, a sua reputação ia crescendo à medida que passavam os anos.
Durante o ano de 1861 foram distribuídos 200.000 sermões impressos nas Universidades de Oxford e Cambridge, e saiu uma edição alemã que foi exposta na Feira do Livro de Leipzig. Muitos jornais dos Estados Unidos seguiam publicando os seus sermões a cada semana.
O volume de sermões do "Púlpito do Tabernáculo Metropolitano" correspondente ao ano de 1864 é um dos mais importantes de toda a coleção que contém 56 volumes. A razão é que inclui sermões sobre "A Regeneração Batismal", "Meninos Trazidos a Cristo e não a Pia Batismal", "O Livro da Oração Comum" (utilizado pela Igreja da Inglaterra, anglicana), e "Pesado nas Balanças". Spurgeon sabia que tinha "atiçado um ninho de cascavéis" e estava plenamente convencido que a venda dos seus sermões baixaria dramaticamente, mas a partir desse momento se ampliou a venda.
Em 1865 iniciou a publicação de uma revista mensal a que pôs por nome A Espada e a Pá de pedreiro. A revista incluía a publicação de sermões, de artigos e de comentários de livros. Também mantinha informados os seus leitores a respeito das demais obras do ministério de Spurgeon.
Em 1865 pregou uma mensagem intitulada "A Verdadeira Unidade Promovida" que tem muita vigência em nossos dias. Em 1866 tornou a pregar sobre este tema. Spurgeon demonstrou a sua simpatia a favor de uma verdadeira unidade cristã ao visitar a Escócia na primavera desse ano, assistindo à Igreja Livre da Assembléia da Escócia e pregando em outra igreja de São Jorge e para as Igrejas Presbiterianas Unidas de Edimburgo.
A Sociedade de Colportores e o Orfanato
Em 1866 foi criada a Associação de Colportores. Seu propósito era fazer circular a maior quantidade possível de literatura sadia, de caráter cristão. Para Spurgeon, os colportores não eram só vendedores de livros, mas sim verdadeiros "missionários pregadores, e pastores". Algumas cifras dão eloqüente amostra disso.
Durante os primeiros dois anos, houve somente 6 homens neste trabalho. Em 1872, havia 13; em 1874 havia 35; em 1875, havia 45. Em 1880, que era o 14o. ano de sua existência, a Associação contava com 79 colportores e foram vendidos 396.291 livros e revistas, efetuaram-se 631.000 visitas missionárias, e celebrado 6.000 serviços de pregação. Em média, em cada ano, cada colportor tinha vendido 5.016 livros e revistas; efetuado 7.987 visitas; e celebrado 75 serviços de pregação. Seguindo o exemplo dos colportores, um grupo de membros do Tabernáculo partiu para a Índia em trabalho missionário.
No ano seguinte começou a se concretizar outro sonho de Spurgeon: um Orfanato. Como alguém disse: "O Orfanato representa da maneira mais bela um dos traços mais ternos de Spurgeon. O seu amor aos meninos só foi excedido pelo amor que os meninos tinham para com ele". Muitas ocasiões, extenuado pelo excesso de trabalho, e preocupado pelos muitos problemas, Spurgeon ia ao Orfanato para encontrar descanso físico e mental. Ali, Spurgeon era como "um menino grande entre muitos outros meninos pequenos".
No entanto, Spurgeon nunca teve o propósito deliberado de fundar um asilo de meninos. Sua criação foi providencial, e é necessário nos referirmos a ela para conhecermos um pouco mais sobre este homem. No ano de 1866, falando Spurgeon de uma maneira incidental, de algumas coisas que constituíam uma necessidade imperiosa, mencionou um Orfanato, dando ênfase aos milhares de meninos que na própria Londres careciam de pão e de abrigo. Esta nota foi lida por uma assídua leitora de Spurgeon, a Sra. J. Hillyar, que era viúva de um clérigo anglicano e que possuía muitos bens. Depois de meditar muito sobre isto, pôs a disposição de Spurgeon uma grande soma de dinheiro para a construção de um Orfanato. Spurgeon rejeitou aceitar o oferecimento, e a aconselhou que fizesse essa doação ao Orfanato de G. Müller, em Bristol.
Com essa carta Spurgeon creu que ficaria terminado este assunto. Mas quase imediatamente recebeu uma segunda carta, em que lhe dizia que Deus tinha posto em seu coração lhe entregar essa quantidade, e que se não fosse ele quem a administrasse, o dinheiro não seria doado. Dessa maneira Spurgeon se viu obrigado a empreender a fundação do Orfanato.
Junto com a doação de Mrs. Hillyar vieram muitas outras. Os edifícios do Orfanato de Stockwell foram terminados no final de 1869. Nele ingressaram centenas de meninos, de todas as classes sociais e denominações cristãs, convertendo-se em um dos maiores asilos de órfãos da Inglaterra. Em 1880 começou a construção do Orfanato de meninas.
De acordo com o pensamento de Spurgeon, a única disciplina que se empregava no Orfanato de Stockwell era a do amor, a palavra carinhosa, e a afetuosa persuasão. Muitos dos meninos criados ali foram pregadores do Evangelho.
A obra se estende
Em 1867, em vista das freqüentes enfermidades e o enorme trabalho de Spurgeon, a igreja nomeou o seu irmão James como auxiliar. Desde esta data, e por espaço de 24 anos, esses dois irmãos estiveram à frente daquela gigantesca obra. Por volta do final deste mesmo ano terminaram um Asilo de Velhos com doze habitações para velinhas.
Embora Spurgeon nunca tenha visitado os Estados Unidos, teve estreita comunhão com cristãos norte-americanos. Em 1875, os evangelistas norte-americanos D. L. Moody e Sankey pregaram no Tabernáculo Metropolitano. Em 6 de junho Spurgeon pregou em uma campanha de Moody e Sankey na cidade de Londres.
Em 15 de agosto desse mesmo ano, Spurgeon pregou um sermão intitulado "Prescindindo do Sacerdote", que causou uma grande controvérsia promovida pelos jornais controlados pela Igreja da Inglaterra.
Durante uma reunião de oração que teve na última noite de janeiro deste ano, Spurgeon falou contra o uso do título "Reverendo" (embora ele ainda o usasse para não dificultar a tarefa do seu carteiro). Ele afirmava que ninguém o tinha ordenado, e ninguém nunca o faria. Sua única ordenação proveio da "mão transpassada".
Sua preocupação pela formação dos pregadores levou Spurgeon a consultar 4.000 livros para analisá-los e recomendar os melhores.
Na noite do primeiro domingo de Julho de 1875 começaram a usar uma nova estratégia de evangelização no Tabernáculo Metropolitano: foi solicitado a toda congregação que cedesse os seus assentos, para que as pessoas que nunca tinham vindo pudessem escutar o Evangelho. Devido ao bom resultado que teve esta experiência, foi repetida muitas vezes no futuro.
Em Dezembro de 1876 Spurgeon pregou uma série de cinco sermões sobre Cristo: "Cristo o Fim da Lei", "Cristo o Conquistador de Satanás", "Cristo o Vencedor do Mundo", "Cristo o que Faz Todas as Coisas Novas" e "Cristo o Destruidor da Morte". No ano seguinte, publicou um livro, O Glorioso Êxito de Cristo, uma coleção de sete sermões a respeito de Cristo como vencedor de Satanás, do mundo, da morte, etc.
Em 1878, no mês de Julho, foi publicado um excelente livro intitulado: "A Bíblia e o Jornal." Spurgeon estava convencido que devia ler o jornal "para ver como meu Pai celestial governa o mundo." O livro contém uma coleção de notícias de jornais sobre diversos incidentes, vistos de uma perspectiva espiritual, para benefício de pregadores e professores da escola dominical. Algumas vezes Spurgeon selecionava alguns desses incidentes e pregava sermões completos a respeito deles. Por exemplo, durante dois domingos do mês de Setembro, pregou dois sermões sobre o afundamento do navio Princesa Alicia.
As idosas e as enfermidades
Com o passar dos anos, a enfermidade do reumatismo e a gota começaram a atacar fortemente Spurgeon. Continuamente tinha que se ausentar do púlpito, e reservar períodos de descanso na cidade de Menton, França, às vezes por semanas ou meses. Neste tempo um jornal dos Estados Unidos acusava um popular pregador londrino de falta de moderação, expressando que a sua enfermidade de gota requeria freqüentes visitas a França, sendo que a gota era o resultado do excessivo consumo de cervejas, conhaque e vinho de Jerez.
Mas Spurgeon continuava a sua obra. Continuamente recebia grandes somas de dinheiro, seja como presentes (em seus aniversários especialmente), donativos ou ganhos pela venda dos seus livros. Grande parte desses dinheiros ele canalizava para as obras de caridade. Em 1879 Spurgeon doou 5.000 libras esterlinas para os asilos e o restante para outras causas que eram dignas, tais como o Fundo de Auxílio para os Ministros Pobres.
Spurgeon também teve preocupação pelas idosas pobres. O "Lar das Idosas" tinha nascido 50 anos antes que Spurgeon se tornasse o pastor da Igreja New Park Street; e se originou no coração de João Rippon. No entanto, deve o seu maior aumento a Spurgeon. Em 1880 encontravam-se abrigados neste asilo 17 idosas, a maior parte das quais eram antigos membros da Igreja do Tabernáculo.
Este asilo era um verdadeiro lar para as idosas. Spurgeon nunca creu na conveniência de que as pessoas encerradas em uma instituição beneficente vivessem amontoadas em grandes salões, e ainda mais sendo idosas, as que como tal, têm os seus hábitos de vida já formados, e os seus costumes estabelecidos. Providenciou um grande número de habitações para que nelas pudessem viver individualmente as asiladas, e nestas habitações reuniu todas as comodidades possíveis dentro de um bom entendido espírito de economia, a fim de que os últimos anos de vida dessas idosas fossem tranqüilos e agradáveis. Ali viviam aquelas velinhas independentemente, no entanto, em família, com a avaliação e a consideração de todos. Eram consideradas não como objeto de caridade, mas sim como boas irmãs a quem se estava no dever sagrado de sustentar, tornando suportáveis os últimos instantes da sua existência.
A popularidade de Spurgeon chegou a alturas imprevisíveis, tanto, que fazia severa concorrência aos políticos mais importantes da época. Conta-se que um estudante de uma escola nos Estados Unidos, quando perguntaram-lhe quem era o Primeiro-ministro da Inglaterra, respondeu: O senhor Spurgeon!
Precisamente o Primeiro-ministro da Inglaterra, Mr. Gladstone, visitou em 1882 o Tabernáculo Metropolitano. A visita do senhor Gladstone foi inesperada de tal forma que não foi preparado um sermão especial para a ocasião. O Primeiro-ministro se reuniu previamente em particular com Spurgeon durante quinze minutos, e posteriormente tornou a reunir com ele para felicitá-lo pelo excelente trabalho que era desenvolvido.
Em 1884 foi a celebração do aniversário número cinqüenta do pregador, celebração que teve lugar nos dias 18 e 19 de Junho. Os jornais comentaram o evento e congratularam o pregador por ser um dos homens mais conhecidos do seu tempo, tendo sido primeiro "uma curiosidade e posteriormente uma notoriedade." O Tabernáculo estava completamente lotado nas reuniões que tiveram lugar essas duas noites. 7.000 pessoas estiveram presentes na noite de 19 de Junho. Em uma resposta característica aos elogios que lhe eram feitos, Spurgeon disse que "ele não atravessaria a rua para ir escutar ele mesmo." No evento pregaram homens eminentes tais como D. L. Moody e O. P. Gifford, dos Estados Unidos e Canon Wilberforce, e os doutores Newman Hall e Joseph Parker.
Spurgeon era um firme calvinista, mas revelou a sua condição universal ao pregar no mês de Abril a favor da Sociedade Missionária Wesleyana.
Rompe-se a paz: A Controvérsia do declínio
As coisas andaram muito bem até o ano de 1887. Este foi o ano na vida de Charles Haddon Spurgeon de acordo com os seus biógrafos e os historiadores da igreja. Devido ao desenrolar dos eventos desse ano e à decisão tomada por Spurgeon, foi criticado, elogiado e avaliado depois. Foi o ano da "Controvérsia do declínio".
Spurgeon olhava a muito tempo com preocupação para as tendências modernistas entre certos pregadores batistas do seu tempo. Entre os enganos estava o negar o sacrifício expiatório de Cristo, a inspiração bíblica e a justificação pela fé. Os batistas, em vez de pôr ordem em suas fileiras, e esclarecer pontos em disputa, tinham comunhão com tais modernistas.
Segundo Spurgeon, eles raciocinavam assim: "Sim, nós cremos na Divindade de Jesus; mas não deixaríamos um homem para fora do nosso convívio por pensar que o nosso Senhor é um mero homem. Nós cremos na expiação: mas se outro homem o recusa, ele não deve, devido a isto, ser excluído de nosso grupo". Por este motivo, Spurgeon considerou um dever separar-se deles: "O separar-nos a nós mesmos daqueles que se separam a si mesmos da verdade de Deus não é só a nossa liberdade, mas sim o nosso dever".
Spurgeon não queria entrar em disputa, tampouco exercer pressões para que eles mudassem o seu procedimento, mas simplesmente quis sair do meio deles, conforme a Palavra. "O dever obrigatório de um verdadeiro crente para com homens que professam ser cristãos, e, no entanto negam a Palavra do Senhor, e resistem aos fundamentos do Evangelho, é sair do meio deles". Spurgeon apresentou a sua renúncia à União Batista, e que foi aceita no dia 18 de Janeiro.
A Controvérsia do Declínio se converteu em tema de conversação nos Estados Unidos e Canadá durante este ano. "O Batista Nacional" da Filadélfia censurou a Spurgeon; a Convenção Batista da Província Marítima do Canadá, ao contrário lhe apoiou.
O pregador confessou que a "tensão da controvérsia quase quebrantou o meu coração". A controvérsia refletiu-se na pregação desse ano: "Agarrando-se à Fé", "A Infalibilidade da Escritura", "Nenhum Compromisso", são alguns títulos das suas pregações.
Últimos dias
Durante os últimos dias de Spurgeon agravou-se a enfermidade da gota, a qual se acrescentou o reumatismo e, no final, a enfermidade de Bright (que ataca severamente os rins).
No final de 1891, os médicos e amigos aconselharam outra viagem a Mentone. Durante os três meses que mediaram entre a sua chegada a Mentone e a sua morte, semanalmente escrevia para a sua congregação cartas carinhosas que eram lidas publicamente. Essas cartas mostram o homem de Deus expressando a formosura de Cristo. Em 21 de dezembro de 1891 escreveu uma carinhosa carta aos meninos do Orfanato, apresentando o seu carinho, e dando-lhes saudáveis conselhos.
Parece que a última carta que Spurgeon escreveu para a sua Igreja é a que aparece datada em 15 de janeiro de 1892. O dia 17 participou de um culto familiar; e o dia 18 a gota afetou-lhe a cabeça. Na terça-feira dia 26 era o dia marcado para trazer para o Tabernáculo as ofertas de ações de graça. Esse dia Spurgeon ditou ao seu secretário, o Sr. Harrald, o seguinte telegrama: "Eu e esposa, cem libras, sincera ações de graças, para gastos gerais do Tabernáculo. Carinhos a todos os amigos". E então caiu na inconsciência, a que continuou quase todo o tempo restante. Antes havia dito ao seu secretário: "Minha obra terminou". E a sua esposa: "OH querida, gozei um tempo glorioso com o meu Senhor!".
Charles H. Spurgeon dormiu no Senhor em 31 de janeiro de 1892, rodeado da sua esposa, um dos seus filhos, seu irmão e co-pastor, seu secretário particular, e três ou quatro amigos. O seu corpo foi colocado, dias depois, em seu lugar de descanso terrestre, junto ao túmulo do missionário Robert Moffatt.
Depois da morte de Spurgeon, toda a imprensa deu atenção a ele enchendo as suas colunas com os seus dados biográficos, com a enumeração e apreciação da sua obra, e estima do seu caráter.
Durante o seu pastorado, um total de 14.692 pessoas foram batizadas e se uniram ao Tabernáculo Metropolitano. Os seus sermões continuaram sendo publicados durante 27 anos depois da sua morte, de tal forma que "até estando morto, fala." Atualmente, os livros e sermões de Spurgeon, assim como a sua vida e ministério, seguem inspirando a milhares de cristãos em todo mundo.
Perfil do homem de Deus
Spurgeon viveu e brilhou com claridade extraordinária, em uma época em que, em seu próprio país, sobressaíam magníficos pregadores. Muitos se perguntavam onde estava o segredo do seu poder e a chave do seu êxito. De fato, não possuía as características que podem fazer um homem atrativo para as massas. Sua estatura era média; o seu corpo era forte, mas comum, com tendência à obesidade; o seu rosto, sombreado nos últimos anos por uma barba rala, não era certamente a representação da beleza; e toda a sua personalidade, contemplada no púlpito, não tinha aquela simpatia atraente que tanto se admira nos grandes da tribuna.
Uma parte da imprensa começou a dizer que o êxito de Spurgeon era porque ele era um excêntrico do púlpito. Mas nunca foi tal coisa. Pelo contrário, era sim pausado e severo, e os seus movimentos eram os que se esperavam em todo orador, próprio de uma escola mais conservadora.
No que Spurgeon possuía um verdadeiro tesouro, rico e inesgotável, era em sua voz, nos tempos em que não era conhecido o microfone. Alguém disse que enquanto se enchia o Tabernáculo parecia uma enorme colméia. Mas tão logo Spurgeon subia ao púlpito, todos esses rumores se acalmavam, e em meio a um grande silêncio, vibrava com uma grande intensidade a sua voz clara e cristalina de timbre metálico; voz acariciadora, mas viril; voz que prestava, de maneira maravilhosa, para as matizes de sentimentos mais delicados e diversos.
A voz de Spurgeon era robusta, e extensa, e sempre chegou claramente até o último dos ouvintes. Em várias ocasiões na Inglaterra, e Escócia falou ao ar livre com multidões de 14 e 15.000 pessoas. Em certa ocasião, enquanto provava a sua voz no solitário Palácio de Cristal, um trabalhador que se encontrava em um andaime muito alto, colocando cristais em uma das janelas, ouviu-lhe dizer: "Palavra fiel e digna de ser recebida por todos: que Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores'. Essas palavras foram repetidas com uma voz baixa, suave, distinta. O homem se surpreendeu grandemente, porque não via ninguém no edifício; mas aquelas palavras chegaram ao seu coração, e aceitou a Cristo."
Uma das características espirituais que Spurgeon possuía era a sua fé firme e invariável; uma fé que se sobrepunha às dificuldades e contratempos. Aquelas coisas fundamentais de que falava, a respeito de Deus, de Cristo, da vida eterna, não eram para ele meras teorias, mas sim tremendas realidades. Deus enchia todo o seu horizonte. Jesus era tão absolutamente o Senhor do seu coração, que as lágrimas corriam dos seus olhos em torrentes quando falava do Salvador. Jesus Cristo tinha fascinado o seu coração.
Esta fé profunda se manifestava em sua fidelidade à verdade. Em sua vida toda era guiado exclusivamente por essa lealdade à Palavra de Deus. W. C. Wilkinson diz: "A coisa mais admirável a respeito de Spurgeon, era esta: a absoluta, singela e completa fidelidade que sempre manteve, sem intermitências, do juvenil começo até o maduro termino da sua obra, a serena e imperturbável fidelidade de mente e de coração, de consciência,... de vontade, de tudo o que havia nele, e de tudo o que havia dele, ao mero e puro, imutável, não acomodatício neotestamentario Evangelho de Cristo, que é o mesmo ontem, hoje, e para sempre... Seja Deus bendito por isso!".
Outra característica extremamente apreciável em Spurgeon era o seu espírito de oração. Cria absolutamente na necessidade da oração, e a prática de sua vida nunca esteve em desacordo com isto. Certa vez, uns visitantes procedentes dos Estados Unidos lhe perguntaram qual era o segredo do seu êxito. Ele lhes respondeu: "Minha gente ora por mim". Quando alguém entrava para visitar o tabernáculo Metropolitano, ele o levava para a sala de oração no sótão, onde sempre haviam pessoas intercedendo de joelhos. Então Spurgeon declarava: "Aqui está a central elétrica desta igreja".
Orar era tão natural para ele como respirar. Wayland Hoyt, um amigo, conta o seguinte testemunho: "Eu estava caminhando com ele (com o Spurgeon) no bosque, e quando chegamos a certo lugar simplesmente disse, venha nos ajoelhemos junto a esta cabana e oremos, e assim elevou a sua alma a Deus na mais reverente e amorosa oração que ouvi".
Também, segundo Theodore Cuyler, enquanto caminhando pelo bosque tiveram um tempo de humorismo, Spurgeon parou de repente e disse: "Venha Theodore, agradeçamos a Deus pelo riso", e ali mesmo orou.
Algumas das admoestações mais solenes que Spurgeon dirigiu a sua congregação foram sobre o perigo de que jamais cessassem de depender de Deus em oração. "Que Deus me ajude se deixarem de orar por mim! Avisem-me naquele dia, e terei que cessar de pregar. Avisem-me quando propuserem cessar em suas orações, e clamarei: "meu Deus, me dê o túmulo neste dia, e que eu durma no pó". Essas palavras não eram eloqüência de pregador, mas expressavam os sentimentos mais profundos do seu coração. Ele cria que sem o Espírito de Deus nada poderia ser feito. Quando a sua congregação cessasse de sentir a sua "inteira dependência e absoluta na presença de Deus", estava seguro de que "antes de pouco tempo deveriam ser objeto de desprezo e comentário velado, ou talvez um mero lenho sobre a água".
Aos pregadores ensinava: "Se tem que haver algum homem debaixo do céu obrigado a cumprir com o preceito "orem sem cessar", é sem dúvida alguma o ministro cristão. Este tem tentações especiais, provações particulares, dificuldades singulares... Necessita conseqüentemente muita mais graça que os outros homens, e como ele sabe disso, se vê obrigado a clamar incessantemente, pedindo força ao Forte, e a dizer: "Levantarei os meus olhos para os montes, de onde me virá o socorro... As orações que fazem serão os seus ajudantes mais eficazes enquanto os seus sermões estejam ainda sobre a bigorna... podem molhar a sua pena (que se usava para escrita antiga) em seu coração, recorrendo a Deus com toda a sinceridade, e escreverão bem; e se ajoelhados na porta do céu podem reunir os seus materiais, não deixarão de falar bem ... Nada pode lhes pôr tão gloriosamente em aptidão de pregar, como aquele que acabou de descer do monte da comunhão com Deus, para falar com os homens. Ninguém é tão apropriado para exortar os homens, como aquele que esteve lutando com Deus a favor deles".
Mas, sem dúvida, o que caracteriza de maneira mais clara e significativa o ministério de Spurgeon é a sua pregação absolutamente Cristocêntrica. Cristo era a profundidade e o centro da sua pregação, referindo-se a sua divina pessoa, ou a sua bendita obra. Para ele o único propósito e finalidade da pregação era apresentar a Cristo para o mundo; mas não a um Cristo ético e imperfeito, mas sim o Cristo dos Evangelhos, perfeito em sua humanidade e em sua divindade; um Cristo Salvador, crucificado e morto para a nossa redenção; um Cristo que é o único remédio para as nossas enfermidades, e a única solução para todos os nossos problemas, quaisquer que sejam.
Spurgeon estava acostumado a dizer a respeito: "Muitos, são os aspectos sob os quais temos que considerar sobre o nosso divino Senhor, mas eu tenho que lhe dar sempre a maior proeminência ao seu caráter salvador, de Cristo, nosso sacrifício, que leva os nossos pecados. Se houve uma época na qual tivesse necessidade de sermos claros, decididos e veementes neste ponto, é agora... Tratar de pregar a Cristo sem a cruz, é negá-lo com um beijo... As pessoas que menosprezam o sacrifício expiatório de Cristo como a única oferta pelo pecado, também dão golpe de morte na doutrina da justificação pela fé... O pensamento moderno não é outra coisa que a tentativa de retroagir o sistema legal da salvação pelas obras... Alguns pregadores evidentemente não crêem que o Senhor está como o seu Evangelho, porque para trazer e salvar os pecadores, o seu evangelho é insuficiente e têm que ser adicionadas as invenções dos homens. A pregação do singelo Evangelho tem que ser complementada, crêem eles. . . Se vosso Evangelho não tem o poder do Espírito Santo nele, não podereis pregar com confiança".
Spurgeon amava proclamar "a glória de Deus na face de Jesus Cristo". Cristo era o "tema glorioso, intensamente absorvente" de seu ministério, e esse Nome convertia as suas fadigas no púlpito em um "banho nas águas do Paraíso". Esta foi a sua característica desde os primeiros anos do seu ministério. Por isso, não é de surpreender que repassando os títulos dos seus sermões em 1856 e 1857 encontremos este nome constantemente repetido: "Cristo nos Negócios do Seu Pai"; "Cristo, Poder e Sabedoria de Deus"; "Cristo Levantado"; "A Condescendência de Cristo"; "Cristo Nossa Páscoa"; "Cristo Exaltado"; "O Elogio de Cristo"; "Cristo no Pacto".
Em um dos tais sermões, intitulado "O Nome Eterno", pregado no princípio de 1855 quando tinha vinte anos, descreve o que seria do mundo se o nome de Jesus pudesse ser eliminado do mesmo. Incapaz de refrear os seus próprios sentimentos, exclamou: "Sem o meu Senhor, não tivesse o menor desejo de estar aqui; e se o Evangelho não fosse verdade, agradeceria a Deus por me aniquilar neste mesmo instante, pois não desejaria viver se vocês pudessem destruir o nome de Jesus".
Muitos anos depois, a senhora Spurgeon recordava este mesmo sermão, e descrevia do modo seguinte ao seu final, quando a voz de Spurgeon quase estava se extinguindo por causa do esgotamento físico: "Recordo-me, com estranha clareza depois de tanto tempo, a noite do domingo em que pregou aquele sermão. Era um tema em que se alegrava extremamente; o seu principal deleite era exaltar o seu glorioso Salvador, e naquele discurso parecia estar vertendo a sua própria alma e vida em comemoração e adoração diante do seu misericordioso Rei. E eu cri seriamente que tinha morrido ali, diante de todas aquelas pessoas! No final do sermão, fez um grande esforço para recuperar a voz; mas a pronunciação quase lhe falhava, e só pude ouvir com acento entrecortado o patético epílogo: "Pereça o meu nome, mas seja para sempre o Nome de Cristo! Jesus! Jesus! Jesus! Coroem-lhe Senhor de todos! Não me ouvirão dizer mais nada. Estas são minhas últimas palavras no Exeter Hall por esta vez. Jesus! Jesus! Jesus! Coroem-lhe Senhor de todos!" E então se desabou, quase desacordado, na cadeira que havia atrás dele.